segunda-feira, 5 de março de 2012

Os portugueses no Canadá - foi assim ... ( IV )












"Nunca tinha ouvido falar no Canadá. Em 1954, a Câmara de Portalegre e outras daquela região anunciaram que o Canadá precisava de lavradores. Durante toda a minha vida, tinha trabalhado nas terras e não via possibilidade nenhuma de fazer futuro. As terras da família não davam para a gente se governar, pois éramos cinco irmãos, e tínhamos que trabalhar por fora. Ganhava eu, naquela altura, 30 escudos e alqueire e meio de trigo por semana. Usávamos um alqueire e tínhamos que nos governar com os 30 escudos e o meio alqueire que vendíamos. Eu ainda não era dos mais pobres, porque tinha azeite meu, batatas e outras coisas. Além disso, tinha casa, mas muitos outros tinham que passar fome.

Sabe que lá no sítio, até àquela data, poucas pessoas tinham saído para o estrangeiro e estávamos todos com medo.porque houve muitos que gastaram dinheiro para tratar dos papéis e acabaram por não vir.
O receio maior era gastar o pouco dinheiro que se tinha, sem garantia alguma de embarcar. Mesmo os meus amigos diziam: "Ah, tu vais é ficar sem o dinheiro que tens." E estas coisas metiam medo, não é verdade?

De todos os que se inscreveram em Monte Alvão, só eu e o meu irmão é que conseguimos vir, porque as inspecções eram rigorosíssimas. Se não podiam pegar pelo emigrante, pegavam pela mulher e, se não pegavam pela mulher, pegavam pelos filhos, porque toda a família tinha que ir à inspecção. O controlo estava nas Câmaras e as Câmaras estavam controladas pelos grandes lavradores. Estes, quando viram tanta gente a inscrever-se para ir para o Canadá, foram fazer pressão junto das Câmaras para que cortassem o pessoal, alegando que precisavam dos trabalhadores. Não nos queriam deixar sair que era para nos terem amarrados debaixo deles, pagando-nos só aquilo que eles queriam.

Não foi nada fácil conseguir a papelada para vir para o Canadá. Dinheiro não havia. Tive que pedir 30 contos emprestados para mim e para a minha mulher que veio seis meses depois. Eu gastei cerca de vinte e ela dezasseis. Foi uma dívida pesada e eles faziam-nos a vida difícil. Eu trabalhava naquela altura para um doutor, com uma junta de mulas e um carro e, quando fui à primeira inspecção, tive de faltar ao trabalho. No dia seguinte, disse-me o empregado: "- Olha, o patrão quer falar contigo". Eu fui e, ao chegar lá, disse-me ele: " - Olha lá rapaz, é melhor ires para o Canadá", e não me deu  mais trabalho. Fiquei desempregado até conseguir o resto dos papéis.

Quando já tínhamos os documentos quase todos prontos, eu e o meu irmão fomos à Câmara, porque era precisa a assinatura do Presidente. Fomos lá e entregámos-lhe o papel. Ele começa a ler e diz:

- Mas vocês vão para o Canadá por intermédio de quem?

- Por intermédio da Câmara, respondemos nós.

Então o "gajo" levanta-se da mesa e, em tom autoritário, diz:

" - Eu é que sou o Presidente da Câmara e não sei de nada."

E fiquei ali a tremer, pensando que depois daquilo tudo, lá ia ficar sem papéis. Mas ele assinou e nós viemos."

João de Matos, Harrow

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