COISAS DA VELHA DO ARCO - O ACORDO ORTOGRÁFICO
"Quando da primeira tentativa de entendimento respeitante ao acordo ortográfico, fiz parte de uma subcomissão liderada pelo Grémio Literário. Lembro-me de ter conseguido, pelo menos, umas três listas de assinaturas de «não ao acordo».
Passados que vão estes anos, eis que voltámos ao mesmo assunto – muito embora tivessem sido, na altura, debatidos, discutidos e medidos os prós e os contras de tal intenção. Desde a anterior tentativa e até hoje nunca houve consenso. Nem sequer agora, depois da lei aprovada. Eu também não mudei de opinião. Continuo decidida a dar todos os erros gramaticais a que a mudança irá obrigar-me.
A verdadeira «Língua Mãe» é a nossa. A que falamos e a que escrevemos. Tenho orgulho nela. Porque não é fácil falar em português? Porque é ainda mais difícil escrevê-lo? Talvez. O certo, é que mesmo sendo difícil continua a ser uma das línguas mais faladas no Mundo inteiro! O português mais usado é, sem dúvida, o que se fala e escreve no Brasil. Gramaticalmente, muito menos complicado, ainda por cima com a sorte de os brasileiros lhe acrescentarem aquele sotaque doce, tão agradável de ouvir. Aliás, não há nenhum brasileiro que não fale bem o português do Brasil!
A nós, portugueses, que falamos e escrevemos aquilo a que poderá chamar-se o português correcto, não nos vai dar jeito nenhum andar para trás como o caranguejo. Nesse caso, porque não andaram os outros para a frente? Não seria mais lógico? «Tudo deveria ficar como está». Ouvi esta frase tanto a brasileiros como a africanos de «língua oficial portuguesa». A «preocupação» antiga dos livros portugueses oferecerem alguma dificuldade na leitura, nunca constituiu obstáculo a que os nossos escritores, mesmo os clássicos, não fossem lidos no Brasil. Se o não são, ou não o foram como seria desejável, a causa deve-se a outras razões que não a esta. Todos o sabemos. Só é cego aquele que não quer ver…
Poderemos, dizer, isso sim, que o português possui «dialectos» espalhados pelo Mundo. Facto que poderá ser encarado como uma forma de diversidade e de riqueza. Mesmo em Portugal, pequenino como é, isso acontece. De Norte a Sul deparamos com sotaques, com termos regionais locais, desconhecidos no resto do País! «A Língua é minha, o sotaque é seu», foi assim que José Saramago, numa conferência, respondeu a um jovem brasileiro, que se mostrou algo confuso com a pronúncia do escritor.
Para quê, então – e logo na altura da grande crise económica que atravessamos –, entrar em despesas desnecessárias, mesmo a longo prazo? Se a Língua Portuguesa é tão bela – talvez, exactamente, por não exigir a facilidade que o acordo agora irá impor –, que razão coerente leva a que tenham insistido em simplificá-la? Tenhamos orgulho na Língua que, genuinamente, é a nossa. Não vai ser por alterarmos seja o que for em favor de outrem que o português, embora facilitado (mais pobre) será falado ou escrito mais correctamente. A prova está naquilo que ouvimos e lemos todos os dias, Refiro-me aos órgãos de comunicação social, à Rádio, à Televisão, e mesmo aos nossos governantes e outra figuras públicas responsáveis, pelo menos, no que respeita ao português que falam. Lamentavelmente, também incluo na lista os próprios professores!
Meus senhores: se vamos passar a escrever a palavra «fato» em vez de «facto», deixo a pergunta: estaremos a falar de um «facto» propriamente dito ou do «fato» que vamos vestir? Também nos vão obrigar a utilizar o vocábulo «terno», como dizem os brasileiros? O acordo irá acordar outras questões bem difíceis de gerir. Aceito que as mudanças fazem parte da vida e das sociedades. Mas há prioridades. E esta do acordo ortográfico não me parece fazer parte dessa longa lista."
Soledade Martinho Costa
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