Um salto alto. Não. Umas botas de mais de trinta centímetros de cano. Castanhas na cor, depois, depois um bocado de perna. Dois bocados, melhor. Eram duas pernas. Duas pernas de carne, acreditei. De madeira não eram, tinha quase a certeza. Conheci lá no meu sítio dois torneiros, mas duvido que algum deles tivesse sido capaz de fazer obra tão perfeita. Mas mesmo que o conseguisse quem lhe seria capaz de pintar aquela cor de carne que se lhe via. Eram de carne e bem torneadas até ao momento em que de baixo para cima ia prosseguindo a minha observação.
De repente, porém, maldição do destino, surgiu-me neste percurso ascencional, um obstáculo. Qualquer coisa de pano. Pano aos quadrados. Largo. Em cone. Não, em cone, não. Em forma de pipa de vinho moscatel cortada ao meio e como que inchada de um dos lados ao aproximar-se da parte superior e mais delgada. Perante o inesperado tecido axadrezado lembro-me que subi rapidamente o olhar pelo contorno do volume que me interrompera a visão de qualquer coisa bem roliça e, num ápice, fixei-me no relevo superior àquele como que abcesso da espécie de tronco de cone que contemplara. Parei o olhar. O tecido fora aí obrigado a tomar formas que me fizeram adivinhar riqueza interior de linhas. Linhas certamente bem esculpidas como as que vira logo a seguir ao cano das botas.
Respirei. Que sucederia agora nesta lenta ascensão? Novo tronco de cone? Subi, subi depressa o olhar. Acabara o tecido de xadrez. Agora estava em presença de uma malha de lã apertada. Lá vermelha. Lisa. A cor. A cor porque o recheio era rico de contornos. De resto, continuei a subir o olhar até ao momento em que, soberbas, me surgiram duas elevações frontais provocando a contextura da lã que, por força da sua presença, era mais larga nestes dois locais. Parei a admirar, outra vez longamente, tão curiosos e inesperados contrastes na subida que, tão devagar quanto era capaz, o meu olhar ia observando. E corei não sei porquê. Numa fuga desci aos centímetros de perna que vira momentos antes e retomei subindo um pouco mais a partir do ponto em que ficara, para logo me dar conta de duas extensões laterais que o vermelho da camisola deixava à mostra e que terminavam em como que garfos de cinco pontas - mas tudo tão perfeito, tão arredondado, tão rosado que não resisti a uma paragem mais prolongada, ora olhando para a direita, ora para a esquerda, ao mesmo tempo que, sem querer, passava os olhos pelas saliências vermelhas - vermelhas de lã - da parte superior de todo este conjunto surpreendente de graça. Sentia-me outro. Num repente, não me contive e olhei para cima da malha da camisola encarnada. Era ela, pois, era ela. Uma mulher. A mulher mais bela que jamais vira. Um pescoço quase branco suportava uma cabeça onde cabelos, como fios de ovos, envolviam arredondadas faces rosadas, olhos que dir-se-iam berlindes e lábios de um apetitoso vermelho. Vermelho de morangos frescos.
Estremeci ...
Foi então que meu pai, que se detivera a conversar com minha tia, me puxou pelo braço e saímos.
Nunca tinha entrado num museu de máscaras de cera. Gostei. Lembro-me como se fosse hoje.
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