domingo, 26 de julho de 2015

MACAU: Nota negativa ou positiva ao papel de Jorge Sampaio em Macau?


Sampaio não resistiu ...

by Ponto Final
Nuno Lima Bastos e Sérgio de Almeida Correia dão nota negativa ao desempenho de Jorge Sampaio relativamente a Macau. Os dois advogados criticam, sobretudo, a margem de manobra dada a Rocha Vieira. Os causídicos consideram que Macau não justifica o prémio Nelson Mandela que Sampaio hoje recebe.
João Paulo Meneses
"Jorge Sampaio, que foi para Sérgio Almeida Correia quem “melhor desempenhou o cargo” de Presidente da República Portuguesa no pós-25 de Abril, teve em Macau “um acidente de percurso”.
O advogado fala mesmo em “desempenho infeliz” no que diz respeito ao processo de transição de Macau, mas admite, ainda assim, que a forma como foi gerida a recta final da presença portuguesa em Macau ”não ofuscará o brilho e o mérito da sua acção cívica e pedagógica”.
Correia, que regressou a Macau ao fim de alguns anos de ausência, explica que Sampaio falhou “naquilo que ficou aquém e que podia e devia ter corrido muito melhor e só não correu por falta de adequada informação”.
Em jeito de balanço ao que foram os últimos três anos de administração portuguesa, o advogado diz ao PONTO FINAL que “a transição de Macau correu mal e assim-assim naquilo que dependia só de nós. Correu bem no que dependia de Portugal e da China”.
É neste aspecto que Sérgio Correia de Almeida responsabiliza o então Presidente português, que “disso não se apercebeu ao longo do processo porque lhe faltaram interlocutores à altura, gente que tivesse a noção do tempo e tivesse olhado para a língua, a justiça, o direito, com olhos menos economicistas. E que tivesse sabido tirar partido colectivo, e não pessoal, das circunstâncias”.
“Tudo se permitia ao general”
Visão muito semelhante tem Nuno Lima Bastos. O também causídico lembra que “era apoiante de Cavaco Silva” e que chegou a fazer campanha pelo actual presidente da República: “A vitória do candidato socialista foi uma desilusão para mim. Em todo o caso, à medida que a minha opinião sobre o então governador Rocha Vieira se foi deteriorando, comecei a ver com melhores olhos o facto de presidente e governador serem de quadrantes políticos diferentes. Infelizmente, também neste ponto me desiludi”, confessa.
Nuno Lima Bastos explica ao PONTO FINAL que a percepção que foi ganhando da postura de Jorge Sampaio em relação ao território “era de que, em nome da ‘estabilidade’, tudo se permitia ao general”. Cita o facto do governador conviver “muito mal com a crítica, tanto que, em quase nove anos de mandato, nunca concedeu uma única entrevista aos meios de comunicação locais. (…) Eram também do conhecimento público diversas retaliações do governador contra jornais locais ou trabalhadores da administração pública que o ‘incomodavam’, por exemplo”.
O antigo jurista da Assembleia Legislativa e da Direcção dos Serviços de Correios entende sobretudo que Jorge Sampaio foi uma figura ausente na recta final do período de transição: “Tudo me pareceu passar sempre ao lado de Jorge Sampaio”. Se Nuno Lima Bastos consegue “compreender” que Sampaio tenha resistido a substituir Rocha Vieira pelo seu assessor Manuel Magalhães e Silva, diz ter mais dificuldades em perceber “a falta de fiscalização concreta sobre uma governação que, manifestamente - e faça-se o contraponto com Chris Patten em Hong Kong -, não estava a deixar aos futuros senhores do território grandes exemplos de exercício político democrático”.
Lima Bastos fala em “tolerância” relativamente ao trabalho do governador, dando mais dois exemplos: o “gravíssimo episódio da Fundação Jorge Álvares ou da repressão dos praticantes da Falun Gong em frente ao Hotel Lisboa na manhã do próprio dia do “handover”, perante jornalistas de todo o mundo e depois de Sampaio ter dado instruções expressas para que todas as manifestações pacíficas fossem permitidas nesses derradeiros dias de domínio português”. Nesse sentido, Nuno Lima Bastos não entende porque razão Jorge Sampaio acabou por “condecorar Rocha Vieira com o Grande Colar do Infante, uma distinção reservada a chefes de Estado”.
Nuno Lima Bastos conclui o depoimento que prestou ao PONTO FINAL com uma pergunta e uma resposta: “Sampaio deu um importante contributo para a transição de Macau? A esta distância dos acontecimentos, parece-me que pouco mais fez do que deixar as coisas andarem... É pouco, convenhamos.”

Sampaio resistiu ...

Que contributo deu Jorge Sampaio na transição de Macau entre Portugal e a República Popular da China? Os direitos humanos, responde Magalhães e Silva.
João Paulo Meneses
A Organização das Nações Unidas justifica a atribuição do Prémio Nelson Mandela, que hoje é entregue a Jorge Sampaio, com o papel que o antigo presidente português protagonizou na transição de Macau para a República Popular da China.
Que papel foi esse, visto a 16 anos de distância?
Magalhães e Silva, que foi conselheiro de Jorge Sampaio para as questões de Macau, não tem dúvidas. Em declarações ao PONTO FINAL, o antigo secretário-adjunto para a Justiça destaca “a questão dos direitos humanos, cujo estatuto, no pós-1999, era ponto de honra para Portugal e, toda a gente o sabia, também para Sampaio”.
Ainda assim, foi uma luta muito difícil. Se “chegado à transição, Macau dispunha de toda uma regulamentação dos direitos humanos, que honrava a tradição portuguesa e ficava como um legado, pelo menos, para cinquenta anos”, a afirmação de uma tal legislação implicava contrariar nomeadamente o próprio governo de Macau, reconhece Magalhães e Silva.
O antigo consultor do ex-chefe de Estado lembra que “quando Sampaio, em Março de 1996, toma posse como Presidente da República, estávamos a três anos e dez meses da transferência para a RPC do exercício da soberania sobre Macau”.
“Nos cinco anos anteriores, desde a exoneração de Carlos Melancia, a República beneficiava do silêncio mediático resultante do acordo Cavaco/Soares sobre a nomeação de um sucessor, que, cumprindo o trato, manteve o território fora da ribalta jornalística”, descreve Magalhães e Silva, num depoimento solicitado pelo PONTO FINAL.
“Acontece que o silêncio sobre Macau também teve como preço a inexistência de qualquer esforço de abordagem junto da República Popular da China, designadamente no âmbito do Grupo de Ligação Conjunto, de qualquer tema tido como fracturante.”
O mais fracturante, considera Magalhães e Silva, era a questão dos direitos humanos, cujo estatuto, para depois de 99 era tido como um ponto de honra para o então presidente português.
De Março de 1996 “até Junho de 1997, foi impossível fazer progredir a negociação nesta área”, apesar do “empenho e profissionalismo, nunca é demais realçar, de Santana Carlos, que chefiava a delegação portuguesa”, conta o advogado. Magalhães e Silva revela ainda que foi possível, durante esse espaço de tempo, perceber que, para a China “direitos humanos ou era moeda de troca ou continuaria o impasse no Grupo de Ligação Conjunto”.
E o que é que a China poderia querer na mesa das negociações? Compreendendo que a Fundação Oriente era a moeda de troca que a parte chinesa, ofendida com o processo de criação da Fundação, entre Setembro de 1986 e Janeiro de 1987, poderia aceitar, Jorge Sampaio joga a sua cartada.
Magalhães e Silva não hesita em descrever a importância do momento, dizendo que “foi aí que Sampaio entrou directamente”. O então Presidente “impôs que Monjardino deixasse de receber a contribuição anual provinda do contrato de jogo e que uma nova fundação – que passaria para além de 99 [a Fundação para a Cooperação e o Desenvolvimento de Macau, criada em 1998, e que daria origem em 2001 à actual Fundação Macau] – lhe sucedesse nos réditos, mas, podendo apenas gastar os… rendimentos, sem tocar no capital”.
E, sobre este aspecto, Magalhães e Silva faz uma revelação: “As autoridades locais torceram o nariz, pois contavam com a nova Fundação para, em substituição da Fundação Oriente, orquestrarem a sua concepção da defesa e promoção dos interesses portugueses”.
“Mas Sampaio resistiu e impôs a sua visão”, conclui o consultor a quem o então presidente confiou os assuntos da transição. No momento da transferência de administração, a questão do respeito pelos direitos humanos estava regulamentada, com a obrigação de serem respeitados, pelo menos, durante 50 anos.
“Poder-se-ia ter ido mais longe? Seguramente, se aqueles tantos que, à boca da transição, se enrolavam na bandeira das quinas, tivessem, nas décadas anteriores, olhado mais para as gentes de Macau e menos para o que delas se serviram”, conclui Magalhães e Silva.

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