quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Um dia ...

UM DIA cheguei ao aeroporto de Kinshasa e mal se aperceberam que eu era o português esperado, da lusa embaixada lusa local alguém se apresentou e me disse para segurar muito bem a bagagem entre as pernas, enquanto ele estivesse a aprontar o visto de entrada ...

UM DIA, no aeroporto de Moscovo, a polícia que analisava os passaportes fez tudo o que mandaram a cerca de um metro de altura da minha cabeça ...

UM DIA, em Tóquio, o Adido Cultural da lusa embaixada (cineasta Paulo Rocha), levou-me a a ver cursos de água sem fim em lindos parques da cidade.E foi isso ...

UM DIA, em S. Paulo, no Brasil, o vice-cônsul de Portugal, na ausência do cônsul, e por não haver outro lugar para trabalhar, abriu-me a porta do gabinete do cônsul e disse-me para estar à vontade, ocupasse a secretária e utilizasse o telefone e o WC privado à vontade.

UM DIA, acabado de chegar, à noite, a Joanesburgo, esqueci-me de eventuais perigos e fui assaltado por dois negros nas traseiras do hotel em que havia sido instalado (5 estrelas). Manietaram-me, levaram o dinheiro que tinha comigo e deixaram-me sem relógio - que seria fundamental na volta ao Mundo que quase tinha, então, começado ...

UM DIA, recomendado a partir do Bank of Lisbon, em Joanesburgo, para determinado alojamento particular, na Cidade do Cabo, com o compromisso de, mal chegado à cidade, telefonar, em cabina pública, para anunciar a minha chegada, cumpri o solicitado, mas tive que dizer o número do telefone dessa cabina e ... e esperar que, do outro lado, confirmassem ter sido eu o autor do telefonema ...

UM DIA, amável e bem-humorado, um diplomata português numa cidade brasileira, convidou-me para almoçar - mas fê-lo também aos "mais comilões" da lusa comunidade local, que durante cerca de duas horas comeram e "obrigaram-me" a fazer sempre o mesmo - em quantidades "impossíveis" ...

UM DIA, em Caracas, segurança oficial ao dispor, aceitaram levar-me, noite alta, a passear na cidade "proibida" e assim andei ladeado de dois latagões aflitos ...

UM DIA, em Toronto, levaram-me a festejar o meu aniversário numa casa de fados local. Não me lembro se chorei ou não ...

UM DIA, em Melbourne, estive em casa do investigador australiano que sustentava que a Austrália tinha sido descoberta por portugueses ...

UM DIA, em Sidney, o cônsul de Portugal começou por recusar-me o apoio logístico já combinado em Lisboa (MNE) e ameacei regressar. Acabou muito interessado no meu trabalho.

UM DIA, em Kinshasa, assisti, em varanda privilegiada, a um desfile militar presidido por Mobutu, conhecido/amigo de um amigo meu.

UM DIA, estive, em Macau, ao lado do comandante das tropas portuguesas ali destacadas e, na improvisada tribuna, assisti a um apresentar armas.

UM DIA, em Goa, fui recebido pelo respectivo governador indiano, que me falou de uma familiar sua no Estoril ...

UM DIA, em Toronto, pernoitei em casa de uns padres portugueses e os meus companheiros de trabalho portugueses levaram-me a uma sessão de strip-tease ...

UM DIA, embarquei no Infante D. Henrique e andei um mês, ida e volta, no Atlântico, a deixar crescer a barba no queixo - que depois fui "obrigado" a manter para evitar um espaço pálido, no meio de um rosto tisnado pelo sol.

UM DIA fui a Bissau e se não fosse a circunstância de ter sido companheiro ocasional do ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, em voo fora da rotina, teria ficado no aeroporto à espera do táxi - que não havia à espera daquela chegada (o ministro guineense, vinha da cerimónia de independência do Zimbabué?) deu- me uma boleia até ao centro de Bissau.

UM DIA fui a Itália e um vulcão em actividade súbita obrigou-me a, vindo de Roma, entrar em Lisboa, "fugido" das poeiras vulcânicas, pelo norte de Espanha.

UM DIA, cheguei ao aeroporto de Goa, quase saído de Lisboa, e ouvi o meu nome, à chegada, nos respectivos altifalantes.

UM DIA estive em Goa e vi a estátua de Camões.

UM DIA estive em Moscovo e vi Lenine, morto, mas bem guardado.

UM DIA fui a Roma e vi o Papa.

UM DIA fui a Paris e só tive tempo de estar 20 minutos no Louvre.

UM DIA estive em Londres, na Biblioteca Britânica, e vi livros que desejei abrir. Olhei.

UM DIA deixaram-me subir ao zimbório da basílica da Estrela, a dois passos deste banco e deixaram-me admirar Lisboa, como nos tempos da catequese.

UM DIA HEI-DE REVER ISTO, E MUITO MAIS, A PARTIR DO OCEANO, ONDE, FEITO CINZA, ME LANÇAREM, conforme pedido.

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