Rui Sá foi condenado com pena suspensa por ter obtido medicamentos através de receitas médicas passadas por Rui Furtado e António Martins a duas pessoas que nunca consultaram.
Sónia Nunes
"O Tribunal Judicial de Base condenou o ex-administrador do hospital público Rui Sá a um ano e seis meses de prisão com pena suspensa por ter burlado os Serviços de Saúde durante quase um ano. Em causa estão cerca de 139 mil patacas em medicamentos adquiridos através de receitas falsas, passadas pelos médicos Rui Furtado e António Martins que, segundo a acusação e o colectivo de juízes, foram enganados.
O caso foi julgado há pouco mais de uma semana e remonta ao período entre Maio de 2011 e Abril de 2012. Rui Sá era então administrador-geral numa das secretarias do Centro Hospitalar Conde de São Januário.
Os quatro anos que o caso demorou a chegar a tribunal e o facto de os valores da burla “individualmente considerados serem baixos” serviram de atenuantes, como consta da sentença de 112 páginas a que o PONTO FINAL teve acesso. A execução da pena está suspensa por dois anos na condição de Rui Sá pagar uma indemnização de 232 mil patacas aos Serviços de Saúde, no prazo de 30 dias.
O Ministério Público (MP) dividiu a conduta do arguido, condenado por um crime de burla e outro de falsificação de documentos, em duas acções distintas. De um lado está o levantamento de medicamentos em nome de duas pessoas. Do outro, as saídas durante o horário de trabalho para deslocações fora de Macau – na maioria das vezes a Zhuhai – por períodos curtos, de entre 20 minutos a uma ou duas horas.
As ausências ao serviço que constam do processo são anteriores à marcação de consultas e apropriação de medicamentos.
Entre Janeiro de 2006 e 30 de Abril de 2011, Rui Sá saiu 68 vezes do hospital durante o horário de serviço, quando na folha de ponto indicou estar a trabalhar e foi remunerado por isso. Apesar de ter exercido funções até 31 de Março de 2012, o último registo na fronteira citado no processo é de 26 de Abril de 2011 – duas semanas antes de, segundo o tribunal, ter começado a burla com os medicamentos.
A acusação alegou que “a partir de Maio de 2011, o arguido e familiares tinham de tomar medicamentos para tratamento de insónias, Alzheimer e doenças do foro mental”. O tribunal deu o facto como não provado, ficando por perceber qual o destino dado aos comprimidos.
Arguido “mentiu” ao hospital
As receitas médicas usadas por Rui Sá foram passadas pelos cirurgiões Rui Furtado e António Martins, em nome de Eduardo Graça Ribeiro, ex-director dos Serviços de Finanças, e de Pinto Cassiano. Ambos garantiram em tribunal que “nunca foram a estes médicos, nem pediram ao arguido ou alguém para lhes arranjar medicamentos, nem nunca os tomaram”, afirma o colectivo presidido pelo juiz Rui Carlos Ribeiro.
O tribunal ouviu ainda testemunhas que declararam o “exagero das doses prescritas nalgumas receitas”. A denúncia do caso foi feita em 2011 pela Divisão de Farmácia Hospitalar que, de acordo com o MP, “começou a descobrir que quer em relação ao primeiro paciente [Pinto Cassiano] ou quer em relação ao mesmo medicamento, a receita prescrita era sempre em doses excessivas”.
Pinto Cassiano e Graça Ribeiro gozam de assistência médica gratuita. Não pagam pelas consultas, nem pelos medicamentos receitados pelo hospital.
No total e segundo os factos dados como provados pelo Tribunal Judicial de Base, Rui Sá obteve de forma gratuita fármacos avaliados em quase 139 mil patacas, conseguidos através de 70 consultas, divididas entre dois pacientes e distribuídas por dois médicos em menos de um ano. Em média, o arguido marcou perto de uma consulta por semana em nome de Pinto Cassiano, com 41 marcações em 11 meses. No caso de Graça Ribeiro, a frequência foi entre duas a três consultas por mês, com 29 marcações num espaço de 10 meses. Em todas as ocasiões foram passadas receitas médicas, “sendo as duas vezes de montante mais elevado no montante de MOP$6,638,40 e MOP$7,468,20”, indicam os juízes.
O tribunal diz que Rui Sá “levou o hospital a acreditar” que Pinto Cassiano e Graça Ribeiro “eram pacientes com doenças crónicas” e “pedia aos dois médicos para prescrever medicamentos como se fossem para estes”. Também o Ministério Público afirma que “mentindo aos médicos [o arguido] disse que foi encarregue pelos pacientes de fazer o levantamento dos medicamentos”.
O PONTO FINAL contactou Rui Furtado para tentar perceber por que passou as receitas médicas sem fazer consultas e o porquê das doses excessivas, mas o ainda presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau não quis prestar declarações. As tentativas de contacto deste jornal junto de António Martins não foram bem-sucedidas.
A defesa de Rui Sá, assegurada pelo advogado David Gomes, disse não ter comentários a fazer sobre o caso.
Serviços de Saúde defendem médicos
O ex-administrador foi alvo de um processo interno em Maio de 2012, cerca de um ano depois da Divisão de Farmácia Hospitalar considerar o levantamento de receitas suspeito. A decisão, recordam os Serviços de Saúde numa declaração por escrito ao PONTO FINAL, foi despedimento por justa causa por Rui Sá “ter violado o dever de lealdade e o dever de honestidade para com a sua entidade patronal”. A informação foi tornada pública em Boletim Oficial um ano depois, em Abril de 2013.
Ao PONTO FINAL, os Serviços de Saúde esclarecem que não foi aberto um processo de averiguações em relação a Rui Furtado e a António Martins porque “os mesmos, à altura, não haviam violado qualquer regra” interna. Isto apesar de reconhecerem que “não era comum” médicos do serviço público passarem receitas a pessoas que nunca consultaram a pedido de terceiros, tendo sido “essa a situação que chamou a atenção dos Serviços de Saúde”.
Até sexta-feira, nenhuma das partes tinha avançado com recursos da decisão do TJB. O colectivo absolveu Rui Sá de três dos sete crimes de que vinha acusado e entendeu estar perante um caso de burla continuada e não de três como alegava o MP.
Da indemnização aos Serviços de Saúde de 232 mil patacas imposta pelo tribunal a Rui Sá, 93 mil dizem respeito às remunerações recebidas durante as faltas ao trabalho e as 139 mil cobrem o valor dos medicamentos.
No pedido cível, os Serviços de Saúde reclamaram o pagamento de juros pelos danos patrimoniais e subiram a avaliação dos prejuízos para 317 mil patacas. Os danos não patrimoniais alegados não colheram junto do tribunal."
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