Apesar da forte impressão negativa trazida de uma Rússia brejneviana; apesar do ainda fresco na memória, ruir do Muro, a verdade é que não é sem alguma emoção que, na Fortaleza de Peniche, se percorrem os corredores de acesso às celas em que Carlos Brito, Álvaro Cunhal, Aboim Inglês, e tantos outros, sonharam um Portugal diferente, democrático, na sua linguagem, em horas, por certo, do maior desconforto - em nome de ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, que, viu-se mais tarde, na prática, vários, de igual ideologia, não conseguiram transformar em riqueza equitativa (cultural, económica, social, política).
Seguro de que o difícil é o equilíbrio, resta dizer baixinho a poesia sangrada no desespero das celas 10 e 13 - 3º andar, pavilhão B:
Nem uma folha verde a sugerir floresta
nem uma só aresta na parede lisa
nem uma breve brisa e nem sequer
uma sombra qualquer humana se divisa
Apenas esta ausência nua e crua
de tudo e todos num silêncio a rodos
o nó que se não ata nem desata
da solidão abstracta e tão concreta
Mas mesmo neste esquife escuro e escasso
amortalhado em vestes de cimento e aço
basta estar vivo, basta!
que a seiva sobe
a terra gira
a vida é vasta
Cada noite levo comigo para o leito
uma pequena brasa de memória acesa:
pode ser que a chama cresça o sonho aqueça
pode ser que apenas em crista se desfaça
Cada manhã desperto quando o sol refeito
da noite acorda toda a natureza
pode ser que a esperança agora amadureça
pode ser apenas mais um sol que passa.
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