Reanimar palavras ditas
Mia Couto in A Varanda do Frangipani
"Lhe conto uma história. Me contaram, é coisa antiga, dos tempos do Vasco da Gama. Dizem que havia, nesse tempo, um velho preto que andava pelas praias a apanhar destroços de navios. Recolhia restos de naufrágios e os enterrava. Acontece que uma dessas tábuas que ele espetou no chão ganhou raízes e revivou em árvore.
Pois, senhor inspector, eu sou essa árvore. Venho de uma tábua de outro mundo mas o meu chão é este, minha raízes renasceram aqui. São estes pretos que todos os dias me semeiam. Converso-lhe, lengalengo-lhe? Vou chegando perto, como um besouro que dá duas voltas antes de entrar no buraco. Desculpe este meu português, já nem sei a língua que falo, tenho a gramática toda suja, da cor da terra."
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