sábado, 7 de julho de 2012

Intervalo ( I ) - com Deolinda Rodrigues, fadista *

* Entrevistas na Casa do Artista, em Lisboa

Dar voz a quem nos proporcionou, anos a fio, bem-estar, encanto, sorrisos, emoções - Cultura. Prazer.

Recordar. Em seis conversas breves, décadas de Arte. Lá, na Casa do Artista, em Lisboa, onde, no ar, andam palavras, muitas palavras, gestos, simples gestos - à mistura com lágrimas ou gargalhadas, mas sempre simpatia. E Amor pelo que se fez e pelo público com que se esteve (e está) em comunhão.

Saudade? Talvez. Aqui, entretanto, nesta ruadojardim, respeito pela memória alheia. Recordação. Reaproximação. Relembrar sorrisos e/ou gotas de orvalho. Na Casa onde isso é quotidiano e a Beleza de um passado-presente enche paredes e povoa espaços. Em tempo de Intervalo.

Ouvir!

Ouvir:

Deolinda Rodrigues - fadista

- Boa tarde! É um prazer! Vamos falar de Bilhete de Identidade?...

- Não tenho!...

- Ah, isso é uma coisa formidável!

- O meu Bilhete de Identidade é perpétuo.

- Pronto, ficamos com essa ideia do perpétuo ... Influências profissionais, prémios, diga ...

- Custa-me muito estar a falar dessas coisas ...

- Uma pincelada rápida ...

- Realmente, lembraram-se e lembram-se ... Ainda há dias me telefonaram do Museu do Fado. Fiquei com muita pena porque ía lá o Presidente da República, mas já não me sinto com capacidade para estar assim muito tempo junto de muita gente ... E ter que cumprimentar este e aquele ... Isso p´ra mim já é muita coisa e então não fui. Mas tenho tido sorte, porque até tenho prémios a que não assisti porque não pude ou porque não me deu vontade ... Ou ...

- Pachorra ...

- A palavra é essa. Tenho assim umas coisas engraçadinhas de que gosto muito e que ficarão para a minha filha. Ela gosta mais do que eu ...

- Tem, "pelo menos", uma boa espectadora, que é a filha ...

- Lá isso é. E crítica.

- Honestamente crítica.

- Porque há alguns críticos que ... enfim ...

- Não, a minha filha repara na roupa, na maneira de estar, "não gostei que fizesses isto e aquilo..." É claro que eu viro-lhe as costas ... Mas, no fundo, fico contente.

- Influências profissionais?... Há alguém que a tenha influenciado para ser o que foi - e o que é?...

- Eu fui sempre empurrada ... Nunca soube o que ía fazer...  Na verdade eu nunca soube ...

- Então quando dizem que é a sua vez ...

- Eu ía ... Um bocadinho desnorteada. Fui sempre empurrada: "tens que fazer isto!" E eu: "está bem!..." Não era desinteressada, nem era convencida, porque nunca fui ... A gente o que tem é sempre receio ... Um Alberto Ribeiro, por exemplo, não era uma pessoa qualquer... E quando ele me deu um abraço?!... "Dá cá um abraço!..."

Outro momento inesquecível que tive foi com a Amália, quando ela estava muito mal de saúde. Pois foi à casa onde eu estava a trabalhar (O Painel), escancarou as portas de um bar, abriu os braços e disse à frente de toda a gente: "estes braços são para si!..." Foi a coisa mais bonita que tive na minha vida. Ia agradecer-me, ia ver-me porque eu sempre tinha querido saber da sua saúde. Eramos amigas, graças a Deus.

- Fale-me de António Silva - a pessoa e o artista...

- António Silva, o Mestre António Silva ...

- O Mestre ...

- O Mestre António Silva ensaiava de uma maneira muito engraçada: não ensaiava. Chamava as pessoas e explicava que ía dizer isto assim-assim consigo.

- Era o que ele fazia ...

- Era o que me fazia a mim. "Deolinda, eu vou fazer isto e isto contigo. E vou também ter esta atitude: ou dançar, ou levantar uma perna, um gesto, vou fazer este gesto contigo (e exemplificava).

- E eu o que é que faço? - perguntava-lhe.

- Fazes assim e assim ... E "ensaiava" comigo. Era assim: não tinha ninguém a ensaiar. Era um grande homem. Era uma honra muito grande trabalhar com ele.

- Imagino ...

- Trabalhei com ele várias vezes, mas o maior trabalho que tive ao lado de António Silva foi o filme "O Passarinho da Ribeira" ... E fiz também "O Noivo das Caldas", onde entrei com ele. Tivemos duas intervenções de entrar e sair.

- O homem era igual ao artista?

- O homem era igual ao artista.

- Era um bom homem?

- Era um bom homem. Tudo o que ele dizia estava na sua cabeça ... Não quer dizer que fosse sempre artista. Há alturas na vida em que a gente ... Mas há outras em que temos que ser artistas ...

- Diga-me um nome da nova vaga ...

- Não sei o que é ...

- Não sabe?...

- Não sei o que é ...

- Não sabe?...

- Só sei que há artistas que gosto de ouvir. Não me quero esquecer das outras, mas gosto de ouvir a Carminho, filha da Teresa Sequeira. Ela canta muito bem o fado, é bonita, tem tudo para ser uma grande artista. E a Marisa, na sua maneira de cantar, de se apresentar. É assim que ela gosta e eu acho bem. A gente tem que se apresentar como gosta. Que eu não acho assim muito bonito, na verdade, não acho. Mas eu como sou muito antiga ... E agora é tudo moderno. Posso ser eu a errada.

- Escolha, na sala, o local onde a posso fotografar ...

























                                          Bem-haja, Deolinda Rodrigues!



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