segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O nome

Produto do cruzamento entre um garboso cão de raça e uma humilde e pacífica cadela lá da rua, o Tiquetaque é, na espécie animal, o ai-jesus da minha velha tia Clemência que vive sozinha, algures, na antiga zona saloia de Loures, hoje dormitório desta saturada Lisboa. Rafeiro pelo nascimento, como a maior parte dos humanos, não há nas redondezas quem, conhecendo-o, não o estime.

Desveladamente tratado pela dona, é vê-lo, lustroso, bem tratado, seco de carnes, atlético, espadaúdo, altivo, a passear todas as manhãs pela trela, ou solto, na imediações da casa da tia Clemência.

A miudagem das cincunvizinhanças já o conhece e trata-o com carinho. O seu dar-a-dar de rabo é o cumprimento com que corresponde à simpatia das gentes que passam e lhe dirigem uma palavra de amizade. Parece um cão feliz na humildade das suas origens, tendo para todos um aceno de simpatia e pagando, com obediência e olhar, tudo o que de bom lhe é prodigalizado pela dona, em anos de dedicação ininterrupta.

A brandura do nome, ao que se sabe, deve-se à sua própria atitude neste mundo, desde que nasceu: completa ausência de arrogância, bondade nos modos, lealdade nas atitudes, salamaleques das plumas do rabo ao menor gesto amigável dos que cordialmente dele se aproximam. É, assim, Tiquetaque por célula animal e por maneira de estar na vida. Longe, por isso, de se lhe poder chamar um protótipo de cão de guarda. A tanto, aliás, não o ajudaria o nome. Nome que, no binómio ser-parecer, tem a sua importância, como é óbvio.

D. Clemência que o diga: vivendo só, quando, na quietude da noite, lhe batem à porta, é sempre bastante hesitante que, nestes tempos de intranquilidade generalizada, vai abrir. É então que aparece, lampeiro, o seu inseparável Tiquetaque a ladrar e a dar ao rabo. Só que o bicho parece acreditar nos homens e a toda a gente faz vénias. Mas chama-se Tiquetaque, o que, se o visitante é dos que é preciso manter à distância, não se presta para a dona chamar pelo nome que não mete medo a ninguém ...

Nesses momentos, D. Clemência tem ganas de o tratar, não por Tiquetaque, mas por Leão. Porém, o animal tem dificuldade em perceber a diferença e continua a abanar o rabo, como se nada fosse.



Afinal, parecendo que não, o nome é importante. Mesmo para rafeiros... Embora saibamos que há Tiquetaques que mordem e
Leões que só abanam o rabo. Nos engano da vida, é assim...

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