domingo, 19 de julho de 2015
DOMINGUIZO - outros escreveram ...
"A Festa do farrapeiro reuniu 25 expositores da freguesia do Dominguizo e foi bastante concorrida. Não faltou o
artesanato e mobiliário construído na freguesia nem os produtos gastronómicos locais como a “farrapeira”, uma
sopa muito idêntica à da pedra e que fez as delícias de todos quantos se deslocaram à festa e puderam ainda
degustar os licores tradicionais de pêssego e outros frutos. A animação também não faltou, quer fosse com a prata
da casa quer com a presença de vários grupos da região como foi o caso do grupo de cantares de Santa Maria.
Quem chega ao Dominguizo facilmente se apercebe da presença de farrapeiros naquela aldeia da corda do rio. Não
só pela presença do monumento ao farrapeiro e que nos dá as boas vindas, mas porque os habitantes daquela
localidade fazem questão de se afirmar como farrapeiros. “Andaram à frente do nosso tempo” atira o presidente da
junta de freguesia, José Minhoto, quando lhe pedimos que contextualize a actividade económica que no período da
segunda guerra mundial ajudou a matar a fome a muita gente. Naqueles anos, não existiam “movimentos para
limpar Portugal e já havia quem se preocupasse com a recolha de resíduos e de desperdícios”. José Varanda tem
64 anos é um dos últimos farrapeiros do Dominguizo. Desde os catorze até aos 54 anos de idade, palmilhou
quilómetros de terra entre as aldeias e vilas da Beira Interior sempre na busca de novos restos e objectos de valor
para vender a terceiros. Várias empresas de lanifícios da Covilhã foram locais de recolha de trapos, um trabalho
árduo que se traduzia em pequenos ganhos. “ Noventa escudos por semana” para recolher “peles de coelho,
farrapos, cobre, alumínio, zinco e garrafas velhas, na altura comprovasse tudo para vender aos armazenistas que
depois separavam os resíduos e encaminhavam a matéria para junto de “quem dava mais”, pois pedíamos sempre
acima do valor para ganhar algum”, explica com entusiasmo José Varanda que se orgulha de ter desenvolvido uma
actividade que lhe permitiu” ter sempre algum no bolso e não ter de cumprir horários”. O Pior “era quando
dormíamos ao relento ou com os animais ao pé dos fardos de palha para nos aquecermos, naqueles dias de muito
frio e de intensos nevões”.José Varanda diz que não enriqueceu mas lembra o caso de armazenistas como José
Alves Pais que mandou construir um bairro de habitação, perto do cemitério. O percurso de vida deste antigo
farrapeiro passa pelas boas relações de amizade que mantinha com as modistas onde passava para recolher os
restos da costura e pela aventura de conhecer gente nova.
José Gentil Marques Gaspar tem 49 anos de idade e atesta o testemunho do mais antigo farrapeiro do Dominguizo.
“Ser-se farrapeiro é serse rebelde, nunca gostámos muito de ser mandados”, afirma ao JF um dos descendentes
da família Pais Almeida Matos e Gaspar que enveredou por esta actividade ainda na adolescência e ouviu o avô
Francisco Gaspar contar histórias da “troca de peças de louça por farrapos e feijões e alfinetes por outras coisas,
era assim de norte a sul o espírito empreendedor destas famílias”. José esteve na Marinha e voltou às origens,
entusiasma-se a falar do negócio dos seus antepassados e conta como hoje continua a dedicar-se à recolha de
“papel, plástico, metais não ferrosos, tudo para reciclagem”. “Todas as semanas movimento algumas toneladas de
resíduos para fazer chegar à Sociedade Ponto Verde e às empresas de fundição no Porto, Lisboa ou mesmo para
Espanha”. O empresário em nome individual prepara-se agora para criar, na freguesia de Vales do Rio, uma
empresa de recolha e separação de ferro, pois considera que as grandes empresas localizadas na região vieram
prejudicar o negócio familiar, não autorizado a compra e venda de resíduos a entidades não licenciadas”. Em terra
de farrapeiros (nesta altura ainda há cerca de duas dezenas de pessoas a trabalhar na área), José Gentil lembra
como há dez anos, 27 sucateiros foram à Câmara da Covilhã (CMC) solicitar a instalação de um parque industrial
de resíduos e não obtiveram resposta favorável. O lamento do empresário é acompanhado pelo presidente da junta
de freguesia. “ A Junta de freguesia têm-se empenhado bastante junto da CMC e do Ministério do Ambiente para
que esta actividade continue na terra, infelizmente a legislação é apertada e tem limitado uma das variantes da
actividade do farrapeiro. Os sucateiros estão a ser exterminados, mas são uma actividade que ainda emprega
várias pessoas e sentimos alguma tristeza por verificarmos que esta actividade está a desaparecer daqui”. José
Minhoto lembra que o trabalho dos sucateiros evitaria a necessidade de aparecerem movimentos para limpar
Portugal. Questionado sobre como preservar a memória dos farrapeiros, o presidente da junta de freguesia
esclareceu que é “uma aspiração da freguesia instalar uma unidade museológica num edíficio recentemente
demolido, com uma fachada revestida a xisto e que ficaria ao pé da igreja”.A obra não será no entanto concretizada
no presente mandato pois que as sinergias da autarquia estão actualmente concentradas nas obras de carácter
social que a junta de freguesia pretende ajudar a construir e que se destinam aos idosos e crianças desprotegidas
que têm acolhimento no centro social “Jesus Maria José”.
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