Para Cristina Branco o fado é um estilo de música universal, porque fala sobre pessoas e sentimentos. A fadista – que se inspira na literatura porque diz que não conseguiria cantar sem ter boas letras – vai estrear em Macau músicas do seu mais recente álbum “Menina”, com lançamento previsto para Setembro. A fadista portuguesa actua a 12 de Março no Centro Cultural de Macau, a convite do festival literário Rota das Letras.
Mark Phillips
"- Passa muito tempo a viajar e a cantar fado para audiências não portuguesas. É um desafio maior do que cantar para pessoas que estão familiarizadas com este género musical?
Cristina Branco - Durante os meus concertos, gosto de contar histórias com um pouco de história de Portugal, um pouco de fado e um pouco de língua portuguesa, e faço-o de forma a que todos compreendam. Por isso, se houver pessoas no público que sejam de vários pontos do mundo, isso é fantástico. A minha mensagem será sempre a mesma, essencialmente, porque é essa a história que quero contar às pessoas. Quero que as pessoas percebam o que estou a fazer, quer seja fado ou não. Quero que seja tão universal quanto possível, sempre com respeito pelas nossas raízes, claro, mas de forma acessível, para que todos compreendam. Obviamente, o meu ponto de partida é, por norma, a literatura portuguesa. Sinto que é importante que as pessoas conheçam a minha cultura, a minha música, e compreendam o que é Portugal, o que é a língua portuguesa. É assim que gosto de fazer música e de estar em palco.
- Acha que o fado é capaz de ter um apelo universal, dado o seu passado muito tradicional?
C.B. - Se pensarmos no fado e nas suas raízes, então não é universal. Mas se pensarmos nele como um tipo de música que podemos transportar para outros universos… Muitas pessoas dizem que o fado é a versão portuguesa dos blues. Por isso, se é similar aos blues, então é sobre pessoas e sobre sentimentos, e isso é universal, não exclusivamente português. O fado é muito dramático, é muito nostálgico e melancólico, mas também é muito mais do que apenas isso.
- Vem a Macau actuar integrada no programa do festival literário Rota das Letras. Isso é importante para si, dada a abordagem que costuma imprimir à sua música?
C.B. - Para mim faz sentido. É o meu ambiente natural, é de onde venho, pelo que não me é complicado interpretar autores portugueses e ter uma relação com a literatura portuguesa. Pelo contrário, tenho todo o prazer em fazê-lo e sinto-me honrada com este convite. Porque é isso que faço com a minha música. Claro que é fado, mas também é literatura portuguesa.
- Quão importante é a literatura para si, no que diz respeito ao seu processo criativo e à sua música?
C.B. - É claramente uma fonte de inspiração. Antes de ter começado a cantar, já gostava de ler e sempre estive rodeada por palavras. Foi com extrema naturalidade que decidi trazer a literatura para esta estranha forma de vida composta por música e viagens, porque eu não conseguiria cantar sem ter boas letras. Não faria sentido. O que eu adoro realmente é interpretar a literatura portuguesa e levá-la, de algum modo, até diferentes pessoas. Algumas pessoas não gostam de ler ou não conhecem determinados autores, por isso quando canto esses autores estou a levar a literatura deles a essas pessoas que, se não fosse a minha música, não os conheceriam. O meu grande objectivo é que quem ouve possa, quiçá, interessar-se em ler a obra literária em si depois de ouvir a minha música.
- Tem algum estilo literário favorito? Ou um autor favorito?
C.B. - Gosto de diferentes tipos de literatura. Em inglês, gosto muito de Ernest Hemingway. Aliás, recentemente escrevi umas linhas sobre ele. Gosto de poesia e, na literatura portuguesa, o meu favorito é Pessoa, embora não o cante muito hoje em dia.
- Com tantas viagens que fez, há algum lugar que seja o seu favorito para visitar e actuar?
C.B. - É difícil, porque já vi imensas culturas maravilhosas e pessoas lindas por todo o mundo. Mas um sítio que visito muito é a Holanda. Amo os holandeses, está visto. E adoro o Japão e a cultura nipónica. À primeira vista, podem parecer algo diferentes, mas gosto da forma como ambos preservam os seus países e a sua cultura. Têm também uma tendência natural para a ordem, tudo é tão perfeito. Mas, por outro lado, também adoro o oposto. Gosto muito de África, adoro países complicados com arquitectura complicada. É algo que também me atrai e sinto-me mesmo muito bem lá.
- Vai lançar um novo álbum em Setembro ou Outubro deste ano. Pode falar-nos um pouco sobre o seu próximo projecto?
C.B. - É, provavelmente, o álbum que me levou mais tempo a fazer, porque estamos a fazer algumas mudanças e a reflectir de forma muito, muito cuidadosa acerca delas. O título será “Menina”, pelo que é sobre a feminilidade, é sobre as mulheres nas suas fases mais vibrantes, sobre como as mulheres – eu incluída – se posicionam na sociedade e a forma como a sociedade vê as mulheres nas suas diferentes fases. Estou a gostar muito de fazer este álbum. Está a fazer-me superar as minhas expectativas.
- E poderemos contar com algumas das novas canções aquando do seu concerto no âmbito do Rota das Letras?
C.B. - Claro. Não vou perder a oportunidade de cantar algumas destas novas canções em Macau, pelo que a audiência será, de certo modo, cobaia deste novo álbum. Quero perceber qual a reacção das pessoas, por isso vou sujeitá-las a testes (risos). É a primeira vez que o vou fazer, por isso espero que as pessoas gostem e se divirtam.
O fado universal de Cristina Branco
Antes do fado, Cristina Branco, nascida em Almeirim em 1972, começou por estar próxima de grandes referências do jazz norte-americano como Billie Holliday e Ella Fitgerald, ou de Janis Joplin – a “rainha do soul e rock psicadélico” – e Joni Mitchell, considerada uma das grandes cantoras e compositoras da contemporaneidade.
O fado de Amália Rodrigues atravessou-se no caminho de Cristina Branco quando o avô lhe oferece aos 18 anos o álbum “Rara e Inédita”. Poucos anos depois, em 1996, Cristina Branco faz a sua estreia em palco, em Amesterdão, na Holanda.
Rapidamente se dá a conhecer como cantora de poetas: Camões, Pessoa, David Mourão Ferreira, José Afonso, Vinicius de Moraes. Canta também escritores e poetas do mundo: Paul Éluard, Léo Ferré, Alfonsina Storni ou Shakespeare.
Sem querer uma ruptura com a tradição, pelo contrário, procura o que este género musical tem de melhor, tenta reunir a emoção e o sentimento associados ao fado com uma ligação íntima à voz, à poesia e à música.
Em pelo menos duas décadas de carreira, Cristina Branco realizou centenas de concertos em várias partes do mundo e gravou 13 álbuns, encontrando-se a trabalhar no 14º, intitulado “Menina”, cujas músicas a cantora prometeu estrear em Macau." C.A.
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