by PONTO FINAL
"O investigador português Luís Cunha defende no seu novo livro que a participação chinesa na Grande Guerra foi uma decisão estratégica que marcou o início do processo de projecção internacional do país.
Sob o título "A China na Grande Guerra - A Conquista da Identidade Internacional", que será lançado na quarta-feira, em Lisboa, Luís Cunha analisou a participação chinesa, desmilitarizada, no primeiro conflito mundial entre 1914 e 1918 e classifica a entrada do país na guerra como o "início do processo de projecção internacional que se estende até à actualidade".
"A participação na Grande Guerra, embora não tenha sido consensual, acabou por ter efeitos positivos a longo prazo e a China conseguiu fazer-se representar nas conversações de Paz em Versalhes, o que foi uma enorme vitória diplomática", sublinhou.
Luís Cunha explicou que os trabalhadores chineses eram, fundamentalmente, recrutados pelos governos da Grã-Bretanha e da França, tendo chegado aos palcos do conflito "mais de 140 mil trabalhadores braçais - os ‘coolies' na expressão inglesa".
O contributo oriental, ainda que relativamente desconhecido, foi "significativo para o esforço de guerra aliado", especialmente nas fábricas de material bélico - onde também estiveram portugueses -, na "reparação do caminho-de-ferro, manutenção de carros blindados, construção naval ou reabastecimento da linha da frente".
Este corpo especial ficou conhecido no exército britânico como o ‘Chinese Labour Corps'.
"Pressionados pela rápida erosão dos exércitos Aliados, os recrutadores chegaram a despachar dez mil trabalhadores chineses por mês para a Europa, via Canadá ou Canal do Panamá", disse, referindo que as pessoas eram sujeitas a "condições de acomodação a bordo de tal modo precárias que faziam lembrar os navios negreiros".
A participação oficial chinesa na Grande Guerra dá-se em 1916, mas nessa altura já havia chineses a trabalharem em França.
O esforço de guerra chinês provocou um número elevado de baixas nunca contabilizado e, segundo a investigação, mais de dois mil cidadãos chineses seriam sepultados em solo europeu, até porque, findo o conflito, coube aos orientais a "limpeza dos campos de batalha, onde se registaram muitas fatalidades".
Para o investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa, a presença chinesa "não foi fruto do acaso", mas sim uma "estratégia desenhada em Pequim para projectar a China, à época considerada uma potência menor no seio da comunidade internacional".
Apesar da "vitória diplomática" com a conquista de um lugar na Conferência de Paz de Versalhes, Luís Cunha fala em "dividendos pálidos" para a participação chinesa na Grande Guerra.
Primeiro, explicou, os acordos secretos inter-aliados não permitiriam à China recuperar de imediato o poder em Shandong, apesar de algumas promessas norte-americanas, onde os japoneses substituíram os alemães na gestão da província.
"Sentindo-se atraiçoados pelas promessas vãs dos americanos, a displicência das potências europeias e antevendo o previsível expansionismo nipónico na China, o chefe da delegação chinesa recusar-se-ia a assinar o Tratado de Paz em Versalhes, mesmo antes de receber instruções finais de Pequim e a China foi, de resto, a única nação ali representada a não rubricar o polémico documento", recordou.
Depois, contou Luís Cunha na obra editada pelo Instituto Internacional de Macau, os "estudantes chineses, indignados com a humilhação sofrida à mesa das negociações em Versalhes, saíram às ruas de Pequim em protesto".
Também o "nacionalismo chinês foi ao rubro, dando origem ao movimento de Quatro de Maio, que ficaria para a história como a primeira grande acção popular reivindicando a emancipação da China na nova ordem internacional, um episódio charneira na construção identitária da China moderna".
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