Paul Spooner, professor na Universidade de São José, publicou um artigo académico sobre o futuro da pataca e sugere: a moeda local pode ser usada para reforçar as relações entre Macau e os países lusófonos.
Patrícia Silva Alves
"É um detalhe, mas diz bastante sobre a forma como a pataca é vista fora de Macau. "Quando entramos num ferry da Shun Tak, que é administrada pela família [de Stanley] Ho, não é possível pagar com patacas. Nem no ferry [que sai e entra em Macau]! Isso não faz sentido!".
A exclamação e a observação são de Paul Spooner, professor da faculdade de gestão da Universidade de São José e autor do artigo académico "Macau's Pataca and Identity" ("A Pataca de Macau e Identidade"), que vai ser publicado na revista Asian Education and Development Studies, em Outubro.
E por que razão é importante este exemplo? Paul Spooner explica: "Isto demonstra que é possível fazerem-se pequenas coisas para reforçar o papel da pataca na economia [tais como permitir que a moeda seja facilmente aceite em outros locais que não a RAEM]." Só falta vontade, sustenta o académico. Aliás, Spooner defende que se deve também reforçar o papel da pataca em Macau, onde a moeda local tem sido relegada para segundo plano, já que os dois dos maiores motores da economia local - o jogo e o imobiliário - são denominados em dólares de Hong Kong.
"[Atendendo à prosperidade alcançada por Macau nos últimos anos] é possível olhar-se para a pataca e pensarmos: O que queremos fazer com esta capacidade? Manter o que somos? Ou estender as nossas relações sob a égide das prioridades da China?", questiona-se ao PONTO FINAL, alertando que se tudo se mantiver como agora, a pataca corre o risco de desaparecer.
"Numa altura em que a região do Delta do Rio das Pérolas cresce e se consolida, a pataca poderá ser retirada em favor do renminbi, do dólar de Hong Kong ou de outra moeda que ligue Macau e Hong Kong com outras cidades clones, como Zhuhai e Shenzhen", escreveu Spooner no seu artigo. O académico complementou, em declarações ao PONTO FINAL: "Por defeito, se não for feito nada, o que vai acontecer é o primeiro cenário que tracei [em que a pataca desaparece]", afirma.
No entanto, esta opção não é benéfica para nenhuma das partes. A começar pela RAEM. "Se a pataca desaparecer uma parte significativa da identidade própria de Macau, será perdida", afirma. E acrescenta: "A contribuição das duas Regiões Administrativas Especiais para o desenvolvimento económico da China é simbolizada pelas suas moedas."
É que o facto de Macau e Hong Kong terem moedas próprias e estarem à porta da China, também ajudou o Continente: "Se a pataca e o dólar de Hong Kong tivessem sido indexados ao yuan ao invés do dólar norte-americano em meados dos anos 90, o impacto duplo de transferência de empregos na indústria para a China e o incremento do poder de compra em Hong Kong e Macau poderiam não ter sido tão bem sucedidos", estima Spooner, acrescentando que a existência de duas moedas distintas ajudou a dar impulso ao crescimento da província de Guangdong, um dos motores do crescimento chinês.
Assim, o que se pode fazer para mudar o papel da pataca? "As autoridades de Macau podem tomar pequenos passos. Primeiro precisariam de um think tank para os ajudar a avaliar onde querem ir com a pataca. É preciso ter uma discussão muito racional sobre o que a pataca poderá ser no futuro", assinala Spooner.
Um segundo aspecto passa por reforçar a importância da pataca a nível regional: "Podia-se começar a exigir aos bancos e empresas que lidam com a pataca para a aceitarem também em Hong Kong ou em Guangdong, de forma a tornar a pataca convertível. Quem sai de Macau neste momento com patacas tem uma grande dificuldade em encontrar sítios onde a possam usar", aponta.
E no futuro, Macau poderia até pensar num cenário mais ambicioso.
Tornar a pataca mais lusófona
No final do seu artigo, Paul Spooner aponta três cenários para a pataca: um primeiro em que a moeda local dará lugar a uma outra, que tanto poderia ser o yuan como o dólar de Hong Kong; um segundo em que tudo se manterá até que termine o período de transição, em 2049, altura em que se decidirá o que fazer; e um terceiro em que a pataca poderá fazer a ligação efectiva entre Macau e os países de língua portuguesa.
"À medida que as economias de Macau e da China continuam a crescer, a pataca pode tornar-se numa importante força para uma maior coesão e identidade entre um selecto número de países membros da comunidade lusófona", escreveu Spooner, exemplificando que os investimentos, por exemplo, no mercado imobiliário, poderiam ser feitos em patacas.
E por isso conclui: "Estas alterações seriam, claro, um passo gigantesco em relação à posição que a pataca tem hoje, como enteada do dólar de Hong Kong e o seu sistema bancário ser a extensão do sistema do Continente. A economia de Macau e a sua sociedade já fizeram, no entanto, grandes avanços com a abertura da concessão do jogo em apenas dez anos."
Sem comentários:
Enviar um comentário