Carta aberta para NATIVIDADE (no Céu e no Dominguizo)

 Mãe
Olá, sou eu. Não sei se como sonhaste,
mas como alguns, não todos, me conhecem:
"doente" da escrita, "doente" da vida,
"doente" do sorriso e da boa disposição.
Louco por viagens, calcorreador do mundo de que ouviste falar.
Autor de livros, sim, minha Mãe!
Ex muita coisa - até chefe, até director, já nem sei de quê ...
Longe, de certeza, do que sonhaste para mim, distante do que,
sentada num banco do Jardim da Estrela,
disseste às tuas amigas que eu era.
Mas, querida Mãe, eu não sou esse, sou aquele a quem deste os rebuçados que te ofereciam no jardim e que tu, a pretextos vários, por certo, não saboreaste, para mos dares... Eu sou aquele junto do qual, na doença, dormiste para que não se destapasse.
Eu sou aquele para quem conseguiste o primeiro emprego.
Eu sou aquele, agora avô, que só pensa em escrever, escrever tudo, tudo a todos e que, como sonhaste, AMA A VIDA.
E sonha, sonha como se não tivesse quase,
quase a idade em que tu partiste definitivamente.
Eu sou aquele que guarda respeitosamente TUDO
o que tem memória do tempo que não volta ...
Mãe,
eu leio o teu Evangelho. Mesmo sem missa.
Mãe,
eu, uma vez, já tinhas partido, pedi uma autorização especial
e subi ao zimbório da Basílica da Estrela
para, de lá, te imaginar à janela
onde ficavas a ver-me, por exemplo, catraio, entrar no velho cinema Paris, em Lisboa.
Mãe,
tenho pena que o Céu não haja telefone, ao menos telefone, para, de vez em quando, te ouvir, para ouvir os teus conselhos e tentar subir mais facilmente esta ingreme rampa que é a vida - onde filhos e netos lutam, às vezes, mais do que nós lutámos para ESTAR. E SER.
Mãe,
CUMPRO-ME. CUMPRO-TE.
Na aldeia onde nasceste, ESTÁS. Como aqui - HOJE e SEMPRE!
Agora bisavó.
Dá um abraço ao pai, ao José, que também amo e não esqueço.
Perdoa-me, entretanto, ter feito esta carta AQUI, mas é, nos tempos que daí observas, a melhor e mais rápida forma de vencer os entraves da distância
- antes de nos juntarmos de novo PARA SEMPRE,
longe dos demagogos, dos mal nascidos
que por cá continuam a fingir AMOR.

A paz esteja contigo,NATIVIDADE!