O Manel adoece e, em consequência, é internado numa unidade hospitalar próxima da aldeia, ou vila, em que vive normalmente. A coisa sabe-se, comenta-se nos cafés e nas tascas locais.
Num primeiro momento, o "acontecimento" é tema. As notícias abundam, pelo menos até que outro alguém adoeça ... E assim por diante. Por vezes, com a gravidade que determina internamento hospitalar - e se ainda estava na agenda dos Zés da Boiça locais, é relegado para as profundezas do esquecimento: "os hospitais são distantes" e a vizinhança ... Chegam a passar-se meses com o doente em causa hospitalizado - sem visitas ...
Até que, de repente, o paciente em causa dá a alma ao Criador e sai, finalmente, da clínica onde nunca recebeu os "amigos". É então que acontece o espectáculo, o espectáculo do funeral, antecedido de concorridas horas de velório. É então que, no trajecto para o hospital da eternidade, dá para observar, muito composta, muito triste, toda a gente a falar da/do falecido de que não se lembraram de visitar em tempo útil - mas agora, em compungido cortejo, fingir pesar (chamam-lhe última homenagem) e, calhando, aproveitar a oportunidade para lembrar assuntos (negócios, quiçá) pessoais adiados meses e meses seguidos - por falta de tempo ...
"Era uma excelente pessoa: ainda no outro dia tinha dito à Maria que já estava a parecer mal não visitar o ... agora morto - coitado" ...
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