quarta-feira, 18 de abril de 2012

Canteiro de palavras ( XLVI )

















"Ela foi uma flor que se aspira e se deita fora - quase sem reparar - cismando na imortalidade - cismando na imortalidade da alma.
Se eu pudesse cinematografar a vida e a morte de uma flor, cinematografava a sua vida. Não sei dizer se existiu se a criei, e o que na realidade me interessa é o que ela disse à grande nódoa de humidade da parede."

Raul Brandão in Húmus


"- Que tens para comer? - perguntou o rapaz.
- Um tacho de arroz de peixe. Queres?
- Não. Como em casa. Queres que eu acenda o lume?
- Não. Acendo-o eu depois. Ou como o arroz frio.
- Posso levar a rede?
- Claro que podes.
Não havia rede, e o rapaz lembrava-se de quando a tinham vendido. Mas todos os dias representava esta cena. Também não havia tacho de arroz, o que o rapaz também sabia."

Ernest Hemingway in O Velho e o Mar

"Pede-se a uma criança: desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro lado da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era de mais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!"

Almada Negreiros

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