quarta-feira, 20 de julho de 2011

"O POETA" - livro a haver ( XII )


"(...) Se se perguntar a um construtor civil, todo ele betão armado e Mercedes de quatro portas, o que é a baixa lisboeta, talvez o fulano seja tentado, na intimidade, a confessar que "é um desperdício, uma falta de senso no aproveitamento do espaço - em altura".

(...) Restam os poetas e quejandos, teimosos como formigas, para quem o Cais do Sodré dos Tolentinos começa à beira-Tejo, sobe a colina do Alecrim, pára nas Duas Igrejas, desce do Chiado ao Rossio e anda por ali, uma vezes rua Augusta abaixo, outras a veranear-se pela Áurea ou pelas demais, olhando o rio em frente e esqucendo afrontas de um qualquer almoço bem regado, em nome do progresso.

A Brasileira resiste. E o Nicola também. Temos o Bragança. Há, ainda assim, uns portos de abrigo a emoldurar o que é Pombal. A destruição das colinas tem sido difícil e o Tejo dizem que faz falta à navegação ...

Isidro chegara rapidamente ao patamar do largo do Chiado. Cumprimentou Camões com grandes salamaleques, mas logo do lado direito da rua do Alecrim lhe pareceu ouvir prazenteira a voz de António Ribeiro.

- Boa tarde, Isidro Lobo!

- Boa ... boa tarde, Chiado! Que fazes aí nesse pedestal?

- Sabes lá: fugi à vida do convento e decidi sentar-me aqui, no cimo destas pedras, a ver passar Lisboa e a convidar os amigos a tomarem um café na Brasileira. Entra que vais gostar ... E repara como são os teus futuros companheiros de tertúlia.

Isidro não queria acreditar no que ouvia. "Como é possível o Chiado, assim, a falar-me?!..." Aproximou-se. Olhou à volta para ver se alguém dava com ele naqueles propósitos, caíu em si, mas, em voz baixa, sempre se atreveu:

- Ó Chiado, como é que tu me conheces, a mim, pobre de Cristo, desajeitado, que nada tenho?

- Se te conheço?! Pois então, meu patife, não és uma das figuras típicas da rambóia alfacinha?...

- Talvez ... Mas ... mas ... Ouve lá, meu frade de uma cana, tu és ou não de bronze?..."

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