Às vezes, quando, se calhar, cansada de o ser, a Vida, apesar de nela muito ter viajado, se me me torna pesada, injusta e velhaca, ponho-me a pensar nos olhos de minha mãe, que quando, lar pago e emprestado à sua volta, passava, enganada, as semanas que o ano tem, e "ressuscito-a", feliz, talvez como nunca, por me rever, mais do que a partir de falas distantes, mitigantes, onde, mentindo-lhe, com piedade, foi posta em retiro - sem marido, sem família, ali ao lado, a dizer-lhe presente ...
E é no olhar do reencontro, qualquer que seja, que começa o abraço que não precisa de palavras.
Morreu - morreu para muitos, para muitos que a sabem à sua beira, mas dela só eu verdadeiramente sei, naquele que agora é o ossário onde, resto, está inteira com os olhos em mim - sobretudo como quando, já velha, no lar alheio, e pago, lhe levava, pelo telefone ou de viva voz, as palavras que nunca lhe deixei faltar.
Quantos lá foram porque os "obriguei", quantos, morta, quiseram vê-la para lavar a consciência de visitas não concretizadas, quando os sorrisos ainda eram possíveis e trocáveis.
Morreu, disseram-me pelo telefone. Fui vê-la e, quase por caridade, deixei que a olhassem os que quase nunca a tinham beijado, quando ela os podia ter visto.
Foi, naturalmente, o derradeiro encontro e, esgotadas as afeições verdadeiras, ou de circunstância, mandei encerrar a urna em que, cuidadosos, a depositaram para evitar que injustos olhos e mentirosas lágrimas dela fingissem qualquer espécie de adeus meramente protocolar.
A vida é uma coisa séria, mas a morte também. E assim secaram, entretanto, carnes e se desfizeram ossos, ossos que "inauguraram" na aldeia espaço próprio, onde já não há, mas restam pedaços de saudade para os que a tiverem.
Repousa em paz, minha Mãe! Aí onde estás agora, ossos que foram suporte de sorrisos e lágrimas, revejo-te olhares enquanto olhar tiver. Mas sempre, como quero seja o caso, também logo me sinta cinza espalhada nos oceanos, com olhos e sorrisos do que aqueles que me ajudaram a SER - este que escreve aqui - quase como previsto e combinado, num banco de jardim, menos palpável que o papel em que vou deixar o essencial do que me disse a vida. Como o previsto pelas tuas palavras sabedoras, que, já velha, querias aprender a ler - para me ler para além do que já lias como as mães sabem, mal o aprendem na maternidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário