Glória Ma, da Associação de Apoio aos Deficientes Mentais de Macau, pede mais oportunidades de emprego ao Governo.
Iris Lei
O mais importante na criação de uma cidade sem barreiras para os portadores de deficiência não são as infra-estruturas, mas a sensibilização da sociedade e uma política governamental. Mais do que dinheiro, diz também Glória Ma, directora-geral da Associação de Apoio aos Deficientes Mentais de Macau, é preciso dar emprego e oportunidades de autonomia dos centros de reabilitação e dos encarregados de educação.
Gloria Ma defende que o Governo deve reservar parte das habitações sociais aos portadores de deficiência e adjudicar alguns serviços dos departamentos públicos, como as cafetarias, às associações de reabilitação para aumentar as ofertas de trabalho.
Com o “regime de avaliação do tipo e grau de deficiência, seu registo e emissão de cartão” em fase de revisão, Ma diz que deve haver uma maior subdivisão da classificação das incapacidades e um aumento do subsídio, que está abaixo do índice mínimo de subsistência.
– As actuais categorias e graus do regime de avaliação de deficiência são suficientes para abranger todas as pessoas com necessidades especiais?
Gloria Ma – Devia haver mais subdivisões. Mas temos de ver a razão de ser deste sistema. Recolher um número ou oferecer serviços para os deficientes? Há apenas quatro graus [ligeiro, moderado, grave e profundo] mas muitos mais casos. O Governo melhorou, mas não ao ponto de se colocar no lugar deles [portadores de deficiência] e pensar nas suas necessidades. Parece que deu apenas um primeiro passo – recolher informação. Mas em relação ao segundo passo? Há planos para que possam ter uma vida independente?
– O subsídio para os portadores de deficiência é inferior ao índice mínimo de subsidência, fixado 3670 patacas. Deve haver, pelo menos, uma correspondência entre estes dois valores?
G.M. – Antes de mais, um valor inferior [ao de risco social] não é aceitável. Por que não tratam os portadores de deficiência como pessoas normais, dando-lhes o mesmo montante que dão a toda a gente? Quais são as razões para haver esta separação, marcando uns como deficientes? Têm mais despesas do que as pessoas normais, mas recebem menos. Mas mais importante do que isso é saber de onde vem este número, como foi calculado – não sabemos se há algum aspecto que tenha sido ignorado pelo Governo. O Executivo deve explicar esta discrepância.
– Para facilitar os acessos para os portadores de deficiência é costume pensar-se na construção de rampas ou em informações em braile. O que mais pode ser feito?
G.M. – A sensibilização é muito importante e algumas pessoas no Governo têm consciência disto. Mas para um ambiente sem barreiras é preciso ter também em consideração os cuidadores. Se eles [portadores de deficiência] têm descontos com o cartão de deficiência, por que não têm também quem os acompanha? Nestes casos, as famílias precisam de mais tempo para tomar conta das crianças. [Oferecer descontos aos encarregados de educação é uma medida que] existe noutros locais.
– Há uma alguma medida especifica para apoiar os portadores de deficiência em viagem?
G.M. – Nos casos mais sérios, precisam de usar uma cadeira de rodas, o que já existe para os idosos e mulheres grávidas. Vejo que o Governo fez alguns esforços nesta área, através de legislação. Sim, temos um quadro [legal], mas os construtores não estão conscientes disto. Se virmos as diferenças em termos de ambiente sem barreiras arquitectónicas entre Macau e Hong Kong, vemos que aqui é preciso dar um passo pequeno para entrar num edifício – é um pequeno passo para uma pessoal normal, mas um enorme desafio para eles, sobretudo para os que andam de cadeira de rodas. Para os que têm necessidades visuais, seria melhor se alguns painéis de informação fossem mais claros, nas casas-de-banho, por exemplo; alguns usam um ícone, outros usam outro e esta confusão leva-os a entrar no sítio errado. Eles próprios não querem que isto acontece.
– Quais são as principais dificuldades ao nível dos transportes públicos?
G.M. – Quem anda de cadeira de rodas nunca consegue apanhar um táxi. Nunca vi nenhum a tentar apanhar um autocarro. Os portadores de deficiência são simpáticos, estão dispostos a ir a qualquer lado pelo seu próprio pé já que sabem que não vão conseguir entrar num autocarro. Aqui, nunca vi uma pessoa de cadeira de rodas num autocarro, mas já vi em Hong Kong, que tem viaturas equipadas para transportar pessoas com necessidades especiais. Macau é um sítio tão pequeno, não sei se feliz ou se infelizmente. Não deve haver diferença de oportunidades entre portadores de deficiência e pessoas normais.
– O Governo consulta a opinião dos utilizadores sobre a eliminação de barreiras arquitectónicas nas construções? Notam insuficiências?
G.M. – Sempre que é concluída uma obra pública, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais pede-nos que a testemos para ver se há algum aspecto de insatisfação. Se houvesse mais planeamento antes da construção ou no concurso público, não seria necessário deitar abaixo o que ficou mal e voltar a construir. Está-se a desperdiçar erário público e a trazer inconvenientes à população. O mais importante na criação de um ambiente urbano livre de barreiras é que quem construa tenha em mente as necessidades dos utilizadores, e o Governo podia ser mais cuidadoso na fiscalização dos projectos que aceita. Não têm de se limitar a pedir-nos que testemos os espaços, podem sentar-se numa cadeira de rodas e fazer a experiência. Mesmo que os trabalhos estejam prontos, há ainda outros aspectos a considerar, como a iluminação.
– A comunidade mostra desejo de prestar serviços sociais. Mas pode fazê-lo no actual ambiente?
G.M. – Onde quer que as pessoas portadoras de deficiência queiram ir, precisam sempre de companhia, uma vez que a sociedade não oferece equipamentos suficientes para que sejam independentes. Os portadores de deficiência não querem que os outros os ajudem se puderem ser independentes nos seus movimentos. Portanto, o Governo já fez a avaliação das incapacidades de forma a rever o sistema para que este seja mais adequado às necessidades.
– O Governo gasta em subsídios a centros de apoio e famílias de portadores de deficiência. Há forma de apoiar os portadores de deficiência para que se tornem independentes destes centros e da sua família?
G.M. – No planeamento da habitação pública, o Governo deve reservar casas sociais para os portadores de deficiência, bem como espaço para centros de apoio, tal como é feito em relação à terceira idade. Isto pode adiar a permanência em centros de reabilitação, o que também permite poupar no erário público. Pode também adoptar-se a prática da habitação social para idosos, com pessoal que visita cada apartamento a determinadas horas para verificar se precisam de alguma coisa, para lembrar da toma de medicação e de exercícios que têm de fazer. Assim, poderiam viver autonomamente com ajuda quando fosse necessária. Assim, os portadores de deficiências mais ligeiras poderiam viver em habitações sociais, ficando os centros reservados a casos mais profundos que precisam de apoio permanente.
– Como vê a situação de emprego das pessoas portadoras de deficiência?
G.M. – Temos um centro ocupacional, que assegura formação e oportunidades de trabalho. Podem fazer sandes, embrulhos e vendê-los. Alguns dos utentes, após dois anos de formação, são contratados para tarefas de limpeza noutras companhias que não a empresa social. Querem muito ter um emprego e os pais também querem que trabalhem. Garantir-lhes um emprego é melhor do que oferecer dinheiro. O emprego significa que podem afirmar-se e, para os pais, significa que estão a fazer algo e ao mesmo tempo a aliviar o fardo das despesas. Actualmente, há menos oportunidades para estas pessoas que não sabem como aceder à informação ou que não a entendem. São menos qualificadas.
– O que pode ser feito para satisfazer necessidades que não são meramente físicas?
G.M. – Aqui, o serviço é sobretudo de terapia, o que não é mau. Mas negligencia-se que as pessoas com deficiência têm todo o tipo de necessidades comuns, como qualquer pessoa, como a necessidade de acesso a cultura e entretenimento. Temos centros para jovens, mulheres e idosos, mas não temos centros para pessoas portadoras de deficiência. É muito difícil terem acesso a alguns espaços públicos, como piscinas. Têm direito a ter acesso a este tipo de actividades sociais.
– Actualmente, que actividades é que há?
G.M. – São sobretudo garantidas por centros de reabilitação. Mas no caso das deficiências ligeiras de pessoas que, em especial, têm emprego, é difícil frequentarem os centros recreativos da cidade. Estes centros têm menos consideração pelas suas capacidades, como por exemplo terem menos força nos membros embora não tenham deficiências motoras. Por outro lado, também não conseguem participar, por exemplo, nas excursões de outras associações, uma vez que têm algumas limitações.
– Sendo proprietária de vários centros de apoio, como é que a associação lida com aumento das rendas?
G.M. – O Governo subsidia o arrendamento dos nossos centros [de reabilitação] e a padaria está num espaço da Administração. As rendas são realmente altas e uma verdadeira questão, não só para nós mas para todas as empresas sociais. Mal conseguimos suportar a renda para lhes dar oportunidades [de emprego], ainda que queremos fazê-lo desesperadamente. Estamos à procura de oportunidades. Julgo que o Governo pode reservar alguns espaços, como jardins ou cantinas nos serviços públicos, para ajudar as empresas sociais, dando-lhes oportunidades para trabalhar. Não estamos a beneficiar com isto; o dinheiro angariado é para investir no serviço social.
– A falta de terapeutas é hoje uma queixa corrente na cidade. Como é que a vossa associação lida com este problema?
G.M. – A perda de pessoal está realmente a afectar o nosso serviço. Dou o exemplo da terapia da fala, sobretudo para crianças com menos de três anos, que precisam de mais acompanhamento quando são novas – se falhamos [a melhor fase de aprendizagem] pode não voltar a haver outra. Resta-nos apenas recorrer aos serviços de uma entidade privada. É dispendioso mas vale a pena. O Governo incentiva os estudantes a formarem-se na nesta área – é uma boa ideia, mas podia vir com algumas condições. Podemos, talvez, pedir a estes estudantes que trabalhem em empresas sociais depois de terminarem uma licenciatura financiada com dinheiro público. Seria melhor para nós e para o futuro das crianças.
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quarta-feira, 16 de abril de 2014
Notícias de Macau - Actualidade
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