* que espero rever, qual Papa Francisco, breve que seja, no meio do povo,
na próxima festa dos Farrapeiros, seus paroquianos
- Lembro-me da sua chegada, quase triunfal, ao Dominguizo, ladeado de uma guarda de honra de gente que, nas sua bicicletas, o acompanhou nos quatro quilómetros de estrada que separam a aldeia da vila do Tortosendo. Em traços largos, que momentos altos, ou não, posteriores, gostaria hoje de destacar?
- Eu destacaria, em primeiro lugar, a grande peregrinação que fizemos em 1961, que nos juntámos em Fátima, daqui da comunidade, seis autocarros e com as pessoas que vieram de Lisboa e doutros lados. Éramos 300 peregrinos. Reunimo-nos no Santuário de Fátima. Aí foi benzida uma imagem que está na igreja do Sagrado Coração de Maria, que veio como peregrina para a paróquia, esteve oito dias na igreja e depois correu durante o ano inteiro, de casa em casa, as famílias.
Há um livro escrito acerca dos dias da peregrinação, porque fizemos três: saímos no dia 12 de Agosto à tarde, fomos dormir a Estremoz e, no dia seguinte, celebrámos na Senhora da Conceição, em Vila Viçosa e daí passámos precisamente no Cristo Rei, em Lisboa, onde também pernoitámos e no dia seguinte, 14, à tarde, seguimos para Fátima, para a procissão das velas. Ao outro dia, a imagem foi benzida pelo Reitor de Fátima, e viemos em peregrinação. Foi uma apoteose a Nossa Senhora. Estava toda a agente no adro à espera.
- Que povo encontrou e, em 2015, na sua opinião, que povo é este que nasceu farrapeiro?
- Bem, eu encontrei este povo dividido em três classes: classe dos negociantes, classe dos operários e dos lanifícios e os trabalhadores rurais, que estavam, mais ou menos, todos eles, quase sob o domínio de duas grandes famílias: a família Jaime Barata e a família Neves. Eram eles que impunham ... Não sei se é do seu conhecimento, talvez, que antes de eu chegar, um ano ou dois antes, houve aqui um grande julgamento em que entraram 60 famílias. Portanto, encontrei um paróquia completamente dividida, em que se guerreavam uns aos outros e uma das intenções da peregrinação foi precisamente, a unidade da paróquia. E desde essa altura nunca mais deixei de fazer a minha oração, pela unidade: Senhor, fazei que sejamos uma só família e nos amemos como verdadeiros cristãos. O que, em parte, se tem realizado.
- Enquanto homem e enquanto padre, como vê a natural aproximação do Papa Francisco às populações com que se cruza e/ou encontra?
- Eu admiro o que ele é, o que ele mostra e também o desejo de ver concretizada uma sociedade com o seu pensar e as suas ideias.
- Estamos hoje perante uma Igreja, se assim se pode dizer, mais próxima da Verdade Inicial?
- Sim! Hoje estamos praticamente a voltar à Igreja Primitiva.
- Como vê, senhor Padre, a Igreja d'hoje face ao mundo materialista que a rodeia? Como é que sobrevive a igreja do Dominguizo?
- Desde que, espiritualmente, entrei nesta comunidade, entendi que havia muita ignorância religiosa, mais tradição do que convicção e daí que, entrado no dia 24 de Novembro de 1957, e logo em 58, realizei, com grande sacrifício, uma missão com dois missionários, durante 15 dias. Terminou em 3 de Março de 1959. Administrei os sacramentos, e lembro que tive dois grandes rapazes e raparigas, filiados na Juventude Operária Católica, que deram um grande dinamismo à paróquia.
A primeira tristeza que senti, por descuido ou não sei porquê, o edifício da igreja era um autêntico palheiro, onde o sobrado eram as antigas sepulturas em madeira. Uma pobreza extraordinária!...
Eu fui viver para uma casa em que nem sequer podia abrir a janela do quarto, porque dava para uma zona onde toda a gente ía fazer as suas necessidades. Estive lá sete anos e nunca abri a janela do meu quarto. Era impossível! Mas a primeira coisa que pensei foi que prioritária era a Casa de Deus: fiz uma campanha que me trouxe muitos aborrecimentos, sobretudo da parte dos Neves. A Santa Missa não começava enquanto não entrasse aquela família. A missa era ao meio-dia, mas se tivesse que ser às duas, também era...
Logo depois de oito dias de ter chegado, fiz uma pregação à Imaculada Conceição e consegui encher a igreja. E tenho outra consolação: talvez por vários ventos que houve, consegui que os taberneiros fechassem os seus estabelecimentos durante a missa de domingo.Todos os anos tem havido uma pregação, uma ou duas.
Economicamente, o povo é generoso, mas é pouco. Não lhe peçam muito. De tal maneira que hoje, precisamente, os peditórios (aos domingos, são dois) não vão além de 20/25 euros (as duas). E eu nunca fui pegado ao dinheiro.
- Que poderia, ou deveria, a igreja do Dominguizo, por exemplo, neste novo contexto, inspirado num Vaticano novo, fazer mais, se é que podia, pelos que aqui nasceram?
- Há pouca solidariedade nesta terra: cada um arranja-se ...Cada um governa-se. Várias vezes tentámos, até na quadra do Natal, arranjar um cesto da igreja e este ano também o fizemos. Quem quisesse dar aos mais necessitados podia ir lá colocar o que quisesse... Pois posso dizer que apareceu um garrafão de azeite que fui eu que mandei lá pôr. E acho que um quilo ou dois de arroz.
- Sendo a missa e a catequese dois pilares da Fé, que falta fazer para ver crescer a aldeia, enquanto irmandade?
- Hoje nós temos a catequese das crianças e dos jovens, mas julgo que quem precisa de catequese é a a família. Porque sem família não há educação - nem cívica, nem religiosa.
- Se o exercício do seu sacerdócio fosse uma atitude temporal, o que é que acha que falta fazer inspirado no Papa Francisco?
- Não sei. Talvez ter a humildade profunda que ele tem. E a fé verdadeira.
- A intolerância é um mal instalado ou não na sociedade portuguesa?
- É! Falta de compreensão, falta de verdadeiro amor, falta de valores.
- Transcrevo José Hermano Saraiva: "A igreja era um caminho para fugir à miséria ou para a evitar". Senhor Padre, para concluir, enquanto pároco de uma aldeia do interior beirão, pergunto-lhe: o que é hoje a Igreja?
- Para mim, a igreja (autêntica) será Cristo vivido. E o Cristo vivido foi o Cristo dos doentes e dos pobres. Que podemos concluir, com a Palavra do próprio Jesus Cristo: a Igreja é um pequeno rebanho, embora pareça muito grande.
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