quinta-feira, 25 de novembro de 2010

1977 - Frutos proibidos *

O jornalista, em regra, recebe o acontecimento "quente", põe "têmperos" q. b. e serve "quente". O fazedor de crónicas, normalmente, recebe "quente", deixa arrefecer, decora a gosto, mete no frigorífico e serve, mais tarde, "semifrio". O jornal - refeição completa proposta aos leitores - procura ou deve ser, o pitéu, sem azedume nem esturro, que de ambos aproveita.

No meio dos pratos quentes de hoje, aí vai um "digestivo semifrio" que tirei, pela manhã, do frigorífico. Acudiu-me, há dias, quando tranquilamente, assistia a um desses espectáculos que nos têm oferecido e que se integram nas chamadas "Quinzenas da Música de...Leste".

Recordam-se, com certeza, da corrida aos filmes pornográficos verificada logo após a abolição da censura. Ninguém ignora a manifesta tendência que os nossos conterrâneos da província têm para, ao chegar a Lisboa, irem logo ver uma revistinha com boas piadas e mulheres nuas.

Pois bem, cá para mim, chegada a altura, todos vamos para a bicha do filme pornográfico e corremos à revista das piadas fortes ... e não só... Basta, para tanto, que tenhamos vivido durante anos privados de tudo isso, por força da censura ou por qualquer outra razão. No fundo, é sempre pela censura ... mesmo que não seja a do lápis azul. Mas adiante. Pela minha parte, confesso que, em tempo de trevas, fiz uma fugazita à estranja e "aconteceram" logo três coisas: em Paris, comprei um disco de música popular soviética e, no Petit Palais, vi uma exposição de arte da URSS; em Amesterdão, logo a seguir, fui ver um filme pornográfico.

Em Portugal era tudo proibido e eu ... "aproveitei".

Hoje, entre nós, nesse aspecto, as correm de outra maneira e todos só vamos ver, ou quase, aquilo de que gostamos.

O público português está agora, de certo modo, a reagir às manifestações de Leste como o faz em relação à pornografia. Com a diferença que há restrições à propaganda desta, enquanto às outras é o próprio Estado que no-las fornece em quantidades industriais...

Acabaremos, assim, por desejar ver o que é pornográfico, por ser mais "proibido", e enjoar o que de Leste nos servem - por ser em doses pouco "digestivas".

* in "À Sombra da Minha Latada", de M.A.

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