domingo, 19 de junho de 2011
Okunhuissa Olongenbia- fado Mariquinhas em Umbundo
Bem-hajas, caríssimo Antunes Ferreira! Aqui está. Aqui me dou.
O velho leão
Guimarães 2012 ***** / Наш Гимарайш 2012
Eu nasci em Guimarães. E tu também. Embora não seja isso que os burocratas escreveram no meu B.I.,a verdade é que nasci em Guimarães.
Lembro-me de andar a brincar ao pé das muralhas do castelo a fazer de D. Afonso Henriques. Lembro-me de tudo ... Ou, se calhar, não me lembro ... É a História. A História que a D. Celeste me ensinou em Lisboa, ali ao pé do jardim onde agora passo as tardes.
Bom, a verdade é que se não nasci em Guimarães, também não nasci longe: sou lisboeta e dizem-me que quando chorei a primeira vez já D. Afonso Henriques cá não estava, mas tinha deixado recado que acreditava em mim e nos irmãos que viesse a ter ...
Iupi! D. Afonso Henriques acreditou em mim!... E em ti, com certeza, que ele, em nós não batia ...
Viva Guimarães! E os que fizeram este belo vídeo. Na hora que é como se fosse de reconquista ... de Portugal.
sábado, 18 de junho de 2011
Desígnio nacional a haver?
Isso! Levanta a crista. |
Já o escrevi, ou, se não escrevi, escrevo-o agora: é fácil falar sem responsabilidades formais, como eu, que estou pr'aqui no tal banco, que é de ripas - não dos outros ... e sugerir o seguinte:
Que, EM TODAS AS ACTIVIDADES NACIONAIS, analisemos em que lugar nos situamos, a nível internacional, e tentemos subir um lugar, apenas um lugar, na classificação mais credível existente.
Exemplifico:
Somos décimos em ... Passarmos para o nono lugar nisso ...
Somos os últimos em ... Passarmos a ser penúltimos nisso ...
Somos os segundos em determinada competição ou actividade económica ... Subirmos ao primeiro lugar.
Um degrau, subir um degrau, se possível, em tudo ou quase tudo ... E fazer disso um desígnio nacional.
Caro Visitante, se concorda, faça a este "post" o mesmo que procuro fazer com o que, bastas vezes, me sugere faça aos amáveis, e, não raro, preciosos, "mails" que me envia: ENCAMINHE A IDEIA, com palavras suas, se quiser, PARA QUEM ACHAR POR BEM.
HISTÓRIA(s) DE PORTUGAL
"Antigamente foi costume fazerem memoria das cousas que se fazião. ass erradas, como dos valentes & nobres feytos. Dos erros porque se delles soubessem guardar: & dos valores & nobres feytos, aos bõos fezessem cobiça auer pera as semelhantes cousas fazerem"
E cá estamos, no caso, humildemente, num banco de jardim a observar em que vão parar as modas ...
Coincidência, ou não, hoje, que já se sabe quem são os administradores do nosso minifúndio, está a ser dia da fartura: inventou-se uma avenida da Liberdade sem trânsito e Portugal, pela mão do sr. Belmiro, "virou" quinta pedagógica com produção nacional, como se impunha.
Tenho aqui umas quantas imagens que são inéditas (por onde eu "espreitei", ninguém mais "espreitou", tenho a certeza ...).
Nem o sr. Oliveira Martins (à esquerda), que deixaram ficar assim num ponto alto, mas voltado para a Rotunda, onde, de resto, tudo começa (não reparem na sujidade do sr. Martins, nem das roupas que ele veste. É um problema de poupança na conta da água por parte da autarquia lá do sítio - na foto à direita...).
Vejamos um pedaço do meu filme:
E cá estamos, no caso, humildemente, num banco de jardim a observar em que vão parar as modas ...
Coincidência, ou não, hoje, que já se sabe quem são os administradores do nosso minifúndio, está a ser dia da fartura: inventou-se uma avenida da Liberdade sem trânsito e Portugal, pela mão do sr. Belmiro, "virou" quinta pedagógica com produção nacional, como se impunha.
Tenho aqui umas quantas imagens que são inéditas (por onde eu "espreitei", ninguém mais "espreitou", tenho a certeza ...).
Nem o sr. Oliveira Martins (à esquerda), que deixaram ficar assim num ponto alto, mas voltado para a Rotunda, onde, de resto, tudo começa (não reparem na sujidade do sr. Martins, nem das roupas que ele veste. É um problema de poupança na conta da água por parte da autarquia lá do sítio - na foto à direita...).
Vejamos um pedaço do meu filme:
Galeria Nacional de Fotomontagens ( XXXIII )
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Quadras para flores de papel
Olha o Dominguizo,
Olha o arraial,
Abre teu sorriso
E canta Portugal
E canta Portugal
O fado do à brocha,
Porque cantar, afinal,
É acender uma tocha
É acender uma tocha
E queimar alecrim,
Com S.Pedro à brocha,
Sem chaves e sem pilim ...
À atenção das periferias urbanas
Por todas as razões e mais uma, não vou escrever que Isaltino Morais é um presidente de Câmara exemplar. O que vou sublinhar, isso sim, é que considero Oeiras um concelho com nervo ... Não
pelo que leio acerca do município, que é bastante, mas pelo que posso (podemos) observar cada vez que lá me desloco: casas bem tratadas, pelo menos, exteriormente, Parque dos Poetas, escolas, jardins, passeio marítimo, pavilhões, espaços museológicos, descentralização - passado e presente sem disfarces. Em suma, um exemplo para uma parte significativa dos lusos espaços autárquicos, onde a tensão social, não raro, é latente, sobretudo na periferia dos grandes centros urbanos.
pelo que leio acerca do município, que é bastante, mas pelo que posso (podemos) observar cada vez que lá me desloco: casas bem tratadas, pelo menos, exteriormente, Parque dos Poetas, escolas, jardins, passeio marítimo, pavilhões, espaços museológicos, descentralização - passado e presente sem disfarces. Em suma, um exemplo para uma parte significativa dos lusos espaços autárquicos, onde a tensão social, não raro, é latente, sobretudo na periferia dos grandes centros urbanos.
No boletim municipal OEIRAS ACTUAL, o dedo na ferida (numa das feridas ...): "quem não conhece ou convive com o seu vizinho, quem não partilha com o outro um espaço comum, dificilmente pode confiar." |
Natércia Freire
Lembro-me de Natércia Freire nos corredores do "Diário de Notícias" ou a entrar para o gabinete de Augusto de Castro, de quem se sabia ser amiga do peito. Tenho aqui à mão, publicado no número 3 da revista Colóquio, da Gulbenkian, um poema seu que partilho com os que hoje vierem aproveitar comigo este sol do Tempo que existe ...
O Tempo não existe. O Tempo é uma ilusão.
A virgem Primavera que vem sempre em Janeiro
e que encontra o teu corpo escondido no caixão
e os fios do teu mundo na luz do mundo inteiro,
anda a jogar comigo os dias misteriosos
de uma infância de véus e névoas sussurantes.
O Tempo não existe. Ontem brincámos juntas
como duas irmãs. As palavras
que a Morte sagra, nunca mais as digo!
Vamos voar lezírias
em renovo; amar, à transparência,
o teu súbito povo.
Chorar, nas velhas casas de poeira,
o abandono de amor de outras mulheres,
tal como tu
choraste em muitas Primaveras,
muitos Verões, muitos Invernos de água
o leito nu.
O Tempo não existe. E a nossa Primavera
não nos pode mentir. Tu irrompes do espaço
como uma flor aérea.
O teu corpo floresce de uma alva lembrança.
Tuas pernas, teus braços, teus seios, tuas mãos,
teu grande coração de mãe - sem fim,
inundam-me este Tempo sem estação ...
Mãe! Vamos sorrir dos homens como dantes!
Das suas guerras torpes, dos seus pavores de vermes.
Rir à nossa pobreza onde abrias clareiras
e diamantes verdes,
como os teus olhos verdes!
Vamos ser orgulhosas de tanto amor
aos bens que ninguém quis:
A noite, a solidão, os mortos, as florestas,
de um Tempo sem país ...
Oh, as largas janelas
fechadas da tua alma! Tua garganta
muda! Os gestos de algodão
rolando as minhas noites de gemidos.
Tinha um braço na Infância.
Tinha outro na Morte.
E agora? Vou no Tempo.
Os braços vão caídos.
Que o Tempo não existe. Ontem
brincámos juntas,
- Oh, minha mãe - criança! -
como duas Irmãs, como duas defuntas.
O Tempo não existe. O Tempo é uma ilusão.
A virgem Primavera que vem sempre em Janeiro
e que encontra o teu corpo escondido no caixão
e os fios do teu mundo na luz do mundo inteiro,
anda a jogar comigo os dias misteriosos
de uma infância de véus e névoas sussurantes.
O Tempo não existe. Ontem brincámos juntas
como duas irmãs. As palavras
que a Morte sagra, nunca mais as digo!
Vamos voar lezírias
em renovo; amar, à transparência,
o teu súbito povo.
Chorar, nas velhas casas de poeira,
o abandono de amor de outras mulheres,
tal como tu
choraste em muitas Primaveras,
muitos Verões, muitos Invernos de água
o leito nu.
O Tempo não existe. E a nossa Primavera
não nos pode mentir. Tu irrompes do espaço
como uma flor aérea.
O teu corpo floresce de uma alva lembrança.
Tuas pernas, teus braços, teus seios, tuas mãos,
teu grande coração de mãe - sem fim,
inundam-me este Tempo sem estação ...
Mãe! Vamos sorrir dos homens como dantes!
Das suas guerras torpes, dos seus pavores de vermes.
Rir à nossa pobreza onde abrias clareiras
e diamantes verdes,
como os teus olhos verdes!
Vamos ser orgulhosas de tanto amor
aos bens que ninguém quis:
A noite, a solidão, os mortos, as florestas,
de um Tempo sem país ...
Oh, as largas janelas
fechadas da tua alma! Tua garganta
muda! Os gestos de algodão
rolando as minhas noites de gemidos.
Tinha um braço na Infância.
Tinha outro na Morte.
E agora? Vou no Tempo.
Os braços vão caídos.
Que o Tempo não existe. Ontem
brincámos juntas,
- Oh, minha mãe - criança! -
como duas Irmãs, como duas defuntas.
Actualidade 3
1. Mário Soares recomenda que se ande para a frente com o País.
Discordo. Acho que o País deve ter os pés bem assentes na terra.
2. Estádio do Euro 2004 de Leiria à venda por 63 milhões: "o estádio não pode estar como está ..."
Concordo. Mas pergunto: e os outros?...
3. Ronaldo: tudo a postos para a festa do ano.
Concordo. Concordo uma vez que, pelos modos, além do mais, o dinheirinho a gastar com a festa do baptizado da criança fica todo em Portugal.
Galeria Nacional de Fotomontagens ( XXXI )
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Determinação
Anos e anos à procura de sol, mas aqui estou, curvada, mas viva. Hoje há quem prefira a sombra que, finalmente, consigo dar e até tenha mandado plantar flores a meus pés ...
Advogados - "casta 2011"
- A directora do Centro de Estudos Judiciários revelou que foram utilizados métodos fraudulentos para aprovação no curso para magistrados.
- O bastonário da Ordem dos Advogados disse que os candidatos em causa ao exercício da profissão devem ser excluídos.
- O cidadão comum que observa o que se passa a partir do que vê e lê sentado neste banco de jardim, que é público, solicita e agradece que, "para os devidos efeitos", seja conhecido o nome dos autores do "copianço" - aprovados com um 10 de favor...
- O bastonário da Ordem dos Advogados disse que os candidatos em causa ao exercício da profissão devem ser excluídos.
- O cidadão comum que observa o que se passa a partir do que vê e lê sentado neste banco de jardim, que é público, solicita e agradece que, "para os devidos efeitos", seja conhecido o nome dos autores do "copianço" - aprovados com um 10 de favor...
"O POETA" - livro a haver (X)
Um salto, um salto de dezenas de páginas nos salpicos de prosa ( nove ) aqui deixados até agora deste "livro a haver":
"(...) O Cais do Sodré transformara-se, com o correr dos anos, em ponto de encontro de gentes de todas as nações e os seus cafés, "ainda inferiores aos de Paris", continuavam a proliferar. "Os negócios, a política e, por certo, a vida mundana, tiveram ali o grande saguão onde em Lisboa tudo se despejava". Foi neste local que, ao que dizem, se estabeleceu M.me Júlia com uma hospedaria que ganhou justa "fama de bem servir" e até de ter acolhido o sobrinho do rei da Dinamarca.
Lisboa da beira-Tejo, fora de muralhas de outros séculos, consolidava-se edificando aqui uma casa de pasto, ali um hotel, mais adiante um café e, sem ninguém dar por isso, a breve trecho, na zona entre as Duas Igrejas e o Cais do Sodré, o centro de tudo, o apeadeiro da Europa e talvez do mundo.
Companheiros de Bocage e de Tolentino por lá andaram envolvidos em cavaqueira amena com turcos e cristãos e às voltas com a cabeça de porco com hortaliça, que devia cheirar que era um regalo; Garrett, pelo seu lado, chegou a instalar-se mais tarde no largo Barão de Quintela a escrever as Viagens enquanto, por certo, lhe entravam pelas janelas os odores do chouriço de sangue e do chispe bem temperado da nossa terra.
Diz-se que Machado de Castro também teve oficina onde hoje está o que resta do Hotel Bragança de outros tempos. Há ainda quem imagine Liszt a encaminhar-se do Hotel de France, no Cais do Sodré, para o S. Carlos e consiga ouvir, ecoando em toda aquela vasta área, do Chiado à Ribeira, os sons do Galope cromático que ele tocou, ante uma Lisboa amante de bom toucinho entremeado, mas também de pianistas de génio, de ramboiadas e de elegância, de sécias e peraltas, de bigodaças e bengalas. Eça nascera na hora própria. Ele e mais dez vencidos da vida. Depois, depois ficou o Tejo, o declive da rua do Alecrim, o piso axadrezado do Bragança e uma boémia cada vez mais oculta no quadriculado das ruas da borda d'água.
Isidro para lá fora morar, anos mais tarde, sem quase se dar conta. A única coisa de que se lembrava vagamente é de que, ainda menino, se deixara impressionar por aquela polida Gardunha de Lisboa. Na verdade, sentia-se como que empurrado para tão formosa aba da cidade, por qualquer movimento que não entendia. Contudo, talvez fosse o Tejo que desde sempre o havia atraído, ou, quiçá, as noites que ali eram ópio; ou ainda um impulso vindo das profundezas da alma, onde Liszt sempre tocara baixinho e Lisboa rira de si própria, sem cheta no bolso, mas transbordante de ideais."
"(...) O Cais do Sodré transformara-se, com o correr dos anos, em ponto de encontro de gentes de todas as nações e os seus cafés, "ainda inferiores aos de Paris", continuavam a proliferar. "Os negócios, a política e, por certo, a vida mundana, tiveram ali o grande saguão onde em Lisboa tudo se despejava". Foi neste local que, ao que dizem, se estabeleceu M.me Júlia com uma hospedaria que ganhou justa "fama de bem servir" e até de ter acolhido o sobrinho do rei da Dinamarca.
Lisboa da beira-Tejo, fora de muralhas de outros séculos, consolidava-se edificando aqui uma casa de pasto, ali um hotel, mais adiante um café e, sem ninguém dar por isso, a breve trecho, na zona entre as Duas Igrejas e o Cais do Sodré, o centro de tudo, o apeadeiro da Europa e talvez do mundo.
Companheiros de Bocage e de Tolentino por lá andaram envolvidos em cavaqueira amena com turcos e cristãos e às voltas com a cabeça de porco com hortaliça, que devia cheirar que era um regalo; Garrett, pelo seu lado, chegou a instalar-se mais tarde no largo Barão de Quintela a escrever as Viagens enquanto, por certo, lhe entravam pelas janelas os odores do chouriço de sangue e do chispe bem temperado da nossa terra.
Diz-se que Machado de Castro também teve oficina onde hoje está o que resta do Hotel Bragança de outros tempos. Há ainda quem imagine Liszt a encaminhar-se do Hotel de France, no Cais do Sodré, para o S. Carlos e consiga ouvir, ecoando em toda aquela vasta área, do Chiado à Ribeira, os sons do Galope cromático que ele tocou, ante uma Lisboa amante de bom toucinho entremeado, mas também de pianistas de génio, de ramboiadas e de elegância, de sécias e peraltas, de bigodaças e bengalas. Eça nascera na hora própria. Ele e mais dez vencidos da vida. Depois, depois ficou o Tejo, o declive da rua do Alecrim, o piso axadrezado do Bragança e uma boémia cada vez mais oculta no quadriculado das ruas da borda d'água.
Isidro para lá fora morar, anos mais tarde, sem quase se dar conta. A única coisa de que se lembrava vagamente é de que, ainda menino, se deixara impressionar por aquela polida Gardunha de Lisboa. Na verdade, sentia-se como que empurrado para tão formosa aba da cidade, por qualquer movimento que não entendia. Contudo, talvez fosse o Tejo que desde sempre o havia atraído, ou, quiçá, as noites que ali eram ópio; ou ainda um impulso vindo das profundezas da alma, onde Liszt sempre tocara baixinho e Lisboa rira de si própria, sem cheta no bolso, mas transbordante de ideais."
Canteiro de palavras (XXV) - As flores *
"Era uma vez um jardim maravilhoso, cheio de grandes tílias, bétulas, carvalhos, magnólias e plátanos.
Havia neles roseirais, jardins de buxo e pomares. E ruas muito compridas, entre muros de camélias talhadas.
E havia nele uma estufa cheia de avencas onde cresciam plantas extraordinárias que tinham, atada ao pé, uma placa de metal onde o seu nome estava escrito em latim.
E havia uma grande parque com plátanos altíssimos, lagos, grutas e morangos selvagens. E havia um campo com trigo e papoilas, e um pinhal onde entre mimosas e pinheiros cresciam urzes e fetos.
Ora num dos jardins de buxo havia um canteiro com gladíolos.
Os gladíolos são flores muito mundanas. E aqueles gladíolos achavam que o lugar mais chique era esse jardim de buxo onde eles moravam.
- Os jardins civilizados - diziam eles - são sempre jardins de buxo."
* in "O rapaz de bronze", de Sophia de Mello Breyner Andresen (tenho este livro, que a minha neta me ofereceu, desde Novembro de 1999, que foi quando decidi, na primeira oportunidade, vir sentar-me aqui ...)
Havia neles roseirais, jardins de buxo e pomares. E ruas muito compridas, entre muros de camélias talhadas.
E havia nele uma estufa cheia de avencas onde cresciam plantas extraordinárias que tinham, atada ao pé, uma placa de metal onde o seu nome estava escrito em latim.
E havia uma grande parque com plátanos altíssimos, lagos, grutas e morangos selvagens. E havia um campo com trigo e papoilas, e um pinhal onde entre mimosas e pinheiros cresciam urzes e fetos.
Ora num dos jardins de buxo havia um canteiro com gladíolos.
Os gladíolos são flores muito mundanas. E aqueles gladíolos achavam que o lugar mais chique era esse jardim de buxo onde eles moravam.
- Os jardins civilizados - diziam eles - são sempre jardins de buxo."
* in "O rapaz de bronze", de Sophia de Mello Breyner Andresen (tenho este livro, que a minha neta me ofereceu, desde Novembro de 1999, que foi quando decidi, na primeira oportunidade, vir sentar-me aqui ...)
Galeria Nacional de Fotomontagens ( XXX )
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Canteiro de palavras (XXIV) - Os probes *
" - E Jesus que não vem!
Já muitos o viram. É um pobre - é um pobre de pedir -, é um fantasma. Ninguém sabe dizer como é esse vulto que desaparece na volta dos caminhos. Não traz sacola, e não passa talvez duma sombra. O seu silêncio mete medo. Viram-no, e quem o vê fica atónito como o Manco, que anda desvairado pelo alto dos montes, a desafiar o vento com um pau e a pedir lume ao fogo dos relâmpagos.
Viu-o o Senhor José, espesso como granito, que nunca pôde comunicar comigo. Viu-o e calou-se. Mas sei que viu o Pobre, porque se pôs a olhar para mim duma maneira singular ... E o Manco teima e diz, com a ponta do cigarro requeimado ao canto da boca:
- Jesus Cristo há-de voltar para nos dar a terra.
- Voltar?!
- Os pobres hão-de ser sempre pobres.
E o Fortunato:
- Sempre. Sem pobres acabava-se o mundo.
- O mundo é dos probes!
Acodem os jornaleiros secos e ressecos, as velhas das cabanas e outros - lá dos altos, para ouvirem o Manco. À noite, nos sítios ermos, juntam-se em bando o Ai-Jesus, o Ladrão, o Seringa, o Abelheiro e alguns tipos escalavrados, e todos eles o querem ver e ouvir.
- Vi-o!
Também a senhora Emília, cada vez mais apagada e humilde, o espera com o olhar que revela um peso insuportável.
Sentada no lar, não tira os olhos do Fortunato. Vai-lhe falar? Não se atreve. Não bolem, ele negro e curvado, ela em frente com a boca sumida e as cinzas frias ao meio dos dois a separá-los. Amar não é nada. Amar na dor e na desgraça é que é a lei suprema da vida."
* Raúl Brandão in "O Pobre de pedir"
Já muitos o viram. É um pobre - é um pobre de pedir -, é um fantasma. Ninguém sabe dizer como é esse vulto que desaparece na volta dos caminhos. Não traz sacola, e não passa talvez duma sombra. O seu silêncio mete medo. Viram-no, e quem o vê fica atónito como o Manco, que anda desvairado pelo alto dos montes, a desafiar o vento com um pau e a pedir lume ao fogo dos relâmpagos.
Viu-o o Senhor José, espesso como granito, que nunca pôde comunicar comigo. Viu-o e calou-se. Mas sei que viu o Pobre, porque se pôs a olhar para mim duma maneira singular ... E o Manco teima e diz, com a ponta do cigarro requeimado ao canto da boca:
- Jesus Cristo há-de voltar para nos dar a terra.
- Voltar?!
- Os pobres hão-de ser sempre pobres.
E o Fortunato:
- Sempre. Sem pobres acabava-se o mundo.
- O mundo é dos probes!
Acodem os jornaleiros secos e ressecos, as velhas das cabanas e outros - lá dos altos, para ouvirem o Manco. À noite, nos sítios ermos, juntam-se em bando o Ai-Jesus, o Ladrão, o Seringa, o Abelheiro e alguns tipos escalavrados, e todos eles o querem ver e ouvir.
- Vi-o!
Também a senhora Emília, cada vez mais apagada e humilde, o espera com o olhar que revela um peso insuportável.
Sentada no lar, não tira os olhos do Fortunato. Vai-lhe falar? Não se atreve. Não bolem, ele negro e curvado, ela em frente com a boca sumida e as cinzas frias ao meio dos dois a separá-los. Amar não é nada. Amar na dor e na desgraça é que é a lei suprema da vida."
* Raúl Brandão in "O Pobre de pedir"
Astrólogo-Médium-Vidente: precisa-se catedrático
Aqui no jardim onde passo largas horas dos meus chamados tempos livres, sou, com frequência, abordado por ciganas que insistem em querer ler-me a sina. Nunca lhes fiz a vontade, mas sempre fico roído de curiosidade: o que é que uma mulher, em regra, digo eu, analfabeta, consegue saber a partir dos vincos que tenho nas mãos?... Ainda um dia acabarei por matar esta curiosidade ...
Entretanto, em feroz (e organizada) concorrência, é raro o dia em que, à porta de uma estação do Metro, não receba um papelinho de um dos, por certo, vários professores especialistas em "amor, impotência sexual, problemas de droga, alcoolismo, protecção, insucessos escolares, negócios, atracção de clientes, união de famílias separadas ou em vias de separação." Dão telefone e morada para contactos. Uns em Lisboa, outros na periferia da capital.
A vontade que sistematicamente tenho é, como julgo ser óbvio, encaminhar, de imediato, ciganas e astrólogas(os) para a área de S. Bento, em Lisboa, onde o "negócio" talvez pudesse ter oportunidade de tornar rentável - e útil, a partir de uma sondagem à boca ... à boca pequena:
Impotentes sexuais: quantos são? Leia-se virilidade (ausência de) em negociações, por exemplo.
Insucessos nos negócios: quantos e porquê?
Atracção de clientes (leia-se de investimentos): quais e em que circunstâncias?
Familias (políticas) em vias de separação inequívoca: quais (analisar o caso do B.E., por exemplo)?
Sem perder de vista a hipótese de insucesso. Tanto mais que, tudo ponderado, é minha convicção que o que temos mesmo que fazer é... é ir à bruxa ... Ou trabalhar, claro. Com o inconveniente de poder cheirar um pouco a suor...
Mas poderia ser uma sondagem (ao menos isso) interessante ... A requerer saberes catedráticos.
Entretanto, em feroz (e organizada) concorrência, é raro o dia em que, à porta de uma estação do Metro, não receba um papelinho de um dos, por certo, vários professores especialistas em "amor, impotência sexual, problemas de droga, alcoolismo, protecção, insucessos escolares, negócios, atracção de clientes, união de famílias separadas ou em vias de separação." Dão telefone e morada para contactos. Uns em Lisboa, outros na periferia da capital.
A vontade que sistematicamente tenho é, como julgo ser óbvio, encaminhar, de imediato, ciganas e astrólogas(os) para a área de S. Bento, em Lisboa, onde o "negócio" talvez pudesse ter oportunidade de tornar rentável - e útil, a partir de uma sondagem à boca ... à boca pequena:
Impotentes sexuais: quantos são? Leia-se virilidade (ausência de) em negociações, por exemplo.
Insucessos nos negócios: quantos e porquê?
Atracção de clientes (leia-se de investimentos): quais e em que circunstâncias?
Familias (políticas) em vias de separação inequívoca: quais (analisar o caso do B.E., por exemplo)?
Sem perder de vista a hipótese de insucesso. Tanto mais que, tudo ponderado, é minha convicção que o que temos mesmo que fazer é... é ir à bruxa ... Ou trabalhar, claro. Com o inconveniente de poder cheirar um pouco a suor...
Mas poderia ser uma sondagem (ao menos isso) interessante ... A requerer saberes catedráticos.
"O POETA" - livro a haver ( IX )
"(...) Os filhos de Bacelar chamavam agora à madrasta "virgem em segunda mão", mas a verdade é que D. Rosa, após o desaparecimento do único homem que a amara, permanecia fiel à sua memória. A tal ponto que se tornara excessivamente orgulhosa, quase arrogante. Sem companhia desde os vinte e sete anos, resistia a todos os "convites" com firmeza.
Extasiava-se a olhar o piano sobre o qual, de quando em vez, enlevada, fazia deslizar as mãos. Vivia de um passado efémero e todo o seu comportamento tinha como suporte a recordação do que fora uma vida intensa ao lado de um simpático, mas, sobretudo, respeitado tesoureiro de finanças. "O Bacelar dizia..."; "O Bacelar fez ... "; "A valsa do Bacelar..." Os outros, os outros, os que tinham vindo depois, eram nada ... Tornara-se até mesmo ríspida e antipática. Com frequência, dava a sensação de ter esquecido as origens, o que irritava os que com ela conviviam. Nos píncaros da sua memória permanecia Lemos Bacelar, tesoureiro de finanças, único homem que conhecera na intimidade. De resto, D. Rosa Soares Lobo, vivia, sem alardes económicos, do aluguer de parte da casa que habitara com seu marido (os descendentes de Bacelar viam-na como a amásia do pai ...). Também emprestava dinheiro a juros, mas quase nada. As economias não abundavam. Levava, contudo, uma existência contemplativa - sem trabalhar. Dizia com frequência "a rico não peças e a pobre não sirvas" e assim escudada, lá se ia governando do passado, alimentando o seu dia-a-dia de significativo orgulho.
O piano que, para além das tabelas fiscais, representava toda a glória de um passado activo, era a sua grande vaidade. Silencioso desde a morte de Lemos Bacelar, apresentava-se como a manisfestação visível de uma certa cultura musical, de ouvido, à sombra da qual respirava mais fundo junto de familiares e amigos.
Fora à ópera duas vezes. E até acompanhara Lemos Bacelar numa inesquecível viagem de combóio a Andorra, organizada pela Caixa de Auxílio das Finanças. Nascera pobre. Desenvolvera-se a observar. Enviuvara prestigiada na aldeia. "Vive bem", dizia-se. "O sr. Bacelar até lhe deixou um piano ...", acrescentava-se. (...)"
Extasiava-se a olhar o piano sobre o qual, de quando em vez, enlevada, fazia deslizar as mãos. Vivia de um passado efémero e todo o seu comportamento tinha como suporte a recordação do que fora uma vida intensa ao lado de um simpático, mas, sobretudo, respeitado tesoureiro de finanças. "O Bacelar dizia..."; "O Bacelar fez ... "; "A valsa do Bacelar..." Os outros, os outros, os que tinham vindo depois, eram nada ... Tornara-se até mesmo ríspida e antipática. Com frequência, dava a sensação de ter esquecido as origens, o que irritava os que com ela conviviam. Nos píncaros da sua memória permanecia Lemos Bacelar, tesoureiro de finanças, único homem que conhecera na intimidade. De resto, D. Rosa Soares Lobo, vivia, sem alardes económicos, do aluguer de parte da casa que habitara com seu marido (os descendentes de Bacelar viam-na como a amásia do pai ...). Também emprestava dinheiro a juros, mas quase nada. As economias não abundavam. Levava, contudo, uma existência contemplativa - sem trabalhar. Dizia com frequência "a rico não peças e a pobre não sirvas" e assim escudada, lá se ia governando do passado, alimentando o seu dia-a-dia de significativo orgulho.
O piano que, para além das tabelas fiscais, representava toda a glória de um passado activo, era a sua grande vaidade. Silencioso desde a morte de Lemos Bacelar, apresentava-se como a manisfestação visível de uma certa cultura musical, de ouvido, à sombra da qual respirava mais fundo junto de familiares e amigos.
Fora à ópera duas vezes. E até acompanhara Lemos Bacelar numa inesquecível viagem de combóio a Andorra, organizada pela Caixa de Auxílio das Finanças. Nascera pobre. Desenvolvera-se a observar. Enviuvara prestigiada na aldeia. "Vive bem", dizia-se. "O sr. Bacelar até lhe deixou um piano ...", acrescentava-se. (...)"