sexta-feira, 24 de julho de 2015

Do lido, o sublinhado (80) - O MEU IRMÃO, de Reis Cabral (3)


"Não sei descrever a velhice porque a velhice não existe em abstracto.

O que existe?

A minha avó materna que morreu com cento e quatro anos e avó paterna que morreu com oitenta e oito. Não tiveram velhices iguais. Os velhos sós e os velhos acompanhados. As minhas avós foram velhas quase sós. Os meus pais foram velhos acompanhados, e suponho que a velhice acompanhada é mais jovem. Porém, existem várias velhices acompanhadas, as velhices dos lares e a velhice do lar. Os meus pais eram velhos de lar, do seu lar. Os outros, os que contam apenas com enfermeira, morrem mais depressa e são mais convenientes para quem trata deles. Os que ficam por casa tornam-se mais inconvenientes, mesmo quando, como foi o caso dos meus pais, têm quem trate deles. Mas os velhos sós também não se assemelham. Há aqueles que permanecem no sofá dez anos depois de mortos e os que encontram alguém que os acompanhe até ao alívio que identificam com a morte, talvez uma freira que cataram na igreja ou um sobrinho-bisneto que solicitaram através dos parentes. E, como escreveu o Cícero, acho que foi o Cícero, em velho não se é diferente do resto da vida. Não ocorre uma transformação, é-se apenas um pouco melhor, ou um pouco pior, consoante a vida que se levou."

Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores