domingo, 31 de janeiro de 2010

Viva a República!


Ó almas que viveis puras, imaculadas

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Almas, filhas da luz das manhãs harmoniosas

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Almas, urnas de fé, de caridade e esp'rança

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Almas cheias de paz o dragão do pecado

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Minha mãe, minha mãe!

Ai que saudade imensa

in "Os Simples" de
Guerra Junqueiro

O raio que o partiu...


Adopto aqui uma velha história que me contaram não sei quando em que, como nos filmes, só o final, é que é "glorioso"...

É o trajecto, consta, de um indivíduo que, subindo a pé o arranha-céus que tinha pela frente, foi enganando com a sua conversa quantos, andar após andar, lhe foram abrindo as suas descuidadas portas e, perturbados, não tiveram tempo de avisar o vizinho de cima do logro em que tinham acabado de cair...

Mentira do viségimo premiado, no rés-do-chão; aldrabice do cheque sem cobertura, no segundo andar; notas falsas, no quarto andar; no sexto, moradia a sortear no Algarve; no oitavo, a burla concretizada no r/c; no 10º, a aldrabice eventualmente vitoriosa no 2º andar; no 12º, a tentativa de repetição do "sucesso" obtido no 4º andar; no 14º, o conto vigário do 6º andar...

E assim por diante, para evitar alaridos, sempre com um piso de intervalo, e inocentes conversas nas escadas, entre as burlas feitas ou a fazer.... Até que, no terraço, já a roçar as nuvens, onde, como algumas vezes acontece aos acumuladores de aldrabices, houve mudanças bruscas na atmofera e quando o das vigarices em cadeia procurava mais pessoas de boa fé nas que tinham vindo aos píncaros estender roupa, desencadeou-se uma violentíssima trovoada, e veio do alto, mesmo junto ao azul celeste, onde passam aviões, um raio que o partiu... E o insólito fez história. Que, sem dó nem piedade, aqui deixo. De S.Bento a Belém. E para os arredores da Grande Cidade onde também tudo pode suceder.

Desde essa data, não sei que mais ocorreu, o que é verdade é que o que passei a ouvir são desabafos como este:

"os gatunos que vão para o raio que os parta..." E a coisa é tal que, à ira, chegado o momento, ninguém escapa. Nem ministros, imagine-se!...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"Macau Antigo"


Inspirado nas "arqueologias" que minha neta frequenta, estas brevíssimas linhas NET são para, amicalmente, saudar "Macau Antigo", onde já vi alguns documentos muito interessantes que prometo "revisitar", sobretudo, enquanto o tema Macau for escape para as emoções que conservo. Expressas em papel - ou nem tanto... Não sei se é próprio, aqui, ou não, mas fica um abraço para o jornalista João Botas, que, por ter vivido no território, tem razões acrescidas para ser ainda mais macaense do que eu, que, de tanto andar por aí, às vezes, não sei "de que terra sou", que é, vendo bem, se calhar, a melhor forma de me sentir português.

M.A.

Ouvi dizer que...


Ouvi dizer que, na baixa pombalina, nas imediações do Banco de Portugal, ali ao Terreiro do Paço, ainda aparecem bons tachos usados...

Guardem aí um p'ra mim, sff. MA

"Quarto de Despejo"-a hipertensão* de uma favelada


Eleições

"...Saí com a Vera. Notei anormalidade porque a Polícia está nas ruas. Fui conversar com um servidor municipal. Êle queixou-se que pagou 5 cruzeiros de onibus.

Eu segui. Olhando os paulistas circular pelas ruas com a fisionomia triste. Não vi ninguém sorrir. Hoje pode denominar-se o dia da tristeza.

Eu comecei fazer as contas quando levar os filhos na cidade quanto vou gastar de bonde. 3 filhos e eu, 24 cruzeiros ida e volta. Pensei no arroz a 30 o quilo.

Uma senhora chamou-me para dar-me papeis. Disse-lhe que devido o aumento da condução a policia estava nas ruas. Ela ficou triste. Percebi que a noticia do aumento entristece todos. Ela disse-me:

- Êles gastam nas eleições e depois aumentam qualquer coisa. O Auro perdeu, aumentou a carne. O Adhemar perdeu, aumentou as passagens. Um pouquinho de cada um, êles vão recuperando o que gastam. Quem paga as despezas das eleições é o povo."


"Juscelino esfola!
Adhemar rouba!
Jânio mata!
A Camara apóia!
E o povo paga!"

Jejum mental

"...A Dona Angelina Preta estava dizendo que vai vender o seu barraco e vai mudar para Guaianazes. Que ele não suporta mais morar na rua A. Fiquei contente ouvindo ela dizer que vai mudar.

Cantamos a Jardineira.

Até eu, o dia que me mudar hei de queimar incenso para agradecer a Deus. Hei de fazer jejum mental, pensar só nas coisas que agradam a Deus."

Gorduras

"Minha luta hoje foi para fazer almôço. Não tenho gordura. Deixei a carne cosinhar e puis linguiça junto para fritar e apurar gordura para fazer o arroz e o feijão. Temperei a salada com caldo de carne. Os filhos gostaram."

Bacalhau

"... Hoje fiz arroz e feijão e fritei ovos. Que alegria! Ao escrever isto vão pensar que no Brasil não há que comer. Nós temos. Só que os preços nos impossibilita de adquirir. Temos bacalhau nas vendas que ficam anos e anos a espera de compradores. As moscas sujam o bacalhau. Então o bacalhau apodrece e os atacadistas jogam no lixo, e jogam creolina para o pobre não catar e comer. Os meus filhos nunca comeu bacalhau. Êles pedem:

- Compra, mamãe!

Mas comprar como! a 180 o quilo. Espero, se Deus ajudar-me, antes deu morrer hei de comprar bacalhau para êles."

Morrer

"Passei o dia na cama. Vomitei bilis e melhorei muito.
...Os filhos estão com receio de eu morrer. Não me deixam sozinha. Quando um sai, outro vem vigiar-me. Dizem:
- Eu quero ficar perto da senhora, porque quando a morte chegar eu dou uma porretada nela.
...O José Carlos perguntou-me se a gente vê a morte chegar. A Vera me mandou cantar.
- Sabe, mamãe, quando a morte chegar eu vou pedir para ela deixar nós crescer e depois ela leva a senhora.
Para tranquilizá-los eu disse que não ia morrer mais. Ficaram alegres e foram brincar."

* O presidente Lula foi ontem ao hospital medir a tensão.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Ouvi dizer que...


É melhor termos um banco do que algumas cadeiras... MA

Subsídios para a História - Macau 95 (XVI)


ENTREVISTA com António Conceição Jr.



Fale-me de si...

Apenas gostaria de me definir como um português, outro que não europeu, ou melhor, um português asiático. A minha existência serve também para tecer o elogio, no sentido que entendo como sendo o real sentido da portugalidade. O sentido universalista e humanista da portugalidade. Gostaria de me definir apenas assim.

Apetecia-me pedir-lhe, enquanto homem da Cultura, que dissesse o que é que, a seu ver, singulariza Macau das regiões vizinhas?

É uma pergunta extraordinariamente oportuna. Enquanto macaense, isto é, nado em Macau, não criado apenas em Macau, acho que o que singulariza esta terra é, exactamente o oposto daquilo que as pessoas pensam em regra...

Macau não é, nem pode ser, a preguiça de um "cliché".

Macau está geograficamente situado na China e é, indeclinavelmente, indiscutivelmente, geograficamente, China.

Mas o que distingue Macau do resto desta geografia é a presença portuguesa. Presença portuguesa essa que se foi legitimando ao longo dos séculos, exactamente, através dos luso-descendentes, que são os macaenses que, pelo comércio, fizeram de Macau, juntamente com Veneza, no século XVII, os dois maiores, e mais ricos, portos e entrepostos, do mundo de então, fonte de riqueza que (comércio com o Japão) depois, durante 60 anos, desapareceu, mas cujas reminescências ainda hoje surgem, enquanto marcas arquitectónicas, por exemplo, em velhos palacetes, de grandes e abastadas famílias macaenses.

Portanto, foi através destas famílias que a cultura portuguesa se pôde legitimar e naturalizar, porque eu penso que o que enriquece extraordinariamente uma cultura é a sua capacidade de se desdobrar noutras.

A sua pergunta é de um grande felicidade porque permite, imediatamente, de facto, desmistificar a ideia de que Macau é uma musiquinha de fundo chinesa. Macau é muito mais do que isso, mas é, sobretudo, como tive oportunidade de dizer, uma subtileza que precisa de ser decifrada.

Decorridos estes séculos de convivência cultural, racial, se quisermos, o que é que vai permanecer depois de 99?

O que vai permanecer é difícil dizer. O que é certo é que as informações e os contactos que mantenho com a China, levam-me a indicar que, pelo menos, no sul daquele país, existe uma relação de afecto com Macau.

Mas Pequim manda...

Pequim manda... No entanto, Pequim também está muito longe, e o que, na história da China, sempre contou foi a distância. Contudo, parece-me que a presença portuguesa em Macau pode vir a ser potenciada pelos chineses - e isso contra a falta de uma estratégia organizada a longo prazo, coerente, pela parte portuguesa, desde há séculos, com abandono da India e do Extremo Oriente pelo Brasil.

Esta falta de estratégia, que se foi prolongando ao longo de séculos, terá de ser, necessariamente, colmatada, por um lado, pela benevolência e pelo extraordinário pragmatismo que tenho que reconhecer nos chineses, mas, sobretudo, também pela formulação urgente de uma estratégia que possa permitir a nossa permanência no que é fundamental.

Uma coisa que Almada dizia, e muito bem, é que havia que distinguir Cultura e Civilização, sendo que a Civilização antecede a Cultura. E, de facto, o que distingue Macau do resto da China é, exactamente, uma matriz civilizacional, uma matriz urbana que é radicalmente oposta àquela que surge em Zuhai, a 50 metros de Macau. É completamente diferente.

Esta estratégia passa pelo seguinte: Portugal tem algo a dar, a China tem algo a receber e algo a dar.

Macau deve ser entendido na sua dimensão real: Macau entreposto. É, fundamentalmente, um entreposto, sempre o foi em todos os tempos. O que é importante é transformar esse entreposto comercial de então num entreposto de serviços, num entreposto cultural. Porque, repare-se, quando se fala na defesa da língua portuguesa, perante um país que é o país com uma cultura e uma civilização contínuas mais populoso do mundo, é um bocado estar contra moinhos de vento...Ora, é preciso adoptar uma atitude pragmática nisto e a leitura que eu faço desta situação é remontar às origens e invertê-las num sentido construtivo.

Juntamente com os mercadores, veio a Igreja, portanto, juntamente com o comércio, veio a cultura.

Neste momento, a cultura só pode permanecer se existirem bolsas comerciais portuguesas que permitam assegurar, por um lado, soluções alternativas para a crise económica portuguesa, pela abertura de novos mercados - enormes, incomensuráveis em relação à escala europeia. Por outro, exactamente porque essas bolsas culturais exigirão a permanência e a fixação de muitos macaenses e, ao mesmo tempo, servirão de solução para problemas da economia portuguesa.

Daí que eu não possa distinguir, em termos estratégicos, cultura, civilização e interesses comerciais, porque nós sabemos que as línguas são comandadas, sobretudo, pelos interesses económicos. As línguas oficiais da ONU são aquelas que o comércio internacional determina e que as influências políticas mais determinantes obrigam.

Mas então podemos fazer alguma futurologia, dizendo que seremos, de alguma maneira, em Macau, mais do que, hoje, uma Malaca do Oriente?...

É assim: eu acho que Macau pode configurar-se neste momento na consciência portuguesa, isto é, ou Portugal assume e adquire uma percepção das potencialidades de Macau - e eu não falaria numa Malaca, mas falaria em Timor - ou Portugal tem uma percepção urgente e profunda da realidade, e eu estou convicto de que, neste momento, existem muitas condições para que isso possa acontecer, porque temos pessoas que conhecem a realidade de Macau.

Estou muito esperançado de que, com novo governo, tudo possa ser decifrado e que, sobretudo, haja uma redefinição da noção de Portugal e de portugalidade.

Portugal o que é, concretamente? É aquele "jardim à beira-mar plantado", Portugal é peninsular, ou Portugal é peninsular e dos emigrantes, ou Portugal é peninsular e é também dos macaenses, dos timorenses...

Fernando Pessoa?...

Fernando Pessoa é, exactamente, esse paradigma, como Camões. Sobretudo, Fernão Mendes
Pinto...

Fernão Mendes Pinto é o português-tipo?

Considerando, na verdade, que Fernão Mendes Pinto é o português-tipo que talhou a golpes de amor, mais do que a golpes... gerando, exactamente, outra formas genéticas de ser...


O macaense revê-se em Fernão Mendes Pinto?


Absolutamente, absolutamente!...


Sem complexos?...


Mas porquê? Porquê complexos?!... O desdobramento é sempre um enriquecimento.


Então, o que é que acha: Portugal tem sido, em Macau, missão, pimenta, aventura, o quê?...


Portugal tem sido, sobretudo, ao longo de séculos, ausência... Portugal tem sido, sobretudo, omissão... Portugal tem sido, sobretudo, desconhecimento...


Quando falo em Portugal, não falo em termos políticos, falo em termos de preocupações e em termos nacionais. Isto é, sem quaisquer conotações políticas, falarei de política quando entender e explicitarei que se não trata de política... Mas, de facto, se nós avaliarmos bem as coisas, Macau não faz parte do quotidiano dos portugueses e é importante que o faça.


Atrever-me-ia a dizer muito concretamente que sim... Porquê? Porque Macau é, de facto, e pode vir a ser uma charneira extraordinariamente importante em termos económicos para Portugal, em alternativa à Europa.


Perguntam-me se eu concordo com as comunidades europeias... Eu não concordo, nem discordo: limito-me a aceitar um facto que é indiscutível hoje em dia e, portanto, para mim, constitui uma gestão de emoções discordar ou não. Mas o que entendo é que Portugal se apresenta na corrida europeia não no melhor posicionamento. Donde, precisa de, com sabedoria, encontrar outras fontes, outras formas de equilibrar essa sua posição de desvantagem na corrida europeia.


Vou ser cáustico: 1961 trouxe África ao primeiro plano do pensamento português; Timor passou a fazer parte do quotidiano dos portugueses quando passou a haver sangue. Macau, nos últimos 10 anos, deu um pulo quando passou a pensar-se que "deixaria de ser..."


O que o penso é que esse abandono a que Macau esteve votado ao longo de séculos, não pode redimir-se em 10 ou 20 anos. Contudo, no próprio interesse de Portugal, diria que haveria todo o interesse em haver uma reflexão.


Reflexão sobre o que é a espiritualidade, isto é, se Portugal, espiritualmente, tem as mesmas raízes geográficas, ou não, que o Portugal geográfico. Isto é, se a espiritualidade portuguesa tem o mesmo confinamento que a geografia portuguesa.


Nesse sentido, atrevo-me a dizer que, de facto, foram cometidos alguns erros, mas que é importante que haja a percepção do futuro. Eu não tenho ilusões de que Macau só pode integrar a realidade portuguesa se emergir como algo de útil, porque as coisas são assim na vida e, nessa perspectiva, se as pessoas, se as instituições, tiverem uma percepção profunda da importância estratégica de Macau as coisas poderão ser diferentes.


Alguém, por quem tenho admiração, disse que Macau é uma charneira, uma dobradiça que transforma um pedaço de madeira numa porta... De facto, uma porta não é apenas um pedaço de madeira, a porta existe porque existem dobradiças... Portanto, Macau tem esta função de charneira e, estrategicamente, Portugal tem uma mais-valia na China, precisamente pela sua dimensão e pela sua insignificância no cenário político internacional. Isso é uma vantagem. É preciso saber tirar partido das supostas desvantagens e transformá-las em vantagens.


No caso da China, tive sinais disso, continuo a tê-los: a China teria o maior gosto em privilegiar Portugal no diálogo.


(em princípio, segunda parte, dia 01.02.10)

Ouvi dizer que...


SE não fizermos a profilaxia apropriada, envelhecemos quando os nossos amigos mais novos começarem a ter crises prematuras de esquecimento... M.A.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O tamanho conta...


A RTP mostrou hoje, graficamente, através de bolinhas de vários tamanhos, a potência, perdão, a dimensão dos montantes atribuídos a cada umas das áreas da governação. E lá vi, em último lugar, o "testículo anão" que, em 2010, vai calhar à Cultura.

Percebo... Não se espere, entretanto, que, assim, Portugal venha a ser um país fecundo...

"Quarto de Despejo" - o gato


"Comprei 20 de carne gorda, porque eu não tenho gordura. Passei no emporio do senhor Eduardo para comprar 1 quilo de arroz. Deixei os sacos na calçada. A Vera pois a carne em cima do saco, o cachorro pegou. Chinguei a Vera.


- Ordinaria, preguiçosa. Hoje você vai comer m...


Ela dizia:


- Deixa, mamãe. Quando eu encontrar o cachorro eu bato nêle.


...Quando cheguei em casa estava com tanta fome. Surgiu um gato miando. Olhei e pensei: eu nunca comi gato, mas se este estivesse numa panela ensopado com cêbola, tomate, juro que comia. Porque a fome é a pior coisa do mundo.


...Eu disse para os filhos que hoje nós não vamos comer. Êles ficaram tristes."

Gatos ou Farpas?


Uma vizinha da minha prima Estrela, D. Luísa, que, pela pinta, me dá ideia que anda aí pela idade da pré-história da menopausa, é uma dedicada e cega amante de gatos. Está no seu direito.

Duvido, entretanto, que tenha outros amores. Os que se lhe conhecem bem são, de facto, gatos que andam na rua e que acodem ao nome que lhes vai pondo, à medida que nascem nas diversas maternidades felinas das redondezas, onde, faça chuva ou faça sol, sempre aparece (com o mesmo arroz de peixe, embora) a prestar a assistência que acha devida à espécie.

Há quem lhe admire a determinação do voluntariado, mas, não dizendo, se irrite com a, por vezes, promiscuidade com que vive os seus amores bichanos.

Para falar verdade, nas imediações da casa da prima Estrela, ninguém gosta dela, a não ser uma ou outra carente ou solteirona que, compreensivelmente, saúda os gestos (e os restos) da D. Luísa, grande e generosa mãe adoptiva dos perseguidores de ratos da zona. Louvável mãe adoptiva, dirão alguns, algumas. Com pequeno-grande senão, acrescentaria eu que, embora admire os gatos (Fialho de Almeida: "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança e fez o crítico à semelhança do gato"), sou mais de cães: aquilo não é amor, pelo menos daquele que abraça. Aquilo são carências. É falta de amor onde este significa paz. É, quiçá, amor à manha... Não é realização afectiva sem palavras.

Na rua onde mora a prima Estrela, já houve quem se queixasse à Junta de Freguesia, à autoridade concelhia de saúde do que, de tudo, sobra para as ratazanas... Não adianta. Para a D. Luísa, os gatos são razão de sobrevivência pessoal. Quem a conhece bem, percebe isso: ela própria escolheu, no seu dia-a-dia, ser, nos gestos e nas atitudes, gata... Marca o terreno e vive bem assim. Embora, embora: "Os direitos do teu dedo terminam onde começa o meu nariz".

Entre um gato e um homem, prefere o gato que, chegada a hora, lhe adormece no regaço... Pobre D. Luísa!... Falta-lhe só conseguir gostar de GENTE que gostasse de gente, e de gatos, e de cães, e de árvores podadas e felizes.

Num mundo em que ainda há quem nem um prato de arroz sem peixe tenha para comer todos os dias... Nem afectos todos os dias... Nem calor todos os dias... Nem água limpa todos os dias... Nem um colo de vez em quando...

Falam numa homenagem à liberdade... Sim! Admiro Fialho de Almeida, mas apesar de tudo, gosto mais de Ramalho Ortigão e das suas "Farpas". Espetadas de caras.

Disse.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Actualidade 3


O.E. 2010

1. "Nesta altura, o ministro das Finanças já saiu do seu gabinete no Terreiro do Paço..."

2. "Nesta altura, na A.R., a empregada abre a porta de acesso ao gabinete de Jaime Gama..."

3. "Nesta altura, uma hora e meia antes de terminar o prazo para o efeito, o O.E. foi entregue, na A.R., a Jaime Gama..." *


* Há escassez de géneros no bar da A.R. ...

Frases


"O que mata o sonhador é não viver quando sonha"

Fernando Pessoa, perdão, Bernardo Soares
in Livro do Desassossego

"Subsídios para a História", os três primeiros...


Indice do início das três primeiras entrevistas:

- Monsenhor Manuel Teixeira (NET em 28.12.09)
"A emoção da entrevista que fica para além de..."

- Drª Celina Veiga de Oliveira (NET em 12.01.2010)
Palavras de um professor universitário chinês: "os portugueses são almas lavadas"

- Dr. Henrique Senna Fernandes (NET em 22.01.2010)
"Os chineses não vão destruir o jardim de Camões. Eles gostam muito de jardins..."


A próxima entrevista é com António Conceição Jr.

Subsídios para a História - Macau 95 (XV)


ENTREVISTA com o Dr. Senna Fernandes (última parte)


Vão destruir o jardim Luís de Camões?

Não!!! O jardim do Camões não vão destruir... Os chineses gostam muito dos jardins...

...continua a entrevista:


Mas daí até aceitarem a ideia de um Camões embaixador honorário...

Não sei... Tudo depende ... Não vejo que ... As escolas chinesas - é uma coisa tocante - prestam
sempre homenagem a Camões. Se essa tardição vai continuar depois de 1999, não sei... Talvez
a escola portuguesa vá pôr um ramo... Os chineses são muito xenófobos e...

Os chineses de Pequim ou do Sul?...


Os chineses daqui obedecem todos a Pequim. Mas há algum chinês, daqui de Macau, que se bata pela identidade dos chineses deste território?!... Não se bate... Aqui a população fala cantonense. Agora na universidade está tudo a falar mandarim... Os altos postos, pró-chineses, aqui em Macau, ao nível da governação, é tudo Pequim... Alguns falam muito bem português, mas... O chinês que é natural daqui, nunca se preocupou connosco. É outra colonização. Acusam-nos de colonialistas, mas vamos assistir a outra colonização, porque os chineses locais não têm espinha dorsal para se imporem. A palavra macaense só começa a ser empregue à sociedade porque nós reagimos de uma maneira que nem Portugal, nem a China avaliaram... Todas as conversações que se conhecem foram feitas à revelia dos interesses da população macaense, que nunca foi ouvida. E então começaram a falar dos macaenses, macaenses, macaenses... E então é que a China compreendeu que existia aqui um problema...


Já ouvi chamar a estes últimos dez anos a época do caldo verde - que enche a barriga, mas não alimenta ...


Alguma coisa fica. A presença portuguesa não desaparece assim... São mais de quatrocentos anos...


Estes monumentos, tudo isto que se está a fazer vai ficar?


Alguns serão destruídos... Há coisas bonitas!... As pontes ficam, o aeródromo fica, há muita coisa... São quatrocentos e cinquenta anos... Macau resistiu a muitas vicissitudes... Não acredito que isto desapareça. Nem é do interesse da China fazer desaparecer Macau, há-de haver uma diferença...


Quer falar-me de iniciativas locais com direito a compêndio de história?...


A guerra do Pacífico tranformou isto tudo, acabou com a vida patriarcal de Macau. E uma vez mais recuperámos desse traumatismo. Empobreceu muita gente, perdeu-se a fé em Macau, porque, antes, os filhos partiam, estudavam e voltavam. Como se sofreu muito na guerra, muitas pessoas não quiseram mais saber: mudaram para Portugal, para o Brasil, para outras terras. Para Angola e Moçambique, infelizmente pouco. Para a Austrália (começo da emigração).


Outro marco é a Revolução Cultural em Macau, conhecida pelos incidentes de 1, 2, 3. Um, dois três porque foi em 3 de Dezembro. Até aí, Macau podia dizer-se que estava guardada pelos portugueses, mas, infelizmente, quando a China ficou envolvida nessa coisa trágica que foi a Revolução Cultural, tivemos aqui governantes que não compreenderam isso e actuaram de maneira a criar um ambiente anti-português.


A adesão da população ao 1.2.3 - o incidente foi numa escola comunista - foi uma bomba no território: havia multas por tudo e por nada, a polícia multava de uma maneira descarada, os adeptos de Mao tratavam os seus compatriotas com arrogância... Tudo é que era chinês do interior era tudo honesto. O que passasse da Porta do Cerco para baixo era desonesto. Uma mentalidade incrível!... No fundo, meia dúzia de indivíduos que estavam nos postos cimeiros...


Infelizmente para nós, não houve alguém sensato nessa altura que dissesse: "eh, pá! pare lá com isso, isto está perigoso... Na China está um ambiente terrível!..."
Cometeram-se erros incríveis!...


Depois a assinatura da Declaração Conjunta, sem que fossemos ouvidos... A população local não foi ouvida. Tenho a impressão de que os chineses julgavam que o problema era exactamente como o de Hong-Kong. Eles desconheciam as especificidades de Macau, que Macau era uma terra diferente de Hong-Kong...


Na sua opinião, o que é que caracteriza essa diferença?


A maneira de ser dos portugueses, a coexistência que se verifica em Macau. Primeiro, Macau não tem a dimensão de Honk-Kong; segundo, a nossa maneira de ser... É tudo diferente: o tipo de casas, o tipo de comida...


A culinária. Permanecem aqui algumas tradições culinárias portuguesas?


A comida portuguesa é muito bem aceite pelos chineses. Deve ficar.


O bacalhau, por exemplo...


De bacalhau não gostam muito. Bacalhau é para eles um peixe salgado.


Quais as nossas tradições que "eles" vão adoptar?


Adoptar, não! Aceitar... A comida portuguesa... (há restaurantes de comida portuguesa que são prósperos...) Vá ao Lorcha, perto de Museu Marítimo, e veja... Há uns 20 restaurantes desses...


Prósperos?


Milionários!... Se tiverem juízo, ficam todos milionários.


Que pratos sobressaem?...


É o bife, o camarão panado, o bacalhau, o cabrito, o cozido à portuguesa. Todos os restaurantes portugueses têm o nosso cozido...


O que é que um chinês pensa de um macaense?


Grande parte dos macaenses está casado com chinesas... Mas há sempre diferenças. Caso por caso, são amigos, mas pondo em confronto uma população com outra... É verdade que há muita convivência, mas há atritos, diferenças... Se tem um amigo macaense e quer perder a amizade dele é chamá-lo chinês. Nunca mais lhe perdoa...


O português que chegou hoje, aqui, é o "brasileiro português de Braga"?


Era, aqui, para ganhar dinheiro. Os vencimentos são bons, os funcionários ganham bem e, comparados com Portugal, são uns previligiados. Aquele que vem para ganhar dinheiro, ganha mesmo... A base que o conduz a Macau é o dinheiro que se ganha, porque ninguém sai da sua terra, se está bem, para ir para outra terra.


Ele vem porque encontra melhores condições. É claro que põe exigências ... E depois leva uma vida de conforto que não levaria em Portugal. Não é desprezar, não é nada... Adquire-se, de facto, em pouco tempo, uma vida confortável, fácil... Não há também os atropelos nos transportes que nós vemos em Portugal.


Agora que há sempre quem chegue aqui - e o mal é esse... -, humilde, mas passados dias já tem pesporrência , julga-se alguém... São fraquezas humanas...


Qual é, estimada, a população de Macau?

Devem ser 500 000 pessoas.

O que é que é preciso fazer pela língua portuguesa?

Os chineses são muito práticos. O macaense também. O macaense pobre, por exemplo, diz "os meus filhos não vão para Portugal, Portugal é um país que não dá futuro..." E manda os filhos para as escolas inglesas para aprender a língua e emigrar. Os chineses fazem o mesmo, não aprendem português porque não há saídas...

Quais são os empregos que impõem a nossa língua?

O funcionalismo público. Essa é que é a realidade. Porque é que os chineses se interessaram pelo inglês?!... É evidente que é, sobretudo, a nova geração que interessa...

Fale-me um pouco da sua obra literária...

Sou um escritor macaense porque tenho que preservar, tenho que salvar, tenho que defender o que somos. Recordo o Macau português, tenho obrigação disso. As figuras são todas de Macau, são macaenses e chinesas à mistura, para mostrar como chineses e portugueses puderam viver aqui... Foram portugueses e chineses que criaram o macaense. Com envolvimento de goesas.

A mulher portuguesa casada aqui esteve sempre em minoria, mas maridos portugueses e mulheres portuguesas foram inúmeros. O que deu o macaense, com o seu mundo, com a sua mentalidade, porque tem a sua mentalidade própria, que não se confunde com a chinesa, nem com a metropolitana.

Em poucas palavras, qual é a matriz de um macaense?...

É muito difícil definir. Não me atrevo a isso, porque pode inclinar-se mais para a influência da mãe ou do pai, de maneira que há reacções que são...

Perde as características de latino?...

Não! Não há macaense que negue a sua origem ou a nossa língua - em qualquer parte do mundo. Tem muito da tradição portuguesa, sempre com forte inclinação para as coisas de Portugal.

Ouve música portuguesa?

Oiço fados... A música portuguesa aqui é praticamente a que trazem os portugueses que vêm de lá. Entre nós, são poucas as músicas portuguesas que ouvimos. Eu, pelo menos, quase não a oiço. E digo-lhe porquê. Agora há orquestras muito boas, cantores muito bons, mas nós fomos educados, por estarmos longe, sem sabermos nada de Portugal, tomávamos conhecimento de pouca coisa. Mesmo na minha infância, na minha mocidade, vinham pessoas de lá, mas não nos chegava nada... Habituei-me, desde pequeno, à música americana. A minha música favorita é a americana.

O seu, de sua autoria, livro preferido?

São todos. São diferentes. Não faço diferenças entre filhos...

Está agora a escrever algum?...

Estou a escrever um romance.

Já tem nome?

Não digo, não... Mas já tem. Já vai adiantado.

E vai ser filme?...

Deus queira.

Já são dois?

Exacto. O que eu admiro é o interesse dos chineses em fazerem um filme sobre uma obra de um português... Está agora a concretizar-se, a propósito de "A Trança Feiticeira". A tese é o amor de um ocidental por uma oriental. O Ocidente e Oriente juntos, apesar de todas as contradições e de todas as diferenças. Exactamente como o macaense.

Qual é o local da acção?

Macau. Um Macau que hoje dificilmente se reconhece. É minha obrigação fazer isso para as pessoas saberem o que foi Macau antigo. No caso, dos anos 30.




Actualidade 3


"VAMOS FALAR DE HIPOCRISIA..."



1. O nosso compromisso é promover a inversão...



2. Houve um bocadinho de caridade...



3. Há uma tendência para a vertigem...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Olá, Macau! Tens aí esta placa, não tens?!...


e - m a i l

Olá, Macau!

Chega aí ao aeroporto e pede a esse senhor que está à entrada, que, tanto quanto daqui me apercebo, tem um ar simpático e deve ser culto, para te deixar confirmar se, com as pressas, aí deixámos, ou não, alguma coisa a assinalar o I RAID AÉREO LISBOA-MACAU, realizado por Brito Pais e Sarmento de Beires e Gouveia... Se sim, óptimo! "Eu bem me parecia!..."Não te dês por achado...Olha a honra!...


Mas, não vá o diabo tecê-las, se não houver nada, vê lá o que ainda é possível fazer (neste aspecto as coisas são iguais em todo o lado... Não te atrapalhes...) Fala com o chefe. Diz-lhe que vais da parte da Ocidental Praia, que me conheces, faz de conta, que és primo do Gago Coutinho e do Sacadura e ainda parente afastado de um tal Henrique (o de Sagres, lembra-lhe).

Aproveita, já agora, para lhe oferecer (isso é que são capazes de não saber onde está...) uma transcrição de parte do Programa da Récita em Homenagem aos nossos, que me deixou uma antepassada... São palavras do Camilo, do Pessanha. Esse, o das barbas, o dos poemas... Esse! Viveu aí uns 30 anos...

A certa altura, reza assim, escreve (esta merda da electrónica lixa-me o juízo...):

"...Toda a população desta remontíssima terra portuguesa estremeceu de júbilo ao saber que Macau foi a meta escolhida para a grandiosa prova de audácia (repete se a diplomacia não se opuser: audácia! Isso: A U D Á C I A!), audácia esclarecida que os dois ilustres aviadores, assumindo para tal fim a representação da nação portuguesa, desinteressadamente se impuseram e que com tanta perícia e tão deslumbante êxito levaram a cabo (...) demonstrando do modo mais palpável às populações destes países distantes que Portugal ainda tem filhos capazes dos mais heróicos sacrifícios, dispõe de competências técnicas rivalizando com as mais cultas nações e acompanhando, portanto, brilhantemente, o progresso do mundo."

Não lhe fales de problemas, eles também os têm, e aceita um abraço de saudade do Zé. O das Caldas.

PS - Se te perguntar como é que vão as lojas, disfarça e diz-lhe que sim... Abraça-o. Dão jeito...

"Quarto de Despejo" - a conta da água e da luz


A gente quer acreditar no "governo do povo", mas o povo no poder, nem que seja de uma favela, quer logo ser "dono" local da água e da luz - e exercer o poder na ponta da navalha...



Chega aqui, Catarina: fala!...



"...Fui carregar água. Que bom! Não tem fila. Porque está chovendo. Vi as mulheres da favela agitadas e falando. Perguntei o que havia, Disseram que o Orlando Lopes, o atual dono da luz havia espancado a Zefa. E ela deu parte e êle foi preso. Perguntei para o Geraldino se era verdade. Afirmou que sim."



"...Houve briga aqui na favela porque o homem que está tomando conta da luz quer 30 cruzeiros por bico. A conta da agua atinge 1 100 e êle quer cobrar 25 de cada barracão".

Cone invertido


Prometi dizer alguma coisa acerca de voluntariado. Lembrei-me de um cone oco e invertido. Na parte superior, a da grande circunferência - tudo.

Depois, à medida que nele se entra, menos largo, até estreitar, estreitar, estreitar e verificar que é impossível ir mais além...

A meu ver, é assim: em tempo de escassez de emprego, para já não falar na inveja dos do activo,
a coisa, se é para durar, pode parecer um posto de trabalho a menos para quem está no desemprego, ou estando dentro da estrutura, não vê com os melhores olhos a colaboração graciosa de qualquer recém-chegado/a. Pode não haver, mas "ouve-se" como que uma espécie de ameaça a um posto de trabalho, de outro modo, de criação viável... E fica instalado o desconforto...

Donde, salvo melhor opinião, voluntário, sim, mas, digo eu, de preferência, de curta duração e em entidades diversas. Para que ganhe a boa vontade, com benefício, acima de tudo, para os visados, e sem prejuízo para ninguém, se possível. Que há situações, como se sabe, em que o voluntário dá tudo, se dá todo... Até fisicamente. Sem que os chamados activos saiam da rotina... Apesar de pagos.

É que, quando se começa a entrar no cone, a eventual boa intenção perde espaço, começa a asfixiar, dá a sensação de alguém querer "roubar"o pão a alguém... E fica toda a gente incomodada...

Mas "blogue" não é catecismo. Isto é apenas uma reflexão. De experiência feita.

Portanto: sim ao voluntariado, claro, mas...mas de curta duração no mesmo sítio e, de preferência, "a convite" dos que dele carecem... Ou em emergências, como é óbvio.

E, voluntariamente, mais não digo. Tanto mais que ninguém me encomendou o sermão. Já agora, se quer ser "aceite" não se meta em inovações... Pode ser "perigoso!..." E ir parar ao topo da parte mais estreita do interior do cone... Você que era movido a boas intenções.

Se isto se aplicar a um país, até pode acontecer chamarem-lhe colonizador... E não o querer, nem poder, ser.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Subsídios de Fernão Mendes-Pinto


"Das mais grandezas desta insigne cidade, direi a seu tempo, porque isto agora foi somente dar uma breve relação da origem e fundação deste império e do primeiro que fundou esta cidade de Pequim, metrópole da razão e com verdade, de todas as do mundo, na grandeza, na polícia, na abastança, na riqueza, e em tudo o mais quanto se pode dizer ou cuidar (...)"

Subsídios para a História - Macau 95 (XIV)


ENTREVISTA com Dr. Senna Fernandes (cont.)

Tinhamos falado de ar livre, de passear pássaros, de tranquilidade, quase de poesia...


Afinal, sejamos objectivos, desta convivência racial o que é que vai permanecer?

Não sei dizer-lhe. Todos fazem a mesma pergunta... Macau sempre viveu esse cruzamento de raças. Tudo depende do respeito mútuo. Se a presença portuguesa diminuir muito, pode correr-se o risco de desaparecer. Cabe aí o respeito pela Declaração Conjunta e cabe ao governo da República proteger a presença portuguesa no território.

Se a República Popular da China não respeitar os termos da Declaração Conjunta, pronto, não se pode dizer mais nada... Não basta só a China respeitar, corre-se o risco de a população daqui se tornar menos agradável... Mas se Portugal não quiser saber, depois de muitas promessas a dizer que é um desígnio nacional, ainda resta ver, depois de tanta desilusão, se se mantém o chamado desígnio nacional... Portugal tem que olhar (sempre) para a população que fica e que é o único garante da sua presença...

Porque não é a República mandando dez, vinte ou cinquenta pessoas por quatro ou cinco anos, que depois abalam, que não se casam cá, que não ficam aqui, considerando isto a sua terra, que são o garante da presença portuguesa. Somos nós, nós, os macaenses, que
personificamos essa presença. Não são os portugueses da República que vêm cá e estão sempre em maioria. Somos nós que sentimos que esta é a nossa terra, para a qual Portugal tem que olhar, criando escola, a tal escola portuguesa, alimentando sempre (!) a nossa cultura.


(quebro aqui (!!!) esta entrevista para, depois do telejornal que ouvi há pouco, dizer que, nunca tendo pensado nisso, "verifiquei" (tenho a idade que sabem, se têm lido "isto"...) que se, com base na nova legislação, duas mulheres casarem para VIVEREM EM COMUM, podem, graças à inseminação artificial,"ter"e "educar" à volta da mesma mesa, cada uma seu filho, com eventual origem em "pais" diferentes (???)...

Que as crianças rebentem as águas, claro, é um direito...Mas em que clima social? Com que educação vão viver? Que universo vai ser o seu? Como vão interagir na sociedade?...Que cultura? Sociedade multicultural, porque multivaginal NO MESMO agregado? Para quê estas entrevistas, para quê tudo?...

Porra! Desculpem: porra para isto! Está tudo doido! Ou sou eu que estou velho?... Peço desculpa pelo "intervalo", pelo insólito... Embora...)


... Fale-me um pouco da língua e cultura portuguesas em Macau...

Tem sido um erro de base ensinar-se Português como se os alunos daqui fossem os alunos de Portugal. É um erro!!! Devia haver compêndios especiais... Mas como somos "meia dúzia", Portugal nunca se importou... É frequente ouvir-se dizer que em Macau fala-se mal o português. Mas há muita gente que compreende a nossa língua. Há professores e professoras que dizem às crianças: "tu não sabes português!..." O aluno, desde pequeno, fica complexado em relação à nossa língua. Porque tem medo de falar mal e não gosta de perceber que os outros se riem dele. O que é que vai fazer? Se a mãe é chinesa, e os companheiros também o são, quem é que a pode censurar? É chinês.

Em minha casa sempre falámos português, em detrimento da língua crioula, o "patois", que os meus pais proibiram que falássemos...

Porque é que proibiram o "patois"?

Porque foi considerada, a certa altura, uma língua que não tinha estatuto... Era ridículo falá-la. Subestimámos o nosso próprio crioulo. E disso o governo tem culpa...

Mas o "patois" tem, ou não, origem sentimental, enquanto meio para os namorados se entenderem: ela chinesa a querer falar português, ele, português, a tentar fazer-se entender?...

Como é que nasceu o "patois"?... Muito simplesmente: quando os portugueses vieram nos seus barcos trouxeram mulheres, mas não eram mulheres de Portugal, não eram brancas, eram mulheres de Goa, eram mulheres da Malásia, eram mulheres da Birmânia, dos vários pontos onde aportaram.Vieram até aqui e quando desembarcaram fundaram a cidade. Os chineses fecharam aos recém-chegados todo o contacto com a população nativa...

Quem é que faz a língua? Não é o homem, é a mulher. E tanto assim que nós dizemos a língua maternal... Porque é a mulher (ver "irritação" acima) que transmite a língua, que a ensina aos seus filhos, em casa.

Ora a mulher era de Goa, era da Birmânia, da Malásia, da Samatra, janavesa (tailandesa hoje). Esse grupo foi trazido nos nossos barcos. O Fernão Mendes Pinto foi muito esclarecedor neste aspecto social, das raças e em tudo o mais...

Então o "patois" nasce aí?...

Nasce da mulher que, para falar com o homem, distorce a língua. Ele fala português, porque não sabe outra língua, terá que responder e distorce o que diz para um linguajar a seu jeito... Essa é que é a origem do "patois". E perguntar-se-á: então não havia contacto com as chinesas? Havia...do piorio: a camponesa, a escrava, a mulher do mar... Pode ver-se a origem do "patois" quando a mulher chinesa fala com o português. O português que ela fala é uma mostra do que foi o nascimento do "patois". Há uma letra que os chineses têm muita dificuldade em articular: R. Eles não pronunciam o R... A terra, a guerra, dizem tera, a guera. É claro, faz-se muita troça disso, mas, localmente, a criança não pode, a não ser muito, muito castigada pronunciar erres. O cantonense não tem R. E outra língua que influiu em todos os portugueses é o inglês (nós aqui acabamos por ser trilingues...).

O inglês também não tem o R carregado, só o irlandês e, talvez, o escocês... Mas o inglês, verdadeiramente, também não tem. E, portanto, a criança, quando nasce, ouve da criada, ouve da mãe, se é chinesa, mas não ouve o R. O pai não tem tempo...

É claro que o meu pai, a minha mãe, nós, tivemos outra educação e, desde pequeninos aprendemos essas coisas todas... Mas sabe-se lá o que se terá castigado também, naquela época, que a minha memória não regista, para pronunciar os erres...

Pode citar-me agora nomes de continentais, ou de portugueses de Macau, que tenham marcado a nossa presença aqui e, a seu ver, porquê... Se quiser, desde que os Senna Fernandes são gente...

Para mim, um dos mais importantes foi Bernardino Senna Fernandes, meu bisavô. Exerceu várias funções relevantes em Macau. Foi um homem da segunda metade do século XIX, uma pessoa que teve uma grande influência. Junto dos chineses, também.

Seria, no século XIX, o que, mais tarde, foram outras pessoas. Os chineses actuais representam uma comunidade chinesa, etc, etc. Ele terá tido grande influência, fundou a Polícia, exerceu várias actividades...

Outro: Pedro Nolasco da Silva, uma grande figura que se interessou muito pela instrução dos macaenses. Temos as escolas municipais que, de resto, têm o nome dele: Escola Primária Pedro Nolasco da Silva, Escola Comercial Pedro Nolasco, etc.

O Vicente Nicolau de Mesquita, conquistador do Passaleão. Foi o homem que defendeu Macau, numa crise terrível, aquando do assassinato do Ferreira do Amaral.

Porque é que retiraram a estátua do Ferreira do Amaral?...

Fizeram bem. Se não a tivessem tirado, acabariam por tirá-la depois de 1999, com vexames. Assim foi discretamente... Custou-nos muito, mas... Não houve criança ou português enraizado nesta terra que não sofresse com a remoção da estátua. Quem entra em minha casa, "apanha" logo com o quadro de Ferreira do Amaral, a estátua de Ferreira do Amaral, num pôr-do-sol muito bonito...

Onde é que a puseram?

Deve estar guardada em qualquer museu. Foi difícil tirá-la. Estava muito bem agarrada ao chão...

Ficaria mesmo na frente do Banco da China...

Era um bocado complicado... De maneira que fizeram muito bem. Custou-me muito vê-lo sair dali, mas...o sentido prático...

A conversa tem decorrido solta: falámos de tradições, falámos do Natal... Outra tradição?...

Era o Carnaval. Já acabou. Era uma data vivida nos anos 30, até à Guerra do Pacífico. Depois, quando acabou a guerra, os traumatismos eram muitos, houve uma quebra...

Macau, durante esse conflito, foi zona de paz?!...

Relativamente... Foi zona de acolhimento. E zona de paz também...

Aqui não chovia metralha?...

Houve uma vez que eles bombardearam, mas bombardearam o hangar, lá fora, bombardearam o porto, mas sempre com as luzes acesas... Os aviões americanos passavam por cima de nós... Nos dias de luar, de repente, ouvia-se um zumbido... E os miúdos diziam: "mamã, mamã, o avião, o avião..."

Quando é que Macau ganhou direito à designação de "Sempre Leal"?

Foi com D. João IV. Aqui sempre foi içada a bandeira das quinas, nunca foi trocada pela família espanhola. E os espanhóis, mesmo nos 60 anos, com as Filipinas aqui ao lado, nunca tiveram grande influência em Macau. Havia muita gente de origem espanhola. Hoje há apenas descendentes. Está tudo muito disperso. Famílias em peso têm-se ido embora. Nós ainda aqui estamos...

Acha que Macau está descaracterizado por força do cruzamento de tanta gente ou Macau é isso mesmo?

Macau está descaracterizado pela ganância. A ganância é que deu cabo da cidade, mais nada...

Prédios de 30 andares desocupados...

É a ganância...

É a aposta em que futuro?

É aproveitar o espaço para construir, depois vender - pronto!...

Só?...

Só isso. Construiu-se de tal maneira que há inflação... Estamos em crise, porque a construção excedeu as necessidades imediatas, as necessidades normais do mercado.

Como é que, nesse contexto, vê a construção do aeroporto?

Vejo-o muito bem. Foi pena que só agora, nos últimos anos, se construísse. Já devia ter sido concretizado há muito, para evitar a dependência de Hong -Kong e acabar com aquelas formalidades exigidas à emigração. Sujeito a um qualquer funcionário que, se está bem disposto, despacha rapidamente, se está mal disposto, não quer saber se a gente fica ali horas ou não...

Acha que Camões vai ser, a título póstumo, nomeado cônsul ou embaixador de Portugal?

Não sei. Aqui nas escolas há muito respeito pelo Poeta. É possível que fique a tradição, mas...

Vão destruir o jardim Luís de Camões?

Não!!! O jardim do Camões não vão destruir... Os chineses gostam muito dos jardins...

.../...

sábado, 23 de janeiro de 2010

Grão a grão (III)


Desde 7 de Dezembro do ano passado que não achava nada...

Até que...até que (palavra de honor) ontem, em local que, por razões óbvias, não devo identificar, abichei mais um cêntimo (dois escudos...).

Deve ser o aumento deste ano na pensão de reforma ...

Cheira-me que foi alguém da Segurança Social que, envergonhado e feito com o Sócrates, me seguiu e...

Obrigadinho! No fim do ano lá irei cantar as Janeiras.

Cú de Judas


Algures numa quelha do Lisminguiso, nas Traseiras do Litoral, brevíssima conversa a três:

.uma tia orgulhosa dos "feitos" do sobrinho

.o sobrinho recém-chegado "de longe"

e a velha,

que o mais que sabia era de pessoas de uma ou duas aldeias vizinhas, do nome de umas quantas nas redondezas do Lisminguiso e, salvo erro, da sede do concelho, donde lhe chegava, mensalmente, a pensão da Caixa e onde tinha ido ao doutor, há muitos anos, por causa de uma espinhela caída...

A tia, a modos que para apresentar o sobrinho, dirigiu-se à velha acabada de chegar ao "adjunto"
ainda com ovos na copa de um chapéu que tinha sido preto, fez a "apresentação":

- Este senhor é o meu so-bri -nho (a velha era muito surda...). Conhece o mundo inteiro...

Entretanto, a pobre senhora admirou-se tanto que o sobrinho, desatou a brincar:

- Eu até já estive no Cú de Judas...

- No Cú de Judas?... Onde é que é isso?... - quis saber a senhora com o ar mais interessado que imaginar se possa...

Ficou por ali o breve encontro, na aldeia a chamar para a missa das nove.

Entretanto, o mundo discutia, algures na OPEP, o preço do petróleo, enquanto Bin Laden preenchia os tempos livres (como ainda, por certo, faz hoje, algures, num qualquer Cú de Judas...) a pensar na forma de acabar com isto...

Contrastes...

Urbi et orbi


Decorriam, em Ponta Delgada, as Festas do Senhor Santo Cristo e a fila de gente para, na igreja, ver a sua imagem, era enorme.

Olhei para o relógio, revisitei o bilhete de regresso a Lisboa e...

Fazia-se tarde... A demora significava perda do avião.

"E o Senhor Santo Cristo de que não posso aproximar-me?...", interroguei-me.

Rompi as regras: entrei pela saída e pedi ao Santo Cristo que me perdoasse.
Ainda não conheço a decisão... Mas um amigo meu, mais próximo do Santo, acalmou-me e disse-me que podia dormir descansado.

Sim, meu Caro! Mas sinto necessidade desta confissão "Urbi et orbi".

Até amanhã!...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Flor de pessegueiro


Está a chegar o Novo Ano Chinês. Seguindo uma tradição que me acenam de Macau, acabo de comprar um ramo de pessegueiro em botão...

Será que vai abrir na data que deve?...

E se não abrir, vou sentir dificuldades? E Portugal, apesar de estar longe do Império do Meio, embora com muitas lojas de chineses, vai "ver-se grego"?...

Subsídios para a História - Macau 95 (XIII)


Com o prazer, o enorme prazer, dos actos voluntários (hei-de falar-vos disso... Leram o "Conversas Diferentes"?), trago-vos, a partir de hoje, mais um "Subsídios para a História": o que disse, em Macau, com um sorriso sábio e tranquilo, o escritor macaense Dr. Senna Fernandes...

ENTREVISTA com Henrique Senna Fernandes (cont.)


Toda a gente o conhece. Refira-nos, por isso, apenas uma síntese do seu "curriculum"...

Nasci em Macau, pertenço a uma das velhas famílias de Macau, senão a mais antiga. Devemos ter 250 anos de Macau. Os meus pais, avós, bisavós são macaenses. Tive antepassados europeus, antepassados chineses, goeses, muita gente, tanto do lado do meu pai como da minha mãe. Aliás, todas as famílias de Macau estão relacionadas com Goa.

Fiz os meus cursos primário e secundário em Macau e depois fui a Portugal, onde me licenciei em Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Depois do curso segui com mais dois anos de estágio e voltei. E tenho estado, desde o meu regresso até agora, aqui, em actividade.

Tenho saído várias vezes para o estrangeiro e este ano já estive três vezes em Portugal. Agora que está o meu filho aqui no escritório, já deixei, praticamente, de advogar. Só pequenos casos, para o ajudar. E tenho-me dedicado às letras.

Sei que é um profundo conhecedor dos usos e costumes desta terra e não gostaria de perder a oportunidade de o ouvir acerca desse universo...

Há muitas facetas. É difícil de, mesmo em síntese, explicar o universo que é Macau. Apesar do território ser muito pequeno, é um mundo...

Vivemos praticamente isolados da mãe-pátria, Portugal. Os barcos vinham aqui de seis em seis meses e isso não chegava para nos actualizar em relação à vida portuguesa, a vida que se fazia em Portugal, no seu dia-a-dia. De maneira que tínhamos que resolver a vida com a "prata da casa".

Através dos anos vão-se criando, assim, costumes, tradições de afecto de raiz profundamente portuguesa. Baseadas, como é natural, naquilo que vinha de Portugal, de pessoas que aqui fixavam residência, porque antigamente não se chegava para partir logo, como nós fazemos agora graças aos aviões.

Uma pessoa quando vinha para Macau era por muito tempo. Os homens que vinham casavam-se depois aqui e cá impunham o cunho das suas próprias tradições, ensinando a mulher a viver segundo essas mesmas tradições, e ele também aceitando, com certeza, porque vinha de longe e estava noutro ambiente...

Tinha que aceitar, portanto, as tradições da própria mulher. Essa mescla de culturas foi criando um mundo que resistiu, não só ao isolamento, como à acção centrípeta da China, esse gigante que estava ao lado, que nunca conseguiu absorver a população de raiz portuguesa.

Nós, os macaenses, temos uma profunda capacidade de resistência e uma identidade muito diferente da chinesa, e mesmo da metropolitana, como se costuma dizer. Agora, com o aparecimento do Império, as palavras metropolitano e metrópole já perderam aquela força que tinham antigamente.

As tradições que eu possa contar... Por exemplo, o Natal tradicional: em minha casa fazíamos a consoada, mas uma consoada diferente de Portugal. Em Portugal faz-se a consoada com bacalhau, grelos, etc. etc. Nós não, nós não fazemos isso. Nós temos aqui em Macau uma sopa de aletria com camarão, com um condimento, mesmo local, chamado balichão, feito de camarões muito pequeninos e de vários ingredientes que desconheço e que dão à sopa um sabor típico... Há o balichão chinês e o balichão macaense. Podem comprar-se nas várias lojas. O que é conhecido como chinês, tem um cheiro penetrante. Não gosto muito... Mas o balischão à maneira macaense tem outro sabor, é delicioso. Mas hoje, infelizmente, belichão macaense é raro, só algumas casas é que fazem... Antigamente era uma coisa vulgar, todas as casas faziam...

Com a imigração e outras coisas mais, onde é que estão hoje esses ingredientes tipicamente da terra? Tipicamente macaenses. Porque há diferenças entre a culinária chinesa e a macaense. Falo do ponto de vista do macaense, não estou a falar do ponto de vista chinês. Estamos a falar de Macau de raiz portuguesa.

Entretanto, também a sopa tradicional de aletria com gambas corre o risco de acabar, porque as grandes donas de casa, as grandes cozinheiras de Macau estão a desaparecer com a idade... E as filhas e netas já não ficam em casa. Também não há casas com grandes cozinhas, já não existem os casarões onde nós viviamos... E assim, filhas e netas, foram perdendo o treino da cozinha, o gosto da cozinha, e fazem as comidas o mais rapidamente que podem, para despachar, porque não têm tempo, porque estão empregadas.

Mais...

Aqui em Macau há duas tradições: quando o pai constitui família na primeira geração, ou na segunda, mas sempre conforme a sua educação, segue a tradição do Menino Jesus; os outros, já com muitos anos, não podem fugir à influência inglesa de Hong Kong e seguem a tradição do Pai Natal.

O meu pai foi educado "à inglesa". Ele e os tios correspondiam-se em inglês e até falavam entre eles nessa língua. Mas nunca deixou de ser português. Também teve, quanto ao Natal, muitíssima influência inglesa: criámo-nos na tradição do Pai Natal. Houve discussões a respeito disso, sobretudo quando veio um governador muito ditador e que tinha a mania dos nacionalismos, etc, etc, das televisões portuguesas...Ficou escandalizado quando viu o Pai Natal a aparece nas montras, nas casas particulares, até nos Serviços de Estado...

Nos tempos "da outra senhora" bastava a voz do governador para todos tremerem...

A tradição católica mantém-se e vai perdurar?

A fé é uma coisa que, por mais que se combata, quando existe de verdade, é indestrutível... A República Popular, sendo agnóstica, ou ateísta, não conseguiu quebrar as tradições católicas da China, apesar das perseguições... É escusado...

Quer seja a fé em Buda, quer seja a fé em Deus... Ninguém a destrói, nem se destroem uma à outra, é?...

É. Temos é poucos católicos em Macau. Mas isso é outra conversa... No Natal, em minha casa, a ceia é com canja de galinha. Não temos bacalhau, mas não é aquele bacalhau com grelos, etc. Faz-se um bacalhau com natas ou outra coisa qualquer...

Mas há bacalhau!...

Em minha casa fazia-se sempre bacalhau. A minha mãe gostava muito e nós gostávamos também. Mas há casas onde isso não acontece. Não se come carne nesse dia. Depois da missa, então, começa-se a comer carne. Na ceia de Natal temos a galinha, depois há vários doces de Macau, que são típicos de Macau. Os coscorões, os fartos, são doces próprios do momento.

Também o "cake" do Natal, que é uma espécie de bolo de casamento, de influência inglesa. As preocupações com as crianças ajudam à festa.

No dia seguinte, Natal mesmo, têm lugar as visitas, mas isso é coisa quase acabada... Antigamente, eramos obrigados a visitar todos os tios, todos os avós, era "uma terrível...", mas hoje essa tradição acabou porque não temos casa para receber melhor, não vivemos em casas separadas, é tudo em andares... Tudo isso quebrou... Apesar de tudo, em minha casa, como sou o mais velho, consigo reunir a família toda. À volta de 20/30 pessoas.

1999 não vai acabar com essa reunião de família?...

Em 1999, se as famílias abalarem...acaba-se... Não se sabe quantos ficam e quantos partem ... Devem partir muitos, mas também devem ficar bastantes...

A família Senna Fernandes, fica?

Não sei. Eu não devo ficar. Porque já terei na altura idade um pouco avançada e temo ficar afectado psicologicamente com a mudança em que nunca acreditei... Aqui fui "menino e moço" e jamais pensei que a minha terra pudesse passar para outra bandeira. É uma coisa que custa a...
Voltemos a recordar tradições...

No Natal bebe-se e brinca-se até à meia-noite e mais. Naquela semana toda continuam as visitas. Chega-se ao Ano Novo, no dia 31, há o Te Deum, as igrejas ficam cheias às cinco e meia da tarde, conforme as igrejas. No dia um já não é tão importante... Começa com a missa, de manhã, como noutros dias do ano. O dia 31 é que é importante, sobretudo o Te Deum, às cinco, para agradecer a Deus termos vivido até aí e esperando que o Novo Ano nos seja propício.

Não deixam de comemorar o Novo Ano Chinês quando ele vem...

O Novo Ano Chinês é em fins de Janeiro, princípios de Fevereiro. São três dias de festa em que os macaenses se integram também. Eu estou casado com uma senhora chinesa e cedo igualmente às tradições. Ela aceita as minhas tradições, porque não haveria eu de não aceitar as tradições dela?!...

Antes de chegar o Novo Ano Chinês, compram-se flores, crisântemos, tanjerinas pequenas, e outra flores, e um ramo de pessegueiro, que ainda está em botão e que se espera que abra na noite do Ano Novo Chinês...

E se não abrir?...

É mau!... A minha mulher seguiu essa tradição, mas, há dois anos, deixou de comprar o ramo de pessegueiro, porque houve um ano que não abriu e, por coincidência ou não, esse ano não correu bem. E ela decidiu: "para o ano não faço isso..." E, portanto, deixámos de comprar o ramo de pessegueiro. Mas eu tive pena...

Gostava que me falasse de duas práticas muito comuns, de manhã, nos jardins e praças de Macau: um certo tipo de ginástica ao ar livre e o passeio dos pássaros...

É uma das diferenças. A primeira, trata-se de uma ginástica de que muitas pessoas troçam.É executada em ritmo lento, mas tem a sua ciência. Produz relaxação muscular e um sentimento de paz. Há um ou outro português que a faz na sua casa, discretamente. Aquilo é uma coisa chinesa e ele não quer confundir-se... Tenho, contudo, pena de não saber isso, porque se tivesse aprendido lucrava, por certo, um sentimento de paz, de tranquilidade, os músculos laços. É uma filosofia... É ancestral.

Outra coisa em que os chineses são mestres são as massagens. Nós, portugueses, temos o hábito, quando se fala de massagens, de pensar logo nas massagens das tailandesas... Não!... As massagens das tailandesas servem para muita coisa: para relaxamento dos músculos, para ajudar o sangue nas artérias a ter um ritmo adequado... Fazem bem ao coração, quando estamos nas mãos de um ou de uma boa massagista. A massagista não é aquela de que temos sempre uma ideia pornográfica, em que tudo termina na cama, na fornicação... Não é nada disso. Os chineses são extraordinários, são técnicos nisto. Há uma senhora que vem todos os dias a minha casa, de manhã e, durante uma hora, faz-me essas massagens. Tenho-me sentido muito bem!

E a cena dos pássaros?...

Os chineses gostam muito de jardins. Esses pássaros nas gaiolas, no fundo, traduzem também um sentimento de paz, de estar em contacto com a Natureza. Pintassilgos, melros, etc. Mas já rouxinóis, não. Muitos deles são criados para combater. Há combates de rouxinóis em que, aquele que perde, nunca mais pode combater... Fazem-se apostas fortíssimas. Mas, a maioria, leva o pássaro a passear, pendurando a respectiva gaiola num ramo e deleitando-se a ouvir a melodia do piar libertado no meio da folhagem toda. É, contudo, tarefa para os homens. Não se vê uma mulher a passear pássaros.

Então, com essa "passividade", com essa tranquilidade, dir-se-á que os macaenses, que são gente, não são pássaros, portanto, mais importantes, não têm que recear qualquer hostilidade depois de 99... Ou é uma pessoa dois "sistemas"?...

Andar no jardim a passear pássaros não quer dizer que não tenham os seus dogmas... O facto de um grupo social ter esse comportamento com os pássaros não quer dizer que...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Actualidade 3


Memorial Com V e nto o o

1. Desentendimento no espaço do Pinto...

2. Lojas chinesas dos "TrêsTentos" rejubilam em Mafra


3. Coelho ensaia saltos...


Frases



"É preciso reduzir para metade a pobreza extrema até 2015."
Mesmo...

"Quarto de Despejo" - "prefiro escrever"




Para a Marta, cujos comentários iniciais tanto me impressionaram e motivaram...

Olá, Catarina (ou Carolina, tanto faz...)!

Hoje, onde tinhamos conto, vamos ter romance. Brutal, como é a tua vida, a vida de um favelado. No Brasil como no Haiti, consciencializámo-lo agora, quem sabe, com um alerta, uma zanga brutal da Natureza, com que nos casaram...

"Deixei o leito as 4 horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu estrelado. Quando o astro-rei começou a despontar eu fui buscar água. Tive sorte! As mulheres não estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei. (...) Fui no Arnaldo buscar o leite e o pão. Quando retornava encontrei o senhor Ismael com uma faca de 30 centimetros mais ou menos. Disse-me que estava a espera do Binidito e do Miguel para matá-los, que êles lhe expancaram quando êle estava embriagado.

Lhe aconselhei a não brigar, que o crime não trás vantagens a ninguem, apenas deturpa a vida. Senti o cheiro de alcool , disisti. Sei que os ebrios não atende. O senhor Ismael quando não está alcoolizado demonstra sua sapiencia. Já foi telegrafista. E do Circulo Exoterico. Tem conhecimentos biblicos, gosta de dar conselhos. Mas não tem valor. Deixou o alcool lhe dominar, embora seus conselhos seja util para os que gostam de levar uma vida decente.

Preparei a refeição matinal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de farinha torrada. O João José, café puro. O José Carlos, leite branco. E eu, mingau de aveia.

Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna.

Terminaram a refeição. Lavei os utensilios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho homens em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pretendo relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortavel, mas não é possivel. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me a andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.

...Durante o dia, os jovens de 15 a 18 anos sentam na grama e falam de roubo. E já tentaram assaltar o emporio do senhor Raymundo Guello. E um ficou carimbado com uma bala. O assalto teve inicio as 4 horas. Quando o dia clareou as crianças catava dinheiro na rua e no capinzal. Teve criança que catou vinte cruzeiros em moeda. E sorria exibindo o dinheiro. Mas o juiz foi severo. Castigou impiedosamente.

Fui no rio lavar as roupas e encontrei D. Mariana. Uma mulher agradavel e decente. Tem 9 filhos e um lar modelo. Ela e o espôso tratam-se com iducação. Visam apenas viver em paz. E criar filhos. Ela tambem ia lavar roupas. Ela disse-me que o Binidito da D. Geralda todos os dias ia prêso. Que a Radio Patrulha cançou de vir buscá-lo. Arranjou serviço para êle na cadêia. Achei graça. Dei uma risada!... Estendi as roupas rapidamente e fui catar papel. Que suplicio catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu não ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o pêso do saco na cabeça e suporto o pêso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.

Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Êles não tem ninguem no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.

Aqui, todas impricam comigo. Dizem falo muito bem. Que sei atrair os homens. (...) Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.

...Não posso sair para catar papel. A Vera Eunice não quer dormir, e nem o José Carlos. A Silvia e o marido estão discutindo. Tem 9 filhos e não respeitam-se. Brigam todos os dias.

...Vendi o papel, ganhei 140 cruzeiros. Trabalhei em excesso, senti-me mal. Tomei umas pilulas de vida e deitei. Quando eu ia dormindo despertava com a voz do senhor Antonio Andrade discutindo com a espôsa."

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Próteses


Chegado onde cheguei, gostava de tentar ser útil falando-vos de...de próteses. Pró te ses. Isso mesmo. Não daquelas de que estão à espera, claro. Mas "esta", sim ESTA, em que estou a escrever e os meus amigos a ler...

O computador e as suas soluções: os Facebook, os blogues, etc, etc. Uma "farmácia" completa.

Ora vejam: com a ajuda do, amigo comum, Carlos Pinto Coelho, acabo de reencontrar a Luísa Barragon. Sabem quem é? Não sabem? Eu explico: é uma antiga colaboradora, mas, acima de tudo, uma querida Amiga minha que, qual prótese (desculpa, Luísa...), me enche a alma de alegria. Um grande beijinho, Luísa.

Lembro o teu pai, colega na reportagem fotográfica, no (nosso) Jornal Novo da minha saudade. Lembro a personificação da alegria no trabalho que tu eras (és! Só podes ser...) O sorriso, a boa disposição. No meio de, às vezes, tantas dificuldades de tudo...

Não me lembro se já lá estavas nos tempos áureos do Portela e das suas loucas montagens gráficas...

Vou contar-te (recordar-te?) uma história desses tempos de penúria e entusiasmo, fazendo dela o centro desta "conversa":

Um dia o Portela veio pedir-me (eram para aí 11 da manhã) que lhe arranjasse uma máquina fotográfica com rolo de revelação imediata, porque, ao meio-dia, falava na televisão, salvo erro, o general Costa Gomes e era preciso conseguir a imagem dele a botar faladura...

E, à falta de melhor solução, sugeriu que eu tentasse resolver o problema numa das lojas do Chiado (o "Jornal Novo"era no Alto de Santa Catarina, onde hoje estão os das Farmácias (os das outras próteses...).

Pedi ao Tuy (paz à sua alma!) que viesse comigo e...e lá fomos...

Em resumo: entrei na Ilford (?), disse que não tinha dinheiro (o Jornal era conhecido...), mas que precisava por uns minutos da máquina assim - assim, com rolo...

Corri: rua de Santa Catarina, Calhariz, Camões, rua Garrett...Ilford!...

Entreolharam-se, na loja, os meus interlocutores e o combinado, na emergência, foi: o Tuy ficaria na loja como penhor, enquanto, rolo pago, eu iria, "num instante", ao jornal tirar o "boneco" ao senhor general...

Assim foi!...

À tarde, o "Jornal Novo" circulou na capital e "arredores" com o Tuy resgatado e a foto onde o Portela a quis.

Missão cumprida, querida Luísa! E quando não foi assim, foi quase... Mas o quase de que se fazem as amizades, as solidariedades, que aqui me apetece festejar, num mundo cada vez mais filho da puta...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Se "isto" fosse um diário...


Se "isto" fosse um diário, hoje seria o "Dia das Coisas Bonitas"...

- O Gabinete da Ministra da Cultura enviou-me um PDF sinalizando o seu interesse por um assunto aqui abordado em homenagem ao Cônsul Honorário em Melbourne, Dr. Carlos Lemos: "A Descoberta da Austrália".

- Acusava a recepção de um"mail", generoso, de Helena Vasconcelos a dizer, a propósito dos "Subsídios para a História", que "foi com prazer que leu" a mensagem que lhe encaminhei e a sublinhar eventuais afinidades entre o conteúdo das entrevistas e o que escreveu seu primo, Tiago Lucena e Vasconcelos, "ex-Ajudante de Campo de Rocha Vieira", num livro sobre a China.
Curioso!

Foi bom, Senhora Ministra!

Foi bom, Helena Vasconcelos!
A Comunidade de Leitores que conheci, É!

Subsídios para a História - Macau 95 (XII)


ENTREVISTA com Celina Veiga de Oliveira (última parte)


Face às mudanças de 1999, quais são as expectativas dos macaenses?

Alguns estão muito apreensivos e outros, curiosamente, estão optimistas e serenos. Sabe porquê?... Eu sou professora no Instituto Politécnico, dou aulas à noite, e tenho alunos adultos, alunos que estão a tirar o bacharelato. E faço-lhes muitas vezes essas perguntas. Gosto de ouvir o que eles dizem. O que eu recolho é o seguinte: há chineses e há macaenses, naturais de Macau, que têm medo de 1999, porque têm substancialmente medo dos chineses de Pequim, que, em seu entender, vêm de uma outra galáxia, digamos assim. E esses chineses de Pequim quase todos falam um português como o nosso... Para ver como eles se preparam, de facto, para as situações. Nós não. Os portugueses é "tudo em cima do joelho..."

Curiosamente, há outros que não têm medo. Já estão inseridos na comunidade chinesa, não têm valores económicos nenhuns especiais, não têm nada a perder, também não têm dinheiro para sair daqui... Aceitam a situação com calma e estão, de certa forma, confiantes de que a China, não por respeito tradicional pelas normas, que é muito próprio da sua maneira de estar, mas, sobretudo, porque Macau vai servir como uma espécie de símbolo.

As relações actuais entre a China e a Inglaterra, em relação a Hong Kong, são muito más, ao contrário do que sucede com o governador de Macau e também com o governo de Portugal e da China. As relações entre o governador Rocha Vieira e as autoridades chinesas têm-se pautado por uma grande serenidade. A minha visão, aliás, não coincide com a visão de alguns portugueses que acham que o governador se submete muito às exigências... Eu acho que não. Acho que ele vai conseguindo fazer o que quer, com uma estratégia muito própria.

Mas, no que nos respeita, como, eventualmente, poderá haver problemas com a transferência de Hong Kong - Hong Kong é um monstro económico muito grande - a China não tem interesse nenhum em que Macau sirva de mau exemplo, porque se assim viesse a acontecer corria o risco de complicar outros processos...

Os grandes organismos internacionais estão atentos. É mais um símbolo do que outra coisa, porque Macau é pequeno...

Apesar de tudo, já não são 16 km2...

Agora com os aterros... Nos últimos 10 anos, em especial. Com pena minha de ter desaparecido a linda baía da Praia Grande. No princípio do século, não agora...

Como é que a comunidade católica, no meio de budismos, etc, vai sobreviver, ou sobrevive,

A comunidade católica sobreviveu sempre e tem sobrevivido num clima de coexistência religiosa.

É isso que é a grande maravilha de Macau. Isto é, há budistas?!... Sim, senhor. Também haverá por aí alguns sintoistas japoneses?!... Sim, senhor. Há toístas?!... Sim, senhor. Há católicos?!...Sim, senhor. Há cristão não católicos?!... Sim, senhor. Tudo bem. É evidente que o peso, a força dominante de Macau, é o catolicismo em termos ocidentais. Mas tudo numa grande base de freternidade e coexistência.

Actualmente a igreja sofre daquilo a que nós demos o nome de processo de localização. O bispo é chinês, é D. Domingos Lam. Estudou no seminário português, fala português. Há uma espécie de substituição dos poucos - já não há muitos... - padres portugueses que têm regressado à metrópole, por padres chineses, que é para estarem mais em contacto com a população depois de 1999. Mas eu acho que a igreja tem essa grande virtude, ao longo dedos seus 2000 anos de existência. Uma capacidade de adaptação notável!

Prédios de 20/30 andares desocupados... Como é que é?...

Vou dizer-lhe o que oiço ao meu marido: parece que há aí, em zonas determinadas, prédios que estão completamente desabitados. Há quem fale numa crise da construção civil decorrente desse facto e há quem diga que estão construídos à espera de Macau se transformar naquilo, em termos populacionais, que há quem preveja... Será que é nessa perspectiva que se constrói tanta coisa aqui?...

Gostava, entretanto, de lhe falar de Ho Hin, que é uma grande figura da comunidade chinesa, que morreu em 1983 (?) e está sepultado no cemitério português (de S. Miguel Arcanjo).

Ho Hin era chinês, era o "leader" da comunidade chinesa em Macau. Foi grande e profundo nosso amigo. Resolvia conflitos entre portugueses e chineses.

Como se sabe, no tempo de Salazar, não havia relações diplomáticas entre Portugal e a China, o que era muito mau para Macau. E houve a Revolução Cultural na China que teve reflexos perigosos aqui em Macau, em 1966, no célebre 1, 2, 3, isto é, no dia 3 do 12, portanto, 1, 2, 3... E faziam-se leituras do Livro Vermelho. O próprio governador - coitado! - foi obrigado a situações humilhantes. Houve, então, dois homens que, na penumbra, foram grandes negociadores entre Portugal (Macau) e a China: o Dr. Carlos Assunção, de que já falámos, e o sr. Ho Hin, pai do actual vice-presidente da Assembleia Legislativa, que era muito amigo dos portugueses e que conseguiu encontrar uma plataforma de entendimento e uma situação que agradou às duas partes. E os portugueses continuaram cá mais algum tempo... Etc. A situação apaziguou-se.

O filho dele, Edmundo Ho, é uma figura com tanto valor na comunidade chinesa que há quem diga que, depois de 1999, será o governador.*

Numa paragem de autocarro está uma fila de macaenses e chega um chinês e passa à frente de todos... O que é que isso quer dizer?...

Aqui fazem isso em qualquer altura... O povo chinês aqui desta zona do sul (em Pequim não verifico isso...) não é disciplinado, mas, em Hong Kong, curiosamente, devido à eficácia administrativa dos ingleses, que não se pode comparar com a nossa (somos uns aprendizes de feiticeiro ao pé deles. Não é que eu goste dos ingleses...), isso não se verifica. Eles respeitam a bicha, foram ensinados, porque essas coisas ensinam-se de pequenino...Aqui, em Macau, era uma coisa que me irritava muito... Agora já estou habituada... Não fazem por mal, nem por instinto de superioridade... Mas se nós lhes dissermos: " faz favor, não pode...", eles vão para o sítio donde vieram e não reagem mal... Não são nada agressivos, constituem um povo admirável!...

Para terminar, imagine-se numa aula e que a sua assembleia é de jovens portugueses. Estamos à beira de 1999...
O que é que diria aos seus alunos?...

Estou a dar aulas no Instituto Politécnico, como referi, e, portanto, os meus alunos são, praticamente, chineses que estão a aprender português, para serem interpretes-tradutores. Não vou enfrentar essa situação de estar com uma assembleia de portugueses. Poderei, quando muito, ter uma assembleia de macaenses, isto é, de portugueses de Macau. Vou imaginar...

Já faço isso agora: tenho sempre uma palavra de optimismo, porque lhes costumo dizer ( sou professora de história de Macau) é que a história de Macau não vai acabar em 1999, o que vai acabar é um ciclo, mas vai iniciar-se outro que não sabemos se vai ser melhor, se vai ser pior, o que vai ser é, necessariamente, diferente.

E um ciclo diferente porque é um ciclo histórico que já não conta com a administração portuguesa. A administração vai ser chinesa, com órgãos próprios daqui de Macau. A minha mensagem , até porque sinto um bocadinho isso, é, eu não poderia dizer outra coisa numa aula, é de optimismo.

Diria o mesmo a uma assembleia de chineses?...

Absolutamente. Agora se, em vez de estar a falar consigo em Macau, estivesse na Missão de Macau, em Portugal, poderia pôr um bocadinho mais a nú aquilo que sinto - e eu não tenho medo de 99!... - vou-me embora porque não posso cá ficar...

Há algum aspecto que gostasse de referir e que não lhe tenha perguntado? Por exemplo, do ponto de vista histórico...

O princípio de Macau: porque é que Macau se afirmou, quando houve outra feitorias aqui nesta zona que não vingaram?!... Muito por causa do comércio que dava um lucro espectacular aos portugueses. Nós íamos para o Japão vender a seda e trazíamos a prata... Isso deu um incremento grande e o século XVI (fins) e parte do século XVII foram os momentos grandes da nossa presença no Oriente.

Deixámos marcas aqui, como se vê, mas também no Japão, que ainda hoje comove qualquer português que lá vá, quando verifica a existência de monumentos feitos pelos japoneses, sobretudo, aos nossos missionários jesuítas e navegadores.

Tem alguma referência da nossa presença na Austrália? **

Não me parece minimamente bizarra a versão do senhor McIntire porque, desde logo, Timor não é muito longe... Por outro lado, como disse Boxer (e Boxer é insuspeito porque é inglês, não é português...), os portugueses no século XVI tinham uma dinâmica marítima tão grande que, naquela altura, era possível encontrar-se um barco português em qualquer parte... A dinâmica comercial era enorme, o aventureirismo era também grande, esses homens sem medo eram muitos... Portanto, era natural que qualquer barco nosso pudesse ter chegado a uma zona do litoral australiano. ***

Como é que um português que está aqui radicado e/ou um chinês vê o português de Portugal?
É uma imagem que se tem alterado de acordo com as épocas e as conjunturas. Por exemplo, antigamente, o macaense olhava para o português continental como alguém com quem gostaria de se assimilar. O chinês não tinha grande relacionamento com o português de Portugal. A ligação que havia era uma ligação administrativa, os professores representavam o poder burocrático, as pessoas a quem era necessário pedir uma autorização para isto e para aquilo...

Hoje em dia a situação alterou-se um bocadinho: os macaenses estão muito identificados com os portugueses de Portugal, têm uma casa em Portugal... Aqueles que pretendem fazer vida em Portugal têm uma visão mais pacífica dos portugueses continentais.

Os chineses - que é o que nos interessa mais, uma vez que os macaenses têm ligações sanguíneas e afectivas ao nosso país - acham que os portugueses de Portugal são muito afáveis, simpáticos...

Mesmo os que estão aqui?...

Sim, sim!... Pela minha parte, tenho um grande amigo que é chinês, de Pequim, professor universitário, e eu pergunto-lhe muitas vezes: "diga-me lá o que é que você acha dos portugueses..." E ele responde-me: "os portugueses são simpáticos..." Gosta da comida portuguesa. Acha que nós somos "almas lavadas..."

Mas aqui a comunidade portuguesa não é tão fácil como isso...

Não se conseguem arranjar grandes amizades... Eu acho que os nossos grandes amigos são ainda aqueles que ficaram em Portugal!...

Não falámos da língua portuguesa... Como é que é nesta parte do mundo?

A língua portuguesa nunca teve em Macau expressão significativa. A história explica porquê. Mas até a situação do poder repartido: isto não era só chinês, não era só português. Também tem a ver com a tal coexistência das duas comunidades no mesmo espaço geográfico, mas de costas voltadas uma para a outra. Talvez isso explique porque é que o português não se disseminou. Mas a Declaração Conjunta consagra o dualismo linguístico. A partir de 99, como já é agora, quer o chinês, quer o português são línguas oficiais.

Mas eu penso que o peso do português depois de 99 vai cair. Nas repartições públicas poderá ainda haver funcionários que falem português, mas... Penso que a nossa língua vai ser uma língua de cultura. O que vai permanecer mais marcadamente português julgo que não vai ser a língua, vai ser a comida, porque os chineses gostam muito da nossa culinária e há aí uma série de restaurantes que têm dado bom resultado...

Do que é que eles gostam mais?

Gostam imenso de bacalhau... Tal como eu... Li, aliás, há dias, uma referência que o Primeiro-Ministro, Eng. Guterres, não gosta de bacalhau e eu pensei: "encontrei-lhe um pormenor que faz dele, de facto, uma percentagem pequenina de menos português do que eu..."

* e foi...

** foi para lá que viajei a seguir. Ver livro "Entre Vistas nos Arredores das Montanhas Azuis"

*** recebi hoje mesmo um PDF do Gabinete da Ministra da Cultura a sinalizar a recepção do reparo que fiz a propósito deste assunto. Fiquei satisfeito. Talvez vá mexer...

A próxima conversa será com o Dr. Senna Fernandes. Espero por si. Não se assuste com o tamanho da prosa...Na imensidão do que a História já contou, e vai, por certo, contar, estas páginas NET não passam, de facto, de "Subsídios para..." Podem é não ter "fans" ou serem apenas interessantes para...para estrangeiros...Para os tais que, por exemplo, não têm a certeza de quem foi o achador da Austrália...

Que Deus e Buda ajudem os leitores.