sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

As mulheres na obra de David Mourão-Ferreira *

De repente, envolveram-se em sinais e a palavra foder aflorou-lhes clandestina aos lábios, chegou mesmo a ouvir-se e quase os petreficou numa curva da rua. Depois olharam-se, disfarçaram, tiveram medo, falaram de amizade e despediram-se com um casto beijo na face.


E foi tudo. Sempre assim - para que ninguém viesse a sonhar que quase se tinham abraçado... 

Ainda hoje, às vezes, quase assim é, quando se vêem, as palavras se soltam e os corpos se desejam... Agora com rugas a apelar a, nem que fosse  um dia, um instante, de clandestinidade adulta. E única!... Nos arredores de um qualquer jardim, por exemplo.

"A mulher é, para mim, um ente privilegiado, porque é justamente através da mulher que nós todos temos acesso à existência. Em segundo lugar, a mulher é o ser que mantém uma ligação permanente e mais continuada com o mundo natural e com o mundo sobrenatural. Creio que o chamado sexto sentido das mulheres não é, de forma alguma, uma figura retórica. As mulheres participam muito mais do grande mistério do cosmos, do grande mistério da vida dos homens. Dir-se-ia que, nós homens, esquecemos esse nosso papel de ligação às forças elementares e, como a própria palavra religião significa aquilo que nos religa à natureza e à divindade, eu creio que a mulher é, por excelência, o ser capaz de manter essa nossa ligação ou essa nossa religação ao essencial. E o essencial é tanto de natureza natural e humana, como divina.


(...) A mulher portuguesa, pelo facto de ser portuguesa e, por consequência, pelo facto de estar integrada numa civilização, que é a dos nossos antepassados, está, por assim dizer, carregada ainda de outros valores simbólicos. O facto de a mulher ser, de uma forma tão aguda, o tal ser cósmico e, simultâneamente, um ser social, integrado numa determinada sociedade, confere-lhe, evidentemente, uma grande diversidade de aspectos.


Enquanto membro da sociedade portuguesa, de uma sociedade que ao longo oito séculos tem sido constituída e se tem desenvolvido dentro de parâmetros que são diferentes dos de outras sociedades, é claro que isto mesmo lhe outorga características muito específicas. Sob este aspecto parece-me que a mulher portuguesa hoje em dia se encontra numa situação um pouco paradoxal. Porque, por um lado, ela sente-se ou tem-se sentido, ao longo de séculos, um ser socialmente marginalizado. Mas isso é apenas uma aparência.


Tal como acontece em outros países latinos, em que essa marginalização social da mulher parece um facto, para além de tal aparência, a mulher é um grande elemento da vida social.


(...) São as utopias que fazem andar o Mundo. A mim, é sobretudo o amor o que me move a escrever."



* De uma entrevista de Manuela Mensurado, no nº1 de "O SÉCULO", IV Série.

"TERNURA


Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
de frescura que vem do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...


Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...


Começas a vestir-te, lentamente,
 e é ternura que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente...
que da nossa ternura anda sorrindo...


Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!"


D.M.F. in "Infinito Pessoal ou A Arte de Amar"

2 comentários :

  1. ...que Vítor Gonçalves, sempre amável e atento, escreveu no FACEBOOK: "Sente-se na obra de David Mourão-Ferreira um grande fascínio pela Mulher, traduzido em páginas de grande sensibilidade."

    ResponderEliminar
  2. António Botto ("Eu não sou António nem Botto, sou roto"), escreveu assim, por exemplo:
    Balofas carnes de
    balofas tetas
    caem aos montões
    em duas mamas pretas
    chocalhos velhos a
    bater na pança
    e a puta dança.

    ResponderEliminar

Seguidores