sexta-feira, 16 de maio de 2014
Do lido, o sublinhado (58) - Os calvos *
Mães, que tendes vossas filhas,
Assim Deus vos dê ventura!
Não lhe deis maridos calvos,
Se lhe quereis dar fortuna.
Ai pobre de mim, coitada,
Que me casei às escuras
Com um capão de cabeça,
Desbarbado até à nuca!
Mães, casai as vossas filhas,
Mas não lhes deis amarguras;
Para com calvos casal-as
Melhor é vel-as defuntas.
Ponde em mim os vossos olhos,
Se entendeis minha tristeza.
Sem ser turca me casaram
Com homem de meia lúa!
Ha calvas de mappa-mundi,
Que só com linhas se cruzam,
Com zonas e paralellos,
Com cidades e com ruas.
Deus nos livre de taes calvas
Dessas defuntas planuras,
Que nos fazem perecer
Mancebas de padre-cura!
Ai, fugi, fugi, meninas,
Desses depennados judas,
Que nos dão cruz e calvario
Em vez de nos dar venturas
Se o mundo já vem calvo
E a bola nos traz madura,
Ai, como, minhas meninas,
Como fazer-lhe a ternura?...
* in Romanceiro e Cancioneiro do Algarve
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