sexta-feira, 12 de junho de 2015

Macau 2/2: "Enquanto cá estiver, o hóquei em patins não vai morrer"



by Ponto Final
A selecção de hóquei em linha de Macau partiu esta semana para Paris, onde encerra a preparação para o Campeonato do Mundo da modalidade. O colectivo orientado por Hélder Ricardo estreia-se na próxima semana nas lides do Mundial. Em entrevista ao PONTO FINAL, António Aguiar diz que a deslocação à Argentina deverá servir sobretudo para conferir experiência ao grupo de trabalho do território. O presidente da Associação de Patinagem de Macau aborda ainda o futuro do hóquei em patins na RAEM e deixa uma garantia: enquanto por cá andar, a modalidade não morrerá.
"PONTO FINAL: O hóquei em linha é uma modalidade em expansão e Macau não é excepção. Há muitos jovens a praticar esta variante. Há também algum talento? Ou nem por isso?
António Aguiar: Nós procuramos nos últimos anos, sobretudo ao nível da patinagem em linha, demonstrar, aos pais neste caso e também a algumas outras entidades a evolução da nossa miudagem. Há alguns anos fizemos uma aposta no desenvolvimento da patinagem em linha, depois de muitos anos a perder miúdos sistematicamente. Não tínhamos onde os colocar a patinar, não tínhamos espaço. Neste momento estamos a utilizar espaços em escolas privadas para complementar as poucas horas que temos no pavilhão D. Bosco. Toda a evolução a que temos vindo a assistir, quer ao nível dos miúdos da fase de aprendizagem, quer ao nível dos miúdos que já praticam hóquei propriamente dito, está direccionada para um grande desígnio: no fundo, o que nós pretendemos é que o hóquei em linha seja uma modalidade que já não tem retorno. Isto é, que seja uma modalidade com desenvolvimento assegurado.
P.F: Não se coloca a mesma questão em relação ao hóquei em patins. No hóquei tradicional é um pouco mais difícil assegurar a renovação …
A.A: No hóquei tradicional está muito difícil a renovação. Neste momento, ao nível do hóquei em linha, para além de termos uma selecção jovem, com uma média de idades na ordem dos 23, 24 anos e que nos dá garantias de muitos anos em actividade, temos também jogadores em número suficiente para fazer uma escolha. Agora para o Mundial fizemos uma escolha, efectivamente: vão os melhores. Ao nível do hóquei em linha temos também equipa de juniores, equipa de juvenis e temos duzentos e tal patinadores que daqui a alguns anos poderão estar seguramente na origem de alguns bons jogadores para a nossa selecção. A renovação, neste âmbito, é um problema que não se põe. No hóquei em patins, de facto, tem sido difícil, daí a necessidade que temos de recorrer a alguns atletas com uma média de idades bastante alta. Alguns atletas já é com algum sacrifício que continuam a jogar e a fazer parte da nossa selecção.
P.F: Está ameaçada, de alguma forma, a supremacia de Macau ao nível do hóquei em patins asiático?
A.A: Poderá estar se nós, efectivamente, não conseguirmos fazer alguma renovação. Não digo uma renovação total, porque isso é praticamente impossível. Neste momento dependemos quase exclusivamente de alguma miudagem que sai das escolas da Casa de Portugal, que continua galhardamente e, eu diria, epicamente quase a ter uma escola de hóquei em patins, porque nas nossas escolas são muito poucos os que optam por patim tradicional e mesmo estes são ainda muito novos e não nos dão garantias absolutamente nenhumas de que possam continuar. Agora, enquanto eu cá estiver, garanto que o hóquei em patins não vai acabar, não vai morrer e irá continuar a dar grandes alegrias a Macau, de certeza absoluta. Dou a minha palavra de honra.
P.F: Uma das dores de cabeça com as quais se deparam ambas as modalidades diz respeito à falta de espaço. Já houve discussões entre a Associação de Patinagem de Macau e o Governo no sentido de dotar a modalidade com um espaço próprio. Em que passo está este desígnio?
A.A: Não perdi a esperança num espaço condigno para a prática de ambas as modalidades. O nosso grande sonho, e já o apresentamos várias vezes ao Governo, é uma pista de corridas com um ringue no meio que possa ser utilizado na maior parte do tempo por nós para as diversas modalidades. A patinagem tem nove modalidades e as pessoas não se apercebem disso. A maior parte das pessoas nem sequer está ao corrente deste factor. Nós neste momento só praticamos três: o hóquei em patins tradicional, o hóquei em linha e as corridas de patins. Não temos mais nada e existe o roller derby, existe o skateboarding, existe o free style skating, existe o alpine skating, o downhill, a patinagem artística. Ao todo são nove modalidades. Nós, já com estas três, temos as dificuldades que temos. Neste momento temos a promessa da utilização de um segundo espaço para além do D. Bosco, que é o pavilhão do antigo campus da Universidade de Macau, na Taipa. O espaço está a ser remodelado, porque se apresentava de certa forma degradado. Já tivemos algumas reuniões no sentido de nós ocuparmos alguns espaços durante mais tempo, porque só temos o pavilhão D. Bosco ao nosso dispor quatro dias por semana. Para preparar a selecção de “in line” tivemos de parar tudo. O hóquei em patins, por exemplo, está completamente parado …
P.F: E, ainda assim, a selecção de hóquei em linha teve direito a apenas oito treinos …
A.A: Exactamente. E teve direito a oito treinos com a agravante de frequentemente o grupo chegar ao pavilhão mais cedo e não estar lá ninguém ou estarem duas pessoas a jogar badminton. É muito revoltante, mas enfim. Nós não estamos aqui para nos queixar. Estamos aqui para resolver problemas e temos necessariamente de os resolver. Os quatro dias, ou melhor, as seis horas semanais a que temos direito foram nas últimas semanas exclusivamente reservadas para a selecção de hóquei em linha. O hóquei em patins está parado, as corridas estão paradas. Está tudo parado. As escolinhas não estão paradas porque estamos a ocupar espaços e recreios de estabelecimentos de ensino privados, até em condições de pouca segurança, mas é a única forma de manter estes miúdos em actividade. Não temos outra alternativa. Agora coloca-se a hipótese do antigo pavilhão da Universidade, mas só no final do ano, início do próximo ano poderemos começar a utilizar a estrutura.
P.F: Poderá ser uma espécie de balão de oxigénio para quem está à frente do projecto do hóquei patinado do território?
A.A: É, sem dúvida. E quero, por isso, agradecer ao Instituto do Desporto que, reconhecidamente, nos tentou resolver o problema e de certa forma conseguiu. Vamos a ver é se conseguimos, de facto, garantir as horas que são precisas, porque para além das selecções – e nós temos várias – temos as escolas e temos os Campeonatos. Nós não temos um campeonato em Macau há muitos anos porque não temos espaço. Fazemos o Campeonato onde?
P.F: Com o reforço conferido por este novo espaço poderemos ter o regresso das competições regulares?
A.A: Poderá ser possível, quer de hóquei em patins, quer de hóquei em linha. Obviamente teremos de trabalhar para isso mas, agora, com quatro dias por semana, diga-me lá como é que se conseguem treinar cinco ou seis selecções, fazer campeonatos e dar formação? É impossível.
P.F: E a eventualidade de Macau poder regressar à organização de provas internacionais? Uma das sugestões avançadas para o desenvolvimento do hóquei em linha passaria pela dinamização de uma espécie de liga regional itinerante, envolvendo equipas do território, da China e de Hong Kong. Poderia ser uma solução?
A.A: Sim, com alguns custos. É preciso ter em conta esta questão dos custos. Uma equipa de “in line” é constituída por 16 jogadores, mais o corpo técnico acaba por totalizar cerca de vinte pessoas. Vinte pessoas, ir e vir a Hong Kong, já é uma deslocação que sai relativamente cara. Transporte, água, alimentação. Mas é uma das possibilidades. Temos ido a Hong Kong com a nossa equipa sénior com o objectivo de disputar alguns jogos de preparação. Fazer uma espécie de liga é uma boa ideia, mas provavelmente ainda está numa fase muito embrionária. Já houve algumas conversas muito casuais sobre isso, mas não há nada de concreto. É algo de que todos gostaríamos, uma vez que competição é algo que as nossas equipas precisam e muito. Já que não a temos ao nível do hóquei em patins, creio que ao nível do “in line” seria possível e seria possível não só com Hong Kong, mas também com Taiwan, eventualmente. Taiwan é forte no hóquei em linha. A China é forte no hóquei em linha. Aqui à volta encontraríamos de certeza equipas suficientes para fazer uma liga bastante competitiva, mas para isso é necessário dinheiro e patrocinadores também. Não é fácil.
P.F: Temos à porta o Campeonato do Mundo, na Argentina. É uma prova que servirá sobretudo para que a selecção ganhe experiência?
A.A: De certa forma é para conferir a este grupo de trabalho alguma experiência, que é algo que os nossos jogadores não têm. Não têm também muita competitividade. Apesar de eles já terem participado três vezes em Campeonatos Asiáticos, o Campeonato do Mundo é outra coisa e ao contrário do que sucede com o hóquei em patins não há primeira, nem segunda divisão. Há uma divisão única e, como tal, vamos encontrar as melhores equipas do mundo. Vamos jogar com algumas delas, provavelmente. Na Argentina é que os nossos atletas se vão aperceber da realidade do “in line”. É a única oportunidade que terão para ver em acção alguns dos melhores jogadores do mundo e para verificar se estão longe ou perto de um nível que eles, necessariamente desejarão. Eu diria que eles vão apresentar-se no Mundial até demasiado ansiosos, porque para eles a participação no certame é a concretização de um sonho com alguns anos. A hipótese proporciona-se agora e é boa para eles. No próximo ano já terão bem mais experiência e, quem sabe se o hóquei em linha daqui a uns anos não dará a Macau as mesmas alegrias que o hóquei em patins também dá? É esse o nosso projecto …
P.F: Brasil, Colômbia, Índia. A Índia será, à partida, o alvo a abater?
A.A: A Índia está ao nosso nível. Nós já os defrontamos no último asiático. Ganhámos 6-2, se não me engano. Ou 6-3. O nosso grande objectivo é ganhar na fase de grupos à Índia, depois apanhar nos quartos-de-final uma equipa eventualmente mais forte e, depois, nos jogos de apuramento – para fugir aos últimos lugares – eventualmente até ganhar outro jogo. Há mais duas ou três equipas ao nosso nível. Ganhar dois jogos para nós seria o cumprir de todos os nossos objectivos, sem dúvida nenhuma. Se for só um, já não ficaríamos em último e já não seria mau.
P.F: Para o hóquei em patins tradicional, este ano acaba por ser um ano perdido. É um ano sem competição. De certa forma é o pior que pode acontecer a uma modalidade?
A.A: É. Não tenhamos ilusões. Eu estou bastante preocupado com isso. Já estamos sem competir há mais de cinco meses e desses cinco meses, tivemos menos de um mês para nos dedicar ao hóquei em patins. É muito pouco. Os jogadores têm obviamente tendência a relaxar e depois vai ser muito difícil retomar a prática com o mesmo afinco. Felizmente que este é um ano sem qualquer competição a nível internacional, mas nós temos de pensar que para o ano já há Asiático e para o ano nós temos de ir lá com o objectivo de renovar o título. Um relaxamento muito grande pode conduzir, efectivamente a que seja quase impossível retomar os níveis de competitividade que nós tínhamos. Eu conto sempre com a garra dos nossos jogadores, mas também isso tem limites, até porque eles serão dois anos mais velhos do que eram da última vez que competiram num Asiático. Se nos conseguirmos fazer alguma renovação com dois ou três jogadores, a questão provavelmente fica um bocadinho mais matizada, mas é, de facto, uma grande preocupação que nós temos. Com o “in line” na Argentina, queremos recuperar a preparação. O hóquei tradicional vai retomar os treinos e a nós compete-nos reatar os níveis de motivação que façam os atletas vir treinar, não havendo nenhuma competição nos próximos meses.
P.F: Já está definido o nome da cidade anfitriã do próximo Campeonato Asiático? Ou ainda não?
A.A: Já. A prova realiza-se na China, numa cidade próxima de Xangai. Não tenho presente o nome da cidade, mas é uma cidade pequena e pouca conhecida. Dois anos depois, em 2018, o Campeonato Asiático disputa-se na Coreia. Já estão definidos os dois próximos Asiáticos. Já agora, o próximo Mundial “in line”, agendado para o ano que vem, vai disputar-se no Dubai e em 2017 as modalidades todas da patinagem vão juntar-se num único local – em Barcelona – para os chamados Roller Games. A prova abrange um campeonato unificado de hóquei em patins, uma vez que a federação internacional decidiu acabar com a segunda divisão. Em Barcelona teremos o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins, o Campeonato do Mundo de Hóquei em Linha, o Campeonato do Mundo de Velocidade e os outros campeonatos das restantes modalidades. Serão uma espécie de Jogos Olímpicos da patinagem.
P.F: Tendo em conta que as duas divisões foram fundidas, Macau vai continuar a marcar presença no Mundial?
A.A: Sem dúvida nenhuma. A participação no Mundial é um dos nossos objectivos de sempre e agora com muito mais vontade. Uma coisa era andar a jogar com equipas do Grupo B, que era o que nós fazíamos dantes nos Campeonatos do mundo. Outra é jogar com os melhores. A partir de 2017 nós vamos estar integrados num único grupo mundial e vamos poder jogar com Portugal, vamos poder jogar com a Espanha. Era esse um dos nossos grandes objectivos: era defrontar equipas que nos dessem mais competições, que nos obrigassem a preparar melhor para nos podermos desenvolver. A nós só nos beneficia, sem dúvida alguma.
P.F: O regresso de competições de alguma monta internacional a Macau. Com estas condições, nem pensar?
A.A: Eu ultimamente não tenho pensado, nem proposto fazer nada porque no Pavilhão D. Bosco não dá. Eu até tenho vergonha, para lhe ser franco, de trazer cá equipas de renome internacional para jogar hóquei em patins num piso destes. O piso até é perigoso e é atentatório de tudo o que são regras. Essa possibilidade está fora de qualquer questão. Com o novo espaço poderemos equacionar de novo a eventualidade de podermos avançar para a organização de algo. Os homens da federação do hóquei em linha já me andam a dizer que gostariam de fazer um Mundial de “in line” aqui em Macau E porque não?
P.F: O futebol foi nas últimas semanas abalado pelo escândalo de corrupção na FIFA. Futebol e hóquei em patins movimentam níveis de receita muito diferentes. No passado, o António Aguiar foi por várias vezes crítico das instâncias internacionais que tutelam a patinagem e o hóquei em patins. A questão da corrupção não se coloca ao nível do hóquei patinado?
A.A: A Federação Internacional de Patinagem, que é o orgão máximo da modalidade, tem um presidente que por acaso até já foi julgado e condenado por corrupção. Neste momento ele continua a ser o presidente. Como ele apresentou recurso, o processo não está encerrado e ele mantém-se em funções. Mas não deixa de ser curioso. Mas estamos a falar de valores que não são, nem de perto, nem de longe, idênticos aos valores de que se fala em relação à FIFA. As minhas críticas relativamente ao hóquei em patins não são tanto em relação à Federação Internacional, mas sim ao Comité Internacional de Hóquei em Patins. Mas as críticas fazem-se sentir a outro nível. São críticas ao nível das competências. Não há dinheiro suficiente para haver corrupção no hóquei em patins. Aliás, o senhor Harro Strucksberg, que ainda é o presidente do Comité Internacional do Hóquei em Patins e que é a pessoa que comanda os destinos do hóquei em patins a nível mundial, de quem eu fui vice-presidente, é um homem honesto e integral. Não é, no entanto, um homem competente. Eu saí por discordar com ele no célebre caso da Catalunha, em 2004. Eu era o vice-presidente do Comité e a partir daí as minhas criticas têm exclusivamente a ver com as políticas ou a ausência dela: neste caso, as estratégias seguidas, mas nada que tenha a ver com corrupção.
P.F: Apesar de contestado, Harro Strucksberg continua no cargo ...
A.A: O senhor Strucksberg está lá, no hóquei em patins, com o apoio dos países mais fracos a quem ele dá, de vez em quando, um rebuçado. Portugal, Espanha, Argentina, França e Itália, os países mais fortes estão todos contra ele. Mas Portugal vale um voto, Taiwan vale um voto e o Japão também vale um voto e, portanto, na contagem final, nas últimas eleições, a candidatura de Struckberg ganhou por um."

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