Que contributo deu Jorge Sampaio na transição de Macau entre Portugal e a República Popular da China? Os direitos humanos, responde Magalhães e Silva.
João Paulo Meneses
A Organização das Nações Unidas justifica a atribuição do Prémio Nelson Mandela, que hoje é entregue a Jorge Sampaio, com o papel que o antigo presidente português protagonizou na transição de Macau para a República Popular da China.
Que papel foi esse, visto a 16 anos de distância?
Magalhães e Silva, que foi conselheiro de Jorge Sampaio para as questões de Macau, não tem dúvidas. Em declarações ao PONTO FINAL, o antigo secretário-adjunto para a Justiça destaca “a questão dos direitos humanos, cujo estatuto, no pós-1999, era ponto de honra para Portugal e, toda a gente o sabia, também para Sampaio”.
Ainda assim, foi uma luta muito difícil. Se “chegado à transição, Macau dispunha de toda uma regulamentação dos direitos humanos, que honrava a tradição portuguesa e ficava como um legado, pelo menos, para cinquenta anos”, a afirmação de uma tal legislação implicava contrariar nomeadamente o próprio governo de Macau, reconhece Magalhães e Silva.
O antigo consultor do ex-chefe de Estado lembra que “quando Sampaio, em Março de 1996, toma posse como Presidente da República, estávamos a três anos e dez meses da transferência para a RPC do exercício da soberania sobre Macau”.
“Nos cinco anos anteriores, desde a exoneração de Carlos Melancia, a República beneficiava do silêncio mediático resultante do acordo Cavaco/Soares sobre a nomeação de um sucessor, que, cumprindo o trato, manteve o território fora da ribalta jornalística”, descreve Magalhães e Silva, num depoimento solicitado pelo PONTO FINAL.
“Acontece que o silêncio sobre Macau também teve como preço a inexistência de qualquer esforço de abordagem junto da República Popular da China, designadamente no âmbito do Grupo de Ligação Conjunto, de qualquer tema tido como fracturante.”
O mais fracturante, considera Magalhães e Silva, era a questão dos direitos humanos, cujo estatuto, para depois de 99 era tido como um ponto de honra para o então presidente português.
De Março de 1996 “até Junho de 1997, foi impossível fazer progredir a negociação nesta área”, apesar do “empenho e profissionalismo, nunca é demais realçar, de Santana Carlos, que chefiava a delegação portuguesa”, conta o advogado. Magalhães e Silva revela ainda que foi possível, durante esse espaço de tempo, perceber que, para a China “direitos humanos ou era moeda de troca ou continuaria o impasse no Grupo de Ligação Conjunto”.
E o que é que a China poderia querer na mesa das negociações? Compreendendo que a Fundação Oriente era a moeda de troca que a parte chinesa, ofendida com o processo de criação da Fundação, entre Setembro de 1986 e Janeiro de 1987, poderia aceitar, Jorge Sampaio joga a sua cartada.
Magalhães e Silva não hesita em descrever a importância do momento, dizendo que “foi aí que Sampaio entrou directamente”. O então Presidente “impôs que Monjardino deixasse de receber a contribuição anual provinda do contrato de jogo e que uma nova fundação – que passaria para além de 99 [a Fundação para a Cooperação e o Desenvolvimento de Macau, criada em 1998, e que daria origem em 2001 à actual Fundação Macau] – lhe sucedesse nos réditos, mas, podendo apenas gastar os… rendimentos, sem tocar no capital”.
E, sobre este aspecto, Magalhães e Silva faz uma revelação: “As autoridades locais torceram o nariz, pois contavam com a nova Fundação para, em substituição da Fundação Oriente, orquestrarem a sua concepção da defesa e promoção dos interesses portugueses”.
“Mas Sampaio resistiu e impôs a sua visão”, conclui o consultor a quem o então presidente confiou os assuntos da transição. No momento da transferência de administração, a questão do respeito pelos direitos humanos estava regulamentada, com a obrigação de serem respeitados, pelo menos, durante 50 anos.
“Poder-se-ia ter ido mais longe? Seguramente, se aqueles tantos que, à boca da transição, se enrolavam na bandeira das quinas, tivessem, nas décadas anteriores, olhado mais para as gentes de Macau e menos para o que delas se serviram”, conclui Magalhães e Silva.
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