domingo, 30 de outubro de 2011

Canteiro de palavras (XXXI) - O nariz de Cleópatra *

"Tudo o que aconteceu, teve de acontecer, é assim bem absurdo pensar-se que podia não ter acontecido - excepto para antes de ter acontecido, que era quando existia, na nossa ignorância, a hipótese de poder ter acontecido uma coisa diferente. A verdade é que, se podia não acontecer, teremos de nos perguntar porque é que não pôde. O que aconteceu foi o remate de milhentas circunstâncias, entre elas possivelmente a escolha livre de um ou muitos "alguéns". Ora essa coordenação, porque aconteceu, tinha de acontecer exactamente por isso, porque não pôde deixar de acontecer.

Se o tão célebre nariz de Cleópatra - que parece não ser célebre senão por isso - tivesse outro feitio, a História seria outra. Mas dizê-lo é dizer que tal nariz teve esse. Quando dizemos que se tivéssemos tido saúde e outra educação e o mais, dizemos precisamente que tivemos de ter tudo o que tivemos.

Em cada circunstância da vida é normalmente possível decidirmo-nos por uma entre milhentas opções. Mas tomada uma, ela teve de ser não apenas tomada, por não ser possível tomar outra, mas porque, se a tomei, foi por no momento em que a tomei eu entendi ser a melhor e portanto ter de a tomar,ainda que tivesse sido a pior.

Tudo isto está certo. E tudo isto está errado. Porquê? Porque sim. Não sei."












* in Pensar, de Vergílio Ferreira

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