quinta-feira, 15 de março de 2012

Anatomia das ideias ( 0012 )

 A actualidade da Ramalhal Figura,
in As Farpas

















"(...) O imposto é a base do orçamento do Estado, o qual (...) constitui o feixe de todos os encargos da política, da administração, das relações internacionais e finalmente da civilização. Sempre que as despesas do Estado excederam o cálculo provável do lucro dos cidadãos, a sociedade acha-se em desequilíbrio e ameaça dissolução ou revolta.

O rendimento médio de uma família burguesa em Lisboa pode-se calcular que seja 600$000 réis.Computemos em quatro pessoas os membros de cada família. A alimentação diária de cada indivíduo não pode importar em menos de 250 réis por pessoa, ou mil réis diários por família, o que dá uma soma anual de 360$000 réis. Queira V.Exa. acrescentar a isto a renda de casa, calculada segundo uma das leis da economia doméstica na sexta parte do rendimento total, ou 100$000 réis. A soldada de um criado custa, pelo mínimo, 24$000 réis por ano. O custeio do ménage, mobília, louça, roupa branca, utensílios de cozinha, artigos de lavatório, reparos e consertos, não pode orçar-se para quatro pessoas de família em menos de 50$000 réis anuais. O fato, calculado na mais estrita economia em 20$000 réis por pessoa, monta a 80$000 réis por família.

Recapitulemos (nota: estamos em 1875. Há que actualizar, claro ...)

Alimentos ............ 360$000
Renda de casa ..... 100$000
Soldadas ..............    34$000
Custeio da casa ...   50$000
Vestuário .............   80$000

SOMA ................    614$000

Deduzidas do rendimento médio de uma família burguesa em Lisboa as despesas indispensáveis para a subsistência, temos pois um deficit de 14$000.

É deste saldo negativo que o Estado percebe (no original, o descritivo):

"Décima industrial, décima pessoal, impostos aduaneiros sobre os tecidos do vestuário, impostos municipais sobre os géneros alimentícios, deficit precedente - Soma 114$000.

A importância destes 114$000 réis é cerceada nos alimentos. Assim, as famílias de professores, de caixeiros, de industriais, de funcionários públicos, etc, com vencimento de réis 600$000 e daí para baixo, que o Estado força a uma contribuição de 100$000 réis pelo menos, padecem privações e passam fome.

Que significa um semelhante estado de coisas, Exmo. Senhor, senão uma provocação constante e permanente à infidelidade e à corrupção ou, quando não, à resistência e à anarquia?

Quando o Estado se atribui semelhantes faculdades, quando ele não fixa às suas despesas um maximum calculado sobre os lucros dos contribuintes, o Estado explora.

Por mais que para a civilização e para o progresso ele pareça um cooperador diligente e zeloso, para o cidadão explorado o Estado é um inimigo, de que cada um deve defender-se pela resistência ou pela evasiva.

Pela minha parte declaro que, se o fisco mantiver a verba de 40$000 réis em que sou colectado como escritor público, prefiro deixar de escrever a continuar a pagar. E, para me habituar desde já à minha condição de analfabeto a que me destino, pedi à minha cozinheira, a Srª Maria do Ó, que esta por mim fizesse, e assino de cruz.

De V. Exa.
O mais reverente venerador "
                 +    

Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores