Foi crónica (1991). Publicada não sei onde. Hoje é apontamento a propósito de ... E continua no projecto de livro "Cartas à minha neta", que um dia, quando os homens estiverem sentados, há-de ser ...
"Natal é presépio. Natal foi aquele dia em que, no berço da maternidade, primeiro, e, logo a seguir, nos braços da mãe, baboso, a vi, espelho meu, e, quase pateticamente, desatei a correr e a dizer a toda a gente, como se isso já fosse possível, que ela, tranquila, me olhara nos olhos.
De Natal foram todos aqueles maravilhosos dias em que, mais tarde, a fui buscar ao jardim-escola e que, a caminho de casa, quilómetros feitos metros, ela, bibe aos quadrados, me cantou a cantiga sempre nova que aprendera horas antes, no meio de outras crianças.
De Natal vestiram-se todas aquelas manhãs que, sentada à porta do meu quarto, amarrotou o vestidito para, à saída, me dar um beijo e ouvir a minha voz.
De Natal foi aquele dia em que, pela primeira vez, na Academia de Música de Santa Cecília, a ouvi tocar piano e, envergonhada, a vi agradecer aplausos de ternura.
De Natal foi aquela tarde em que, pequenita, mas consciente, a observei à distância, lá no estrado onde, solenemente, lhe perguntavam a tabuada que sabia de cor e salteada. E quem tinha sido o primeiro rei de Portugal. E quem tinha descoberto o caminho marítimo para a India ... E tantas, tantas coisas...
De Natal foram aqueles dias em que, sentados no chão, fizemos do seu quarto uma cabina de som a sério e gravámos impressões acerca de uma visita ao Museu da Gulbenkian, acabada de efectuar, com a turma do prof. Adérito.
De Natal foram, de mão dada, as férias na Florença de Giotto. Na Veneza dos canais. No Vaticano de Paulo VI. Na Londres dos teatros.Em Paris da Place du Tertre. Em Munique do Museu da Técnica. Em Salzburgo de Mozart. Em Viena, na Ópera e na Grande Roda. Nos Açores, naquela capelinha perdida na verdura, em dia de festa.
De Natal foi aquela tarde cheia de jovens, sadios e aprumados, na sala do teatro em que, no palco, recebeu o seu diploma de curso.
De Natal foram todos os dias em que, saudável, a vi crescer.
De Natal são sempre grande parte destes, inúmeros e vários, dias de pai, como tantos outros, grisalho e fatigado, mas, avô de uma cana, a quem o mundo acena com novo sorriso - para que de Natividades a terra não descanse e, se possível, esqueça os intervalos em que, longe do Presépio, desalmados e ignorantes, que também os há, o obrigam, contra a sua vontade, a não sorrir.
Bom Natal para todos - pais saudosos e avós esperançados. O Menino anda por aí."
Um grande beijo de Feliz Natal desta Avó esperançada, e também sua amiga, que sentiu tudo o que escreveu e lhe agradece a beleza do texto.
ResponderEliminarQuerida Amiga, um dia será Natal para todas as cartas que, como esta, ainda não foram consumidas pelo Tempo e, no escuro de uma prateleira, espreitam a Vida. Obrigado.Muito obrigado! Quando morrer a esperança a um avô, a uma avó, Luísa, entraremos, definitivamente, em Crise.Não é o nosso caso, fica dito - por ambos.Aqui na NET, que é "eterna", como as NETas são para nós.
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