Cerca de duas mil pessoas juntaram-se ontem a noite para homenagear as vítimas de Tiananmen. Foi a primeira vez, desde 1995, que o puderam fazer no Largo do Senado.
Inês Santinhos Gonçalves
Em boa hora foi cedido o Largo do Senado à vigília pelas vítimas de Tiananmen – as cerca de duas mil pessoas que ontem encheram a praça principal da cidade não caberiam no espaço que, desde 1995, lhes era reservado todos os anos, junto à Igreja de São Domingos. Os 25 anos do massacre de 1989 foram assinalados com uma cerimónia mais sofisticada que nos anos anteriores. Exibiu-se o histórico documentário “Tank Man”, entoaram-se canções alusivas à data e associadas com os movimentos pro-democracia. Entre elas “Do you hear the people sing?”, ligado à Revolução Francesa: “Do you hear the people sing?/ Singing the song of angry men?/ It is the music of the people/ Who will not be slaves again!”
Os veteranos Ng Kuok Cheong e Au Kam San partilharam o microfone com o público, ouvindo-se memórias de jornalistas de Hong Kong, bem como gentes de Macau de todas as idades.
Pelas 22h30, a electricidade sofre um corte, mas a multidão mantém-se. A energia acaba por ser reposta minutos mais tarde.
Junto às arcadas laterais está um administrativo de 35 anos, com o filho de três anos ao colo. Esta foi a primeira vez que se juntou à vigília do 4 de Junho. “Acho que a vigília pôde ser no largo por causa [do que se passou] com a lei das garantias. É por esse motivo que aqui estou, é a primeira vez que venho”, conta. Quis, acima de tudo, dar a conhecer os acontecimentos ao filho: “A minha geração sabe a verdade, mas a do meu filho não”.
Preocupado a falta de debate sobre o tema nas escolas, considera a efeméride como uma oportunidade para falar ao filho. “O debate nunca é suficiente. A minha escola nunca ensinou sobre isto, e nem falo na escola do meu filho. Esta é uma oportunidade para que o meu filho saiba mais sobre o que se passou”, comenta.
Ontem foi também a primeira vez que a aluna de Comunicação da Universidade de Macau, oriunda da China Continental, participou numa vigília por Tiananmen. “Estou curiosa para ver como as pessoas de Macau e Hong Kong homenageiam as pessoas que lutaram”, aponta. A estudante elogia a iniciativa: “É uma forma das pessoas se expressarem e dizerem ao Governo o que querem”. Apesar de saber, antes de chegar a Macau, da existência do massacre, foi só ao chegar ao território que se apercebeu da sua dimensão. “Na China muitas pessoas não sabem exactamente o que se passou em 1989. Este tópico é proibido, as pessoas não falam muito disso”, explica.
“Chocante, inacreditável e sangrento”
Entre a multidão estava Bill Chou, um dos membros do grupo Consciência de Macau. “É um momento importante, temos muito mais pessoas em comparação com anos anteriores”, elogiava.
Para o professor universitário, as manifestações de Maio serviram para sensibilizar a população para as causas públicas e explicam, pelo menos em parte, o aumento de participantes na vigília. “As pessoas de Macau inibem-se cada vez menos de participar neste tipo de eventos. No passado, não queriam ser identificadas com agitadores. Mas hoje há cada vez mais pessoas a encarar este tipo de participação como algo normal”, comenta.
Chou recorda o 4 de Junho de 1989 como um dia “chocante”. “Tinha acabado de entrar na universidade, em Hong Kong. Foi chocante o que aconteceu. Chocante, inacreditável e sangrento”, lembra. O académico recorda o medo da população pela aproximação das transferências. “As pessoas de Macau e Hong Kong estavam nervosas, preocupavam-se que os direitos humanos não fossem respeitados. Nessa altura, o número de pessoas a pedir passaportes estrangeiros aumentou”, conta.
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