Escrito pelo signatário e publicado em 1996 ...
"Homens dos seus quarenta anos, com a escolaridade obrigatória, estavam ali na qualidade de formandos de calcetaria para, em certame apropriado, demonstrarem como se faz calçada portuguesa. E era tal a sua entrega ao trabalho que, basbaque, me fui deixando ficar a ver o resultado daquele crescente aconchego de pedras, dir-se-ia que felicíssimas pela sua participação harmoniosa no conjunto, em devido tempo, planificado em estirador próprio. E se, a seu ver, era patente o contentamento de tais pedaços de rocha em tão orquestrada sinfonia basáltica, não era menos legível o brilho nos olhos dos calceteiros-bateristas que as animavam, empenhados no equilíbrio musical dos naipes em presença. Entretanto, enquanto, pedra aqui, pedra acolá, se desenhava o grandioso final a preto e branco, houve quem dissesse que um daqueles das nossas calçadas poderia fazer, num dia, um total de 15 a 20 metros quadrados de obra, a 800$00 o metro ... Pouco importa. A verdade é que, concluindo, se o receber significa contas com Jorge, aqueles meneios de cabeça, aqueles gestos sincopados dos calceteiros, fazem parte da poesia das coisas,"
... em 1996, escrevo bem:1996. Depois, anos depois, veio um edil, cuja "tia" deve ter tropeçado em obra prejudicada pelo temporal, que deu a entender que Lisboa, que até Copacabana tinha adoptado, estava condenada a perder um dos seus ex-libris ...
A verdade é que, seguindo uma certa linha de pensamento, realmente, o Convento de Mafra, por exemplo, também está mal ... É para a humilde, mas bem nossa, paisagem envolvente um "excesso" monumental ... Mas há mais casos na nacional paisagem: razões para fazer tropeçar são múltiplas: "uma vista à frente, tira a vista à gente ... Eu sentado e ele em pé ...", diz a cantiga.
No fundo, está tudo mal ... Há que refazer as ruas de Lisboa, há que refazer tudo - porque não somos, como país, uma qualquer Brasília, construída ontem ... E mesmo essa ...
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