(Epílogo do epílogo da obra premiada - e nota final MA)
"(...) Na pátria, o homem assume, mesmo sem suspeitar, todos os problemas do país, porque todos lhe dizem respeito ainda quando ele viva isolado, exclusivamente virado para si e pense que lhes é indiferente. Pode estar convencido de que tudo o que à sua volta se passa não o toca, mas basta que ele seja transplantado para a terra do exílio para sentir a falta daquilo que supunha não lhe fazer falta nenhuma, mesmo que ali tenha resolvidos os imediatos e instantes problemas da sua subsistência.
Quer queira, quer não, ele é uma peça, minúscula embora, duma grande engrenagem, um elemento dum mundo onde, mais do que simples presença, é uma função, porque, mesmo inconscientemente, participa num destino que o transcende.
Enquanto pode viver na sua pátria, o homem fez parte dum universo de relações morais que o tornam comproprietário dum grande património que apesar das infinitas variáveis que o compõem, se conserva sempre uno e igual a si mesmo. Está sujeito a uma multiplicidade de vínculos que sustentam a personalidade sem que ele se aperceba disso. É assim como vivência instintiva de que ele apenas toma consciência quando dela é privado. Mas quando isto acontece, não é só esse vazio, raiz da saudade, que o afecta, é também uma sensação de insegurança interior, uma espécie de desintegração do eu como consequência do desaparecimento que moral e psiquicamente o definiam e o situavam num espaço do universo humano. Então fica sem apoio, sem amarras, sem âncora no mar da existência, vogando à deriva como no meio das ondas o barco cujas velas se romperam ou cujo motor se avariou.
Não, ali não era o espaço em que ele pudesse ser aquilo que é. Lembrava-se duma visita que, ainda jovem, fizera ao Rio de Janeiro. Como tudo agora era diferente! Nessa altura a cidade aparecera-lhe toda ela denguice e sorrisos brejeiros, como um corpo coleante que vai subitamente sair-vos ao caminho e envolver-vos nos seus braços sensuais. Ficara encantado. É que então era apenas um hóspede e por isso a cidade se lhe mostrara revestida das suas melhores galas, cheia de colorido e sugestões amáveis. Hoje, ele já não é um hóspede, mas um vagabunda sem eira nem beira que, embora contra a vontade, se apresenta para ficar. E a cidade muda a sua face. Agora ele é um ser reservado que vê nele um "penetra", um intrometido que abusando da hospitalidade, se vai portar como vilão em casa do sogro.
Não, isto não era, nem podia tornar-se a sua pátria, apesar de ser portuguesa a língua que ali se ouvia falar. Mas a língua não basta; a língua só vale porque é uma expressão do homem, porque é a sua presença, a presença da única realidade em função da qual as coisas existem com a aparência de existirem por si. A pátria, como tudo o que é abstracção, só se compreende através das realidades concretas que lhe servem de suporte, isto é, através do homem. A pátria é a torrente humana de que somos pequenas partículas que vem de longe, se prolongará pelo tempo fora e cujo curso, apesar de assentar num espaço físico, é o caudal de espírito onde unicamente cada um de nós pode reconhecer-se.
Lembrando a afirmação de Sartre de que o inferno são os outros, o Ulisses concluía: " a pátria são os outros que connosco se criaram no mesmo recanto da terra ... até aqueles que tudo fazem para nos tornar a vida um inferno."
NOTA FINAL M.A.
Para quê este epílogo? Escrevi (enfaticamente, convenhamos ...)no princípio destas NOTAS que "ía reflectir" sobre o assunto. Não sei agora se lhe posso chamar reflexão, mas ... Penso que, do júri, já não está quem possa responder às perguntas que apetecem ... Mas, se estivesse, dir-lhe-ia que, enquanto autor da sugestão para que existisse um Prémio Vitorino Nemésio, nunca pensei, por muito justo que fosse, que a novela ganhadora terminasse assim, em forma de panfleto. Mas está explicado o seu "desaparecimento" das livrarias.
Entretanto, a ideia de um prémio com o nome do Mestre, mantém-se. Para obras de ficção. Nem, com sinal contrário embora, o Levantado do Chão, de Saramago, terá ido "tão longe ..." Não, não e não a panfletos ganhadores de prémios para livros de ficção. Ao menos, ponha-se "sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia." E o leitor que pense ... Sem epílogos deste tipo a "ajudar"...
Pretende-se contar uma história, pretende-se ficção e ... e no fim, faz-se um relato do que se queria dizer? ... Não gostei do que li.
Sem comentários:
Enviar um comentário