terça-feira, 15 de setembro de 2015

Faz hoje anos que nasceu Bocage, sem papas na língua ...


in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA,
                             com selecção de Natália Correia

















Lá quando em mim, perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia - o teólogo, o peralta
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade
que englole sob-venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
Passou vida folgada, e milagrosa:
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro."


in ANTOLOGIA DO HUMOR PORTUGUÊS

Retrato próprio

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo na figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:

(Digo de moças mil) num só momento,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento
Inimigo de hipócritas, e frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.

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