quarta-feira, 23 de junho de 2010

Para uma eventual prédica de 7º DIA

A José, segundo Saramago

"...na verdade não se sabe, depois de morrer, o que acontece às dores sentidas em vida, principalmente as últimas, é possível que com a morte se acabe realmente tudo, mas também nada nos garante que, ao menos durante umas horas, uma memória de sofrimento não se mantenha num corpo que dizemos morto, não sendo de excluir ser a putrefação o último recurso que resta à matéria  para, definitivamente, se libertar da 
dor." *

  in "O Evangelho segundo Jesus Cristo", de José Saramago.

* Que a tua Verdade mais profunda te tenha ajudado, Irmão. M.A.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sinas

No Centro Comercial Colombo, em Lisboa, está patente uma exposição alusiva à Semana de Macau. Tudo bem!

 Digna de nota, para não dizer intrigante, é, todavia, no contexto, a enorme quantidade de pessoas na fila que culmina no frente-a-frente com um Adivinho... De tal modo que antevejo, face à generalização da(s) CRISE (s), a necessidade de, no mínimo, passar esta semana a quinzena, ou, em alternativa, abrir em Lisboa, ou Bruxelas, um gabinete para "Bruxos"...

 Em última análise, contudo, temos aí também a simpática raça cigana, afinal, com alguma experiência antiga na matéria...

Há que resolver. Esta incerteza, esta falta de horizontes é que não.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Actualidade 3

1. 20 de Junho: funeral de um português Prémio Nobel da Literatura.

 Em Portugal há quem tenha ficado triste.



2. 21 de Junho: a equipa portuguesa de futebol ganhou sete a zero à Coreia do Norte.


Portugal está em festa.





3. Entretanto, na RTP 1, no Telejornal, repete-se que "esta é a Ditosa Pátria minha amada".

domingo, 20 de junho de 2010

Carta aberta às cinzas de José Saramago *

Caríssimo

. Tenho, li e gosto muito, quase todas as tuas obras;


. Uma AMIGA minha é fanática de Che Guevara;


. Um AMIGO meu disse-me que tinha estado horas numa fila para conseguir aproximar-se da imagem do Senhor Santo Cristo;


. Um casal AMIGO confessou-me ter permanecido numa bicha duas horas para, em tempos, em Moscovo, entrar no mausoléu de Lenine;


. Cá EM CASA misturamos cravos vermelhos com outras flores;


. Um casal negro confessa-se leitor assíduo do MEU blogue;


. Tenho no MEU passaporte carimbos de entrada na China, na antiga União Soviética e nos Estados Unidos da América do Norte.


Diz-me, Saramago, "tu que levaste as palavras todas", que eras comunista, que tinhas a 4ª classe, que eras Doutor honoris causa, poeta, jornalista, e ex-mecânico, e ex-burocrata, qual é a"receita" para escrever em liberdade, sem ti na rectaguarda como referência (a memória dos homens é curta...), e sem pensar como os teus camaradas que ficam?

* na hora da cremação.

sábado, 19 de junho de 2010

"O que é que pensas disto tudo?..."

Entre amigos, chega-me a pergunta: "o que é que pensas disto tudo?..."


Não consegui responder, mas fiquei a pensar em duas palavras: independência e afectos. E a dizer aos meus botões, sem saber que concluir, que, hoje, a nível básico, há cada vez menos afectos nas legítimas independências... O mundo está, portanto, desequilibrado. Se necessário, mata-se para "SER"... Sem saber o quê...


Ensaiamos a cegueira.

in memoriam

A José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, 1998


1993, 17 de Junho
Cadernos de Lanzarote - Diário I


"Nisto de computadores, a regra de ouro, acabo de aprender, é não avançar um passo sem ter a certeza de poder voltar atrás. Por imprudência minha, foi-se-me o ícone WRITE, impedindo-me o acesso ao que escrevi. Faz-me impressão saber que existe, não sei onde, algo que me pertence e a que posso não chegar... Nem sequer sei onde está a porta que lá me levaria."(obrigadinho, Saramago! M.A.)


1995, 17 de Fevereiro
Cadernos de Lanzarote - Diário III


"A mim estas coisas assombram-me, quase me deixam sem palavras, e desconfio que as poucas que restam não serão as apropriadas. O rapazito que andou descalço pelos campos da Azinhaga, o adolescente de fato-macaco que desmontou e tornou a montar motores de automóveis, o homem que durante anos calculou pensões de reforma e subsídios de doença, e que mais adiante ajudou a fazer livros, e depois se pôs a escrever alguns - esse homem, esse adolescente e esse rapazito acabam de ser nomeados Doutor honoris causa pela Universidade de Manchester. Lá irão os três em Maio, a receber o grau, juntos e inseparáveis, porque só assim querem viver (...)"

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago "deixou de estar"

"(...) Deus não tem a mão esquerda, porque é à sua direita, à sua mão direita, que se sentam os eleitos, não se fala nunca na mão esquerda de Deus, nem nas Sagradas Escrituras, nem nos Doutores da Igreja, à esquerda de Deus não se senta ninguém, é o vazio, o nada, a ausência, portanto Deus é maneta. Respirou fundo o padre e concluiu. Da mão esquerda." in "Memorial do Convento", de José Saramago.


"Dá-se o caso de eu admirar o Saramago por razões que não terão talvez a ver com popularidade. O que me levaria tempo a explicar (...)" in "Conta Corrente", nova série, de Vergílio Ferreira 


"(...) Ontem o Vasco deu-me uma notícia curiosa. É o caso que alguns deuses lá do Olimpo sueco vêm por aí abaixo para examinar de perto os escribas nobelizáveis. Foram apurados quatro, diz-me o Vasco. Ou seja, o Saramago, a Agustina, o Rosa e eu. Todos deram já sinal de que se sentiam ungidos pelo destino. (...) Mas quem está mesmo já de perna no ar para a ascensão é o Saramago. (...) A comissão de apoio dele, ou lá o que é de suposto, tem já na sua agenda uma visita a Mafra, creio que para os deuses medirem a distância do mosteiro real e em bruto, à criação em beleza do Saramago. Daqui à convicção de que ele embolse os 70 mil não vai um intervalo de profecia (...)" in "Conta-Corrente", nova série, de Vergílio Ferreira


No dia da morte de Saramago, a minha homenagem a ambos os homens de letras que "deixaram de estar". Sem cuidar de saber de que lado se encontram em relação a Deus (deus).







 Esqueça-se, mesmo, nesta hora, o Saramago do "Diário de Notícias"...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

OSGEMEOS no C.C.B.

"Desde 1987 que os irmãos Gustavo e Octávio Pandolfo, conhecidos pelo nome OSGEMEOS, percorrem a mega-cidade de S.Paulo. Com os seus graffiti - arte primitiva e intemporal da nossa contemporaneidade - voltam a dar vida às paredes de betão desta mega-cidade mineral, exuberante e dura, de 22 milhões de habitantes, apelando a um imaginário entre o sonho e o sortilégio, a fantasia e a crítica social.

Numa primeira análise, a sua arte imediata parece influenciada pelo movimento naif ou surrealista. As imagens encontram-se desligadas de toda e qualquer compreensão lógica, um enigma em permutação dos pintores com o observador. OSGEMEOS criam, com a intensidade das suas obras, um mundo-refúgio, fantasmagórico e intemporal - qual O Pássaro Pintado, de Jerzy Kosinski, estupefacto perante a violência do mundo e o seu lado insaciável (...)". Eric Corne, Comissário da Exposição.

S. Paulo, que, em primeira aproximação, conheci depois do Rio, sem me deter a pensar nas favelas, é talvez um passo para perceber o mundo de hoje - gigantesco, mas safado, onde o desrespeito, o "morder a mão de quem dá pão" é moeda corrente.

Valham-nos, na circunstância, por isso, OSGEMEOS e a sua "arte primitiva" e  universo "onírico".

Espero "reler".

Convida (o) à "leitura". Precisamos de "romantismo".

Silêncios

 Velho não perdoa, esquece.


E esquece porque é velho. E no que esquece vai muito do que é saudável não lembrar.

M.A.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Na Austrália com um primo de Fernão Mendes Pinto

A esta hora, por certo, a RTP já tem gravados todos os programas da série "Os Portugueses pelo Mundo", que ontem vi anunciada. Proponho-lhe, por isso, apenas uma "adenda": se não o fez, vá à Austrália e abra os microfones e as imagens a, entre outros, BERNARDINO CADEIRAS, que ainda não há muitos anos  (espero que esteja vivo e de boa saúde), "comprava hortaliças, batatas e coisas do género que depois vendia nos mercados abastecedores de Lisboa" e...


"... como é que foi isso de, em Portugal, ter começado nas couves, depois, na Austrália, ter rejeitado as barragens e, de certo modo, a serventia no açúcar para, de repente, aparecer na construção civil?...

Sabe, um tipo que emigre não pode escolher trabalhos. Onde se ganha mais é que tem que se estar. Caso contrário, anda-se para trás...


Falei com alguns companheiros e pedi a um deles: "arranje-me um trabalho de pintor, que eu vou ver se me consigo ajeitar... Se não conseguir também não perco nada... De qualquer maneira, têm que me pagar um dia ou dois, têm que me pagar enquanto eu lá estiver, portanto, veja se me desenrasca isso..." E assim foi: o homem conseguiu-me o trabalho e eu não hesitei...


Apresentou-se...


Pedi emprestado um fato de macaco, já sujo com pingos de tinta (não levei um fato de macaco novo, não!...), e apresentei-me ao capataz como oficial pintor...


E depois?...


Acto contínuo, o fulano, honesto, passou-me para as mãos um aparelho desarmado, que, de imediato, verifiquei tratar-se de uma pistola de pintar (cada peça para seu lado: borrachas, motor eléctrico, tudo separado...). "Agora é que eu estou arrumado... Não sei por onde lhe hei-de pegar...", pensei. Entretanto, o dito capataz deu-me também um aprendiz e... "espera lá, vamos ver aqui uma coisa..." Dei sinal ao rapazito que ía à retrete e, se bem o imaginei, melhor o fiz: decidi demorar-me no W.C. o tempo suficiente para que o miúdo montasse a engenhoca... "Pode ser que quando eu voltar se perceba qualquer coisa..." Bem dito, bem feito: quando cheguei de novo ao pé do aprendiz já ele tinha montado a pistola e até andava a brincar, a fazer algum trabalho com ela.


"Olá, agora que está tudo preparado, vou então tomar conta do resto..."


Lembrei-me dos tempos de criança, no Algarve, em que a gente pulverizava a batata redonda para lhe matar o escaravelho, e, ao ver a pistola, associei... Mais a mais, tratava-se, não de pintar uma superfície lisa, mas uma rede, num parque de automóveis... Mesmo que deixasse escorrer, não se notava... "Isto é exactamente como eu fazia com as batatas... É pulverizar... Não deixar muitas falhas... " Aguentei-me e comecei. À medida que ia pintado, a coisa ia melhorando...


E o aprendiz?...

O aprendiz era só para ajudar a mudar as ferramentas de um lado para outro e, de vez em quando, dar uma
pintadela..."

in "Entre Vistas nos arredores das Montanhas Azuis", de M.A.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Bifana - bifana

Jogo de futebol entre Portugal e a Costa do Marfim, visto à distância, no "conforto do lar", por um técnico de bancada: foi um bifana-bifana, sem mostarda... Ou, se se quiser, entre Costas ( o do Castelo e o do Marfim)... Sem cervejinhas para ninguém...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ó da guarda!...

A situação é esta:

1. O que manda declara falência da firma, e faz, além do mais, as devidas declarações para o Desemprego...

2. Logo a seguir, com mais ou menos o mesmo objectivo comercial, o que manda (va) abre nova firma e, por ter necessidade de um dos especializados da equipa anterior, deixa-o ir para o Desemprego receber, por exemplo (não consegui apurar...) os 300 (?) euros a que tem formalmente direito;

3. Entretanto, "contrata do seu bolso" esse "desempregado" por ... mais 50 euros - desde que...desde que o dito cujo não se importe de ... de  ir trabalhar para... para o sótão, sem qualquer contacto com o exterior - ou quase;

4. Resumindo:

- o trabalhador, na esperança de se tornar efectivo na "nova" empresa, aceita, em silêncio, os 300 do Desemprego + 50 euros ("do bolso do contratador");

- o que manda, paga, assim, mensalmente, 50 contra o trabalho de 350 (300 do Desemprego + 50 "do seu bolso", com cheque ao portador).

É excepção, dir-se-á. De certeza?...

O que espero é que alguém da Inspecção leia "isto" - e faça por aí uma limpeza... A SÉRIO!









Ó da guarda!...

domingo, 13 de junho de 2010

Ainda Joanesburgo...

Estive duas vezes em Joanesburgo. Quer na primeira estada, quer na segunda, o traço dominante foi a simpatia dos portugueses que me acolheram.

Em ambas as oportunidades, contudo, não consegui, apesar das promessas, que quem quer que fosse me "desse a conhecer" ao vivo o Soweto, nos arredores da cidade.

Para contar ficou, entretanto, tudo somado:

1. A cordialidade da lusa "Academia do Bacalhau" local;

2. A cidade vista do alto da Hillbrow Tower, a dois passos do excelente Carlton Centre, em cujo hotel fiquei - e para o qual, na primeira noite na cidade, me senti a fugir...

3. O assalto, com ameaça de morte, de que fui vítima logo no primeiro dia da primeira estada em Joanesburgo, por ironia, a dois passos do Supremo Tribunal de Justiça (no dia seguinte, um nosso compatriota, ouvido o relato do sucedido, mostrou-me a pistola que trazia sempre consigo para o que desse e viesse...);

4. O medo disfarçado  dos nossos compatriotas e meus anfitriões;

5. O silêncio, o deserto humano das ruas e avenidas depois do pôr do Sol.

sábado, 12 de junho de 2010

in Cartas à Minha Neta *

Atendendo à solenidade do dia, abro uma excepção: das "Cartas", de que prometi divulgar aqui algumas passagens, "ouso" hoje a divulgação quase integral de uma que se refere à ... à C.E.E., imagine-se... Está datada de 2006 e integra um apontamento meu publicado na imprensa em...em 1984. Não é que seja importante, mas...mas o melhor é "não mudar de canal"... E dar-lhe dois minutos de atenção.

"... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 

Quem lê o que os jornais belgas dizem nos seus folhetos de propaganda turística, em particular, os que se referem a Bruxelas, logo verifica que eles se consideram no cruzamento dos caminhos da Europa; no entanto, quem ouve falar os franceses e, em especial, os parisienses, em breve se dá conta de que, contrariando os belgas, são eles que se sentem no centro do continente europeu.

Não discuto geografia, sobretudo quando essa discussão não conduz a nada e o mundo insiste em parlamentar sobre mercados comuns.

A cena de que fui, recentemente, um dos actores, aconteceu, na verdade, em Paris, mas estou convencido de que poderia ter tido lugar em Bruxelas ou em Londres. Em Portugal é que não teria sucedido, com certeza: a Intersindical chamar-lhe-ia logo, por certo, nomes esquisitos...

Tudo se passa num cinema-estúdio, a dois passos do Sena, na capital francesa, na rua St. André-des-Arts, no bairro de St. Michel, sessão das duas da tarde.

A certa altura, poucos minutos antes da hora marcada para o início da primeira "matinée", abre a bilheteira e, ante o lusitano olhar admirado, o que se observa é que a empregada que vende os bilhetes é a mesma que, fazendo esperar os restantes potenciais espectadores, vai arrumando nos seus lugares os que acabaram de ser atendidos ao "guichet", segundos antes. E o resultado é que, na prática, com grande tranquilidade, a senhora da bilheteira, desdobrando-se em duas funções distintas, consegue receber num lado o valor do bilhete e no outro, como gorjeta, logo a seguir, os trocos que, não raro, resultam da venda anterior. E como no cinema, por ser estúdio, não é grande e também não tem lugares marcados, a estratégia resulta.

Depois, depois vem um funcionário pôr o projector a trabalhar e vai-se embora, que a madame da bilheteira fica atenta a alguma anormalidade.

A sala é digna, o filme era bom e a assistência decente. Aconteceu, acontece em Paris que, como é fácil dar por isso, é muito mais coração da Europa do que Lisboa. E já pertence, de facto, à C.E.E."

M.A.

Estamos, repito, em 1984.

* a publicar ("Cartas do meu avô") quando houver um editor que não esteja falido e tenha netos. Bom dia, Facebook!

Costas com costas

No dia em que,

na rua,

se festejam os Santos Populares,

nos gabinetes,

comemora-se a entrada de Portugal para o Mercado Comum Europeu...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

E os do futebol?...

Como, por certo, muitíssimos "navegadores", tenho recebido inúmeros"e-mails" (INÚMEROS) de amigos e conhecidos em que, quase sempre (para não dizer sempre) com fundamento, penso eu, é chamada a atenção para os elevadíssimos proventos auferidos, em particular, por administradores de empresas, gestores e quejandos.

Compreendo, penso compreender muito bem, os protestos, a mobilização opinativa pretendida. Tão bem, tão bem que estranho, na mesma linha, a ausência de qualquer denúncia escrita dos valores pagos mensalmente, e não só, aos...aos jogadores de futebol, por exemplo. Entre nós e lá fora...

Expliquem-me,assim, "como se eu fosse muito burro..."

P.S.: gosto de futebol.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Desfile militar

A história tem muitos anos e obriga a saber que esgrima de baioneta era (é?) um exercício militar a dois, que consistia em simular uma luta corpo a corpo, com cada um dos "inimigos" empunhando uma espingarda "reforçada" com baioneta.

Posto isto...

Aconteceu, algures num quartel do distrito de Castelo Branco, que, um dia, o alferes Sousa foi chamado ao gabinete do comandante, que lhe disse:

- Meu alferes, vamos receber a visita do nosso general que, ao que sei, gosta muito de esgrima de baioneta... Mas nós só temos uma companhia apta para uma possível demonstração desse exercício e, pode ser estranho não lhe apresentar todo o pessoal em prontidão...

Pensou uns instantes o nosso alferes e logo, logo lhe veio a solução:

- Meu comandante, com a sua colaboração, vai ser fácil: faremos a demonstração na parada com a tribuna afastada do local dos exercícios... Entretanto, quando "a coisa" começar, o meu comandante procurará, como puder manter com o nosso general a conversa que entender, enquanto eu me encarrego de fazer actuar, uma de cada vez, as nossas "quatro" companhias em esgrima de baioneta...

- Como?...

- É fácil. Vou, nestes dias, escolher os melhores da nossa unidade e com esses formo "a companhia" - que entra e sai da parada, alternando, como se fosse outra ... das quatro... É só mudar de lugar os praças mais susceptíveis de identificação fisionómica à distância... Bigodes que estavam à direita, entram a seguir à esquerda ou atrás... E, com este cuidado e o nosso general a conversar com o meu comandante, vai dar certo...

E deu!... Com louvor - para o nosso alferes. "Pela apurada preparação dos seus homens em esgrima de baioneta".

Vivó!

llha de Faro, em Sidney (Terras do Talvez)


Numa altura em que o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas é comemorado na cidade algarvia de Faro, lembro um amplo espaço de relva, a que chamam Ilha de Faro, existente em Sidney, na Austrália, da minha saudade, que é lugar de convívio, sobretudo de algarvios - que o baptizaram...

Das muitas possíveis, a homenagem simples neste blogue sem medalhas.

Conversa, algures na Austrália (*) com Walter Pinto, emigrante, natural de Faro:

" - Se não sou indiscreto, quanto é que lhe custou a sua casa, aqui, em Camberra?

- A minha casa está hoje (1998) avaliada num milhão e meio de dólares. Talvez, com terreno e tudo, me tenha custado um milhão e cem...

- Há quantos anos?

- Há dois.

- Com o dólar a...

- Tem oscilado entre os 105 e os 120 escudos.

- Além dessa, tem aqui outras propriedades?

- Tenho. A residência do embaixador é minha. Está avaliada quase no mesmo...

- Quanto lhe pagam?...

- 76 000 dólares/ano."

Walter Pinto foi operário da construção civil. É empresário - com calos nas mãos. Lá. Mas não só...

* in "Entre Vistas, nos Arredores das Montanhas Azuis", de M.A.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Para quando for Dia de (cantar) Camões

Amanhã...amanhã é dia de cantar Camões. Proponho que se cante em dialecto macaense. Antecipo, por isso, do que nos deixou, a caminho do Parque dos Poetas, o meu saudoso amigo José dos Santos Ferreira...

Iou-sa alma qui já vai

Iou-sa alma carinhosa qui já vai
Assi cedo, triste, d'estunga vida,
Vôs discansá na Céu pa tudo sempri,
Iou vivo disolado aqui na Tera.

Si na alto Céu únde vôs já subí,
Pôde lembrá ancuza d'estunga vida,
Ne-bom isquecê acunga amor quente
Quis vôs j'olá, puro, na iou-sa ôlo.

Si pa vôs pôde têm mereciménto
Acunga dôr qui já ficá pa iou
Di margo disgosto di perdê vôs,

Pedí Dios, qui j'encurtá vôsso vida,
Pa azinha levá iou vai olá vôs,
Como azinha já tirá vôs d'iou-sa vista.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Felicidade do espírito

"Períodos de terror e miséria muito profunda podem ocorrer. Mas se é possível haver uma felicidade na miséria, só pode ser uma felicidade do espírito, orientada, no passado, para a salvação da cultura das épocas anteriores, e, no futuro, para a afirmação serena e preservante do espírito, numa era que sem isso correria o risco de ser inteiramente votada à matéria."

O Mestre do Jogo das Contas de Vidro

in "O Jogo das Contas de Vidro", de Hermann Hesse

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Bom dia, Joanesburgo! *

Década de 80 - era assim:


"Ruas largas - muito bem.


Estradas amplas - certo.


Ambiente lavado - óptimo.


Muitos espaços verdes à volta da cidade - excelente.


Alguns arranha-céus - sinal dos tempos


Muitas casas de um piso. O espaço é muito e a cidade só tem algumas dezenas de anos.


Depois das cinco da tarde quase não há ninguém nas ruas - um desconsolo.


Movimento à noite ou no fim-de-semana depois da uma da tarde - idem.Um desespero.


A partir do momento em que deixa de haver movimento nas ruas, apenas um ou outro negro se vê a passear na cidade. Sem comentários.


Aí está Joanesburgo, capital do ouro. Uma cidade insípida, inodora e quase incolor. Dizem-na branca, mas, de facto, parece negra, não pela paisagem física, que é assim meias-tintas, mas pelo recheio humano, que é bem escuro.


Quem do Norte de África, onde as costelas das vacas se contam por fora da pele, dá um grande salto para o Sul do continente e se detém em Joanesburgo, é evidente que não pode deixar de, olhada apenas a paisagem, se congratular com a higiene do meio em total contraste com que, por exemplo, Marrocos oferece. Contudo, para falar verdade, o ambiente assim criado não é propriamente aquele que mais convida a uma vida sadia e tranquila. E isto parecerá paradoxal se se atender às circunsâncias apontadas de ambiente lavado, espaços verdes à volta da cidade, mais prédios baixos do que altos. Talvez seja, porém, isso mesmo: excesso de aparente bem-estar ou um problema semelhante ao das iscas que sabem melhor comidas numa tasca da rua dos Correeiros do que em nossa casa.


Aliás, a população branca, de uma maneira geral, não vive na cidade. Procura os arredores onde, em moradia própria e construída a seu gosto, vive depois das cinco da tarde e no fim-de-semana. E, aí, longe também dos bairros de regros, que igualmente não são locatários da capital do ouro.Digamos, portanto, que Joanesburgo é cidade para trabalhar, nanja para viver. E, mesmo assim, a horas bem determinadas. De resto, é lugar sem chama, onde à noite alguns negros andam a pé enquanto outros procedem à limpeza da cidade.


Para o visitante estrangeiro, Joanesburgo é enfadonha: o escape é o hotel, onde um canal de televisão (a cores, excelentes) debita, em inglês ou em africanense, programas que não têm nada de especial, mas que, na falta de uma sala de diversões própria, dão um jeito...


E há quem dance ou coma e beba até rebentar, que é uma forma de, segundo alguns, a gente de divertir muito, mesmo que já não saiba que fazer...


De qualquer modo, tempo livre em Joanesburgo para passear, não é para ficar na cidade. As estradas convidam à saída (se não forem as melhores, são das melhores do mundo) e a vida começa apenas nos arredores em contacto com a verde, aberta e bem tratada paisagem circunvizinha.


Joanesburgo é, por isso, uma cidade que dorme durante muitas horas. As suas ruas fazem lembrar, por volta da meia-noite, os corredores de um grande hotel a altas horas da madrugada; de vez em quando, lá se abre uma porta e se ouve um ruído. Aliás, se Joanesburgo vive depois do sol-posto é para ser negra. De dia é branca, como lhe chamam. Os brasileiros, porém, chamar-lhe-iam, talvez mais apropriadamente, café com leite. Digamos que, para se ser mais preciso, um "garoto" escuro, muito escuro, em que alguns vêem muito café e outros leite a mais. É assim uma luta entre o café e o leite que, às vezes, se assemelha à da água com o azeite...


Entretanto, com mais ou menos café, Joanesburgo vai conseguindo internamente adoçar a gosto, embora sem respeitar o paladar internacional, cujos arautos estavam até há pouco muito preocupados com os problemas do xá...


Boa noite, Joanesburgo!"

NOTA com eventual actualização: o documentário que vi, no ano passado, na Culturgest, em Lisboa, desmente, para pior, o quadro que tracei na década de 80, mas a cidade lá está, por certo, agora, absorvida com o "ópio do futebol"... Veremos os comportamentos dos das vuvuzelas... E dos outros...

("Não temos nenhum polícia que, na estrada, não tenha já dado um tiro...", disse um dos chefes)


P.S. (antigo?):

"- Quantas pessoas trabalham neste restaurante?...


- 10 !


- 10 ?...


-  Mais trinta negras...


- Ah!..."


* in "Os Portugueses no Mundo", de M.A.

"Para lá do arco-íris"

Produzido, mais mês menos mês, no ano em que nasci, estreado em Hollywood em 1939 e em Lisboa no ano seguinte (com reposição, no cinema Alvalade, em 1981, só agora, não obstante a sua passagem posterior nos canais televisivos, só agora, dizia, na Cinemateca Portuguesa, dei comigo espectador de "The Wizard of Oz", O Feiticeiro do Oz - depois de, aliás, o"falhar" noutra iniciativas do Museu do Cinema...

Perdi? Ganhei? Perdi e ganhei. Se a minha "aposta" é, neste espaço, sobretudo, soltar emoções sobre o que, às vezes, FOI, deixo agora a de avô que, entretanto, aconteceu ... com humidade nos olhos...

Cito outros: "Quando ela (Judy) canta tão maravilhosamente o "Over the Rainbow", sentimos que Garland, aos 16 anos, acreditava tanto quanto Dorothy, na canção que lhe prometia uma terra diferente, feita de paz e liberdade. E de cada vez que Wizard passa na televisão, temos vontade de avisar que quando se passa para lá do arco-íris é preciso ter cuidado". E, com Bénard da Costa, perguntar "se o cuidado a ter é com os ciclones que nos levam ou com os balões que nos trazem."

E mais não sei escrever. A não ser que, avô, passei, ontem, na Cinemateca, 101 minutos a sonhar com sonhos - meus e ... meus...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

NETa

Por mera curiosidade, pego nos "Diários" de Jorge de Sena (que reli em Janeiro/Fevereiro de 2005).


 Entretanto, quando me preparava para passar os olhos por eventuais anotações pessoais a propósito de um autor que, confesso, não era dos da minha "cabeceira", a páginas tantas, próximo do nome do Eng. Frederico Ulrich (ex- ministro das Obras Públicas do antigamente), de que fui vizinho na rua do Jardim, salta-me da página 84 uma observação, quase íntima, quiçá, ingenuidade - a lápis:

"...brinquei com os filhos, sem saber dessa coisa de ministros..." 

E fiquei a olhar-me e a desejar, sem pensar muito, em tempo de ódios mal escondidos, repetir o desabafo a toda a gente...










Sorte minha, agora: felizmente, tenho NETa...