Ainda é cedo para saber até que ponto a actual crise bolsista chinesa poderá afectar a economia de Macau. Maiores preocupações são colocadas pelo estado de saúde da economia real e pelas decisões políticas de Pequim nos próximos tempos, segundo economistas ouvidos pelo PONTO FINAL. Seja como for, parece que vêm aí tempos difíceis.
Rodrigo de Matos
"Macau está particularmente vulnerável a uma eventual crise em larga escala na China. Se a turbulência nos mercados financeiros vivida nos últimos dias se vier a revelar como um sintoma de uma enfermidade económica mais profunda, então as Regiões Administrativas Especiais, sobretudo a de Macau, têm mesmo razão para preocupações, acreditam os economistas.
A seriedade da situação fez com que, em Macau, o Gabinete do secretário para a Economia e Finanças se visse forçado a pronunciar-se ontem sobre os últimos acontecimentos, num comunicado em que admite preocupação com o que se passa nos mercados financeiros do exterior. O gabinete garante, contudo, que o impacto directo na economia de Macau “será limitado”.
Os economistas, por sua vez, vêm com menos optimismo os sinais vindos do outro lado da fronteira. Para já, a desvalorização forçada do yuan e uma série de indicadores, como o da actividade industrial, que atingiu o ponto mais baixo desde 2009, têm contribuído para acentuar a apreensão. “A crise nos mercados financeiros chineses é resultado da perda de confiança dos investidores na capacidade das autoridades em estabilizar a economia. Revelam uma grande insegurança”, explicou o economista José Isaac Duarte.
Se, na sequência disso, houver um movimento de capitais da China para o exterior, Macau e Hong Kong até poderão beneficiar num primeiro momento, com a entrada de algum investimento chinês. Mas se isto se vier a confirmar como um sinal de que a economia chinesa está mesmo a perder fulgor, então a repercussão vai ser claramente negativa, particularmente para Macau, onde as indústrias do turismo e dos casinos serão as primeiras a sentir o impacto, alerta o economista. “Repare que a indústria dos casinos tem vivido da exuberância da economia chinesa. A partir do momento que essa economia passa a ser menos exuberante, é natural que as consequências sejam acentuadas”, explicou, em declarações ao PONTO FINAL. “Toda a gente tem de estar preocupada com o que se passa na economia chinesa, não só em Macau, como no resto do mundo”, concluiu.
Macau vai passar período difícil
Para Steve Vickers, fundador e director executivo da Steve Vickers & Associates (SVA), de Hong Kong, uma economia com as características da de Macau é “particularmente vulnerável, não tanto às flutuações dos mercados bolsistas, mas a decisões políticas como as recentes investidas administrativas contra a lavagem de dinheiro, que vão ter um grande impacto em Macau, nomeadamente no mercado do jogo”. Em declarações ao PONTO FINAL, o responsável da empresa de consultadoria especializada em risco político e corporativo, prevê tempos difíceis para Macau no curto prazo.
“Nos próximos tempos, vai haver mais junkets [promotores de jogo] a abrir falência e, em última instância, algumas das actuais concessionárias de casinos, que privilegiam o negócio do jogo VIP, poderão mesmo ver-se forçadas a fazer mudanças estruturais profundas, sob pena de terem de deixar Macau. No curto prazo, a situação vai ser complicada”, prevê Vickers, menos pessimista ao olhar mais para a frente, quando Macau tiver feito a transição do actual paradigma, demasiado basiado nos casinos, para uma economia mais diversificada: “No longo prazo, tudo irá melhorar. Todas as revoluções são dolorosas”.
Tempos difíceis no curto prazo e recuperação lenta no futuro é o que prevêem também outros analistas, como Cameron McKnight, da Wells Fargo. Para o especialista, o mercado do jogo em Macau está a ajustar-se a um “novo normal” que inclui uma supervisão governamental mais apertada, sinais tangíveis de fraqueza da economia chinesa e uma recuperação que deverá ser menos acentuada do que em retomas anteriores. “Continuamos a acreditar que as receitas de Macau vão estar sujeitas a pressões este ano, seguidas de uma estabilização a dada altura. Quando isso acontecer e o crescimento for retomado, acreditamos firmemente que não iremos assistir a outra recuperação em ‘V’”, explicou, citado pelo site GGRAsia.
Crise global à porta ou apenas um grande susto?
Os mercados de acções da China caíram abruptamente nas últimas semanas, apesar das medidas anunciadas por parte de Pequim destinadas a acalmar o nervosismo dos investidores e amparar a confiança global na economia em desaceleração do país.
Porque caíram as bolsas chinesas?
Até meados de Junho, as acções na China tinham valorizado 150 por cento, com investidores individuais a acorrerem famintos a um mercado em franca ascensão, muitas vezes assumindo pesados empréstimos para o fazer. Mas os alarmes soaram quando começaram a surgir avisos de que as acções estariam sobrevalorizadas e sinais de abrandamento económico. Até que as acções atingiram o seu pico dos últimos sete anos, criando um tremendo impasse.
Na sequência do mergulho de anteontem, apelidado de “Segunda-feira Negra”, os mercados financeiros da China acabaram por perder tudo o que haviam ganhado durante o ano até então.
E a decisão de desvalorizar o yuan este mês apenas serviu para intensificar ainda mais as preocupações com a segunda maior economia do mundo, que continua a dar mostras de perda de fulgor: na semana passada, o indicador de actividade industrial na China atingiu o ponto mais baixo desde 2009.
Terça-feira quase tão negra como a segunda em Xangai
Ontem ainda se sentiram algumas réplicas do forte sismo bolsista de anteontem em Xangai. No dia seguinte à dramática queda de 8,49 por cento no índice composto da principal praça da China – a maior queda em oito anos – a sessão de ontem encerrou com uma perda de 7,63 por cento, no quarto dia negativo consecutivo.
O índice da bolsa de Xangai fechou a recuar 244,94 unidades, cotando-se nos 2.964,97 pontos, ficando pela primeira vez desde Dezembro de 2014 abaixo da marca dos três mil pontos.
A bolsa de Shenzhen, a segunda da China, também fechou no “vermelho”, sofrendo um tombo de 7,09 por cento, para 1.749,07 pontos.
No Japão, o dia também foi de perdas, com a bolsa de Tóquio a encerrar a sessão de ontem em forte baixa, com o principal índice, o Nikkei, a perder 3,96 por cento para 733,98 unidades, cotando-se nos 17.806,70 pontos. Também o segundo indicador, o Topix, fechou a recuar 48,22 unidades (3,25 por cento), até aos 1.432,65 pontos.
Aqui ao lado, no entanto, Hong Kong remava contra a maré negativa, conseguindo fechar com um ligeiro ganho – 0,72 por cento – para o índice Hang Seng, que na véspera tinha perdido 5,17 pontos percentuais.
Vem aí mais uma crise global?
O mundo balançou em 2008 com o colapso do banco norte-americano Lehman Brothers. Os índices de virtualmente todas as praças mundiais foram atingidos pelos estilhaços. Em Nova Iorque, o Dow Jones baixou 4,4 por cento a 15 de Setembro, no dia em que o banco declarou falência iminente, e outros sete por cento no dia 29. Na China, anteontem a queda no índice composto de Xangai foi de 8,5 por cento, a maior desde Fevereiro de 2007.
Mas para alguns economistas, os paralelos ficam-se por aí. A turbulência nos mercados de acções parece colocar riscos limitados para a economia real chinesa e pouca razão para preocupação além-China.
"O pânico actual é essencialmente 'made in China'. Os dados recentes de outras grandes economias, incluindo EUA, Zona Euro e Japão, em geral têm sido bons”, considera Julian Jessop, economista da empresa britânica de investigação macroeconómica Capital Economics. “Más notícias da China à parte, há muito pouco a apoiar temores de uma grande recessão global", afirmou, citado pelo The Guardian.
Mas outros são menos optimistas. Há quem aponte para o facto de a desaceleração da economia chinesa ser apenas um dos muitos factores que estão a preocupar os investidores, a par de problemas políticos persistentes na Zona Euro, sinais de um crescimento global mais fraco, e vastas somas a fluírem para fora de mercados emergentes que apresentam fragilidades, como o Brasil. Além disso, os responsáveis que determinam as políticas parecem ter poucas ferramentas à disposição para inverter as tendências.
China corta nas taxas de juro em nova tentativa de estimular economia
A China voltou a cortar ontem nas taxas de juro – pela quinta vez em nove meses – num novo esforço para apoiar um crescimento económico que tem vindo a desacelerar.
Assim, a taxa de referência para um empréstimo de um ano será reduzida em 0,25 pontos percentuais para 4,6 por cento, enquanto a taxa de um ano para os depósitos cairá pela mesma margem para 1,75 por cento, anunciou o Banco Popular da China (banco central), que também aumentou o montante de dinheiro disponível para empréstimos, ao reduzir em meio ponto percentual as reservas mínimas obrigatórias para os bancos.
A medida já havia sido antecipada pelos analistas financeiros após as exportações, a actividade industrial e outros indicadores económicos terem enfraquecido para margens superiores ao esperado, noticiou a AP.
As exportações chinesas em Julho caíram por uma margem inesperadamente acentuada – 8,3 por cento – enquanto uma sondagem à actividade industrial deste mês apurou uma contracção maior do que a prevista.
Banco central injecta 180 mil milhões de patacas
Outra medida que era aguardada e foi confirmada ontem foi a injecção de 150 mil milhões de yuans (cerca de 180 mil milhões de patacas) no sistema financeiro do país para aumentar a sua liquidez.
A redução da liquidez verificada no mercado após a desvalorização do yuan foi a principal justificação da medida, apresentada no comunicado divulgado pela agência oficial de notícias Xinhua.
Trata-se da maior intervenção do banco central chinês no sistema financeiro do país entre as operações realizadas directamente no mercado desde Janeiro do ano passado, superando, por isso, a injecção de 145 mil milhões de patacas da semana passada. Também na semana passada, o banco central disponibilizou 130 mil milhões de patacas a 14 bancos através de serviços de empréstimos a médio prazo, com um prazo de seis meses.
Chinesas presentes em Portugal perdem 930 mil milhões
As empresas chinesas que nos últimos anos investiram em Portugal já perderam mais de 930 mil milhões de patacas em capital, na sequência do sismo bolsista que se seguiu à última desvalorização do yuan.
A Fosun (importante accionista da Fidelidade, Luz Saúde e REN) teve o pior desempenho em valores relativos, depreciando 29,8 por cento na bolsa de Hong Kong, um recuo equivalente a 43,2 mil milhões de patacas, passando a valer 86,3 mil milhões de patacas.
Em termos de valor absoluto, a maior perda entre as empresas chinesas presentes em Portugal foi a do banco ICBC – apesar de uma menor perda relativa (-12,15 por cento) perfez 475 mil milhões do total varrido da capitalização deste lote de empresas em Agosto.
No mesmo período, a Beijing Enterprises Water e o Banco da China registam perdas acima dos 12 por cento, noticiou o Diário Económico."
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