quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Portugal entre gente remota - AUSTRÁLIA ( 8 ) *

















Júlio Liberato, mestre vidreiro

"Em Portugal, quando criança, fui como os demais, para a escola. Contudo, aos 11 anos dei-me conta de que os meus amigos eram, de uma maneira geral, mais velhos do que eu e já tinham começado a trabalhar (na altura, começávamos a trabalhar aos 12 ...). Pedi então aos meus pais para me deixarem abandonar os estudos ... Responderam-me que tinha que tinha que continuar na escola, uma vez que, antes dos 12 anos, não podia trabalhar. Fiquei um pouco arreliado com a resposta e disse-lhes: "não quero ir mais à escola, porque perdi amigos ..." Foi o princípio de uma fase decisiva: os meus pais pediram ao encarregado de uma fábrica de vidros para me arranjar lá um emprego como se tivesse 12 anos ... Tratava-se, contudo, da Fábrica - Escola Irmãos Stephens, a que, na altura, chamavam Fábrica Nacional de Vidros - que tinha escola primária e secundária. Era a única fábrica de vidro conhecida, com escolas. Os meus pais disseram-me: "nós conseguimos o que querias, mas tens que frequentar a escola depois do trabalho ...." "Estamos de acordo", aceitei, satisfeito. E fiz a quarta classe e trabalhei até emigrar para a Alemanha, com um contrato.

Porquê?

Bem, nessa época a Marinha Grande tinha fama de revolucionária. A PIDE, de vez em quando, aparecia e um amigo meu não ía trabalhar ... "Onde é que está fulano?..." "Foi preso!..." A verdade é que eu jamais descortinara o mínimo envolvimento de quem quer que fosse em questões políticas. Mas as prisões eram frequentes. Não era por pouco tempo, pelo contrário ... Embora, pessoalmente, nunca tenha tido "determinados problemas", certo é que vivia amedrontado com o que observava ao meu redor. Tinha mesmo muito medo ... 

Sentia-se a sombra da PIDE?...

Eu conhecia muita gente que fora presa sem que se lhe notasse qualquer participação em questões políticas ... Tive um tio que também esteve 16 anos atrás das grades sem nunca se envolver em nada ... Quando saiu, saiu cego. Passados três meses, morreu."

* in Entre Vistas nos Arredores das Montanhas Azuis, de M.A.

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