Portugal faz-se visível em Macau no chão que se pisa, na língua que quase não se fala, no traçado de alguns edifícios, mas também na produção artística e cultural de quem apostou no território como espaço de criatividade. No dia em que se celebra a Portugalidade, o PONTO FINAL quis saber como é ser artista em Macau falando a língua de Camões.
Catarina Mesquita
"Para muitos dos artistas portugueses radicados em Macau os caminhos artísticos pelos quais se movimentam e a arte que produzem falam, muitas vezes, mais alto do que qualquer expressão na língua materna ou do que a nacionalidade que trazem impressa no passaporte.
Para o realizador António Caetano de Faria ser um criador português em Macau “é uma vantagem”: “Somos poucos em Macau, mas com uma história longa e é isso que faz com que os outros povos venham ao nosso encontro para descobrir o desconhecido”, começa por explicar, acreditando ter um papel fundamental na promoção da história e da cultura locais.
Profissional de um mercado em expansão em Macau, o do cinema e do audiovisual, o realizador considera-se um privilegiado por poder desenvolver o seu trabalho no território. Com uma abordagem diferente da dos realizadores locais, Caetano de Faria considera que contribui com “um olhar de fora para dentro” para o desenvolvimento da indústria cinematográfica e uma tal opção acaba por encontrar eco nos trabalhos que produz.
O autor de “Ina” considera que “o papel dos portugueses no território é importantíssimo”: “Esta mescla de culturas ajuda a que as pessoas que não conhecem Macau se sintam atraídas pelo cruzamento entre Ocidente e Oriente”.
Como artista, António Faria considera ter “o dever de educar aqueles que estão interessados e despertar o interesse naqueles que não conhecem”.
“Participei numa mostra de cinema no Japão e os japoneses que participaram perguntaram-me que tipo de relação mantêm os portugueses com Macau e é aí que começa o nosso trabalho de explicar um pouco a história do território e o porquê de ser um local com características únicas”, defende
Ser português é ir beber a raízes culturais com mais de oito séculos de história, mas é também ser-se cidadão de um país onde a cultura atravessa uma fase complicada e os artistas não são devidamente valorizados.
Para Tomás Ramos de Deus, Felipe Fontanelle e Miguel Andrade, músicos que dão corpo ao grupo de covers “80 & Tal ”, produzir música em Macau dá “mais trabalho”, mas também “maior reconhecimento” do que eventualmente obteriam em Portugal.
Radicados na RAEM há cerca de dois anos, os músicos fazem questão de incluir músicas portuguesas no seu repertório e até tocar “alguns temas que lhes são pedidos” para o público matar saudades.
Por entre a audiência dos concertos dos “80 & Tal” sentam-se pessoas originárias de todos os cantos do mundo e o grupo não regista uma tendência “mais portuguesa” a compor o público, ainda que a herança cultural portuguesa em Macau seja um elemento impossível de escamotear.
Carmo Correia não precisa de pautas, de arranjos musicais ou sequer do português como instrumento para que a sua arte ganhe expressão. Radicada em Macau há 15 anos, a fotógrafa considera que “ser artista em Macau sendo natural de Portugal ou da China não é fácil, uma vez que o mercado é muito pequeno”.
“Sobreviver-se só sendo artista é complicado. Para se viabilizar um projecto de arte em Macau é preciso algum apoio do Governo e esse acaba por recair quase sempre sobre os mesmos”, sublinha.
Carmo Correia, que recentemente lançou a obra fotográfica “Ponto de Luz”, reconhece, no entanto, que ainda existe alguma margem de manobra para a que a arte com costela portuguesa que se produz em Macau se possa afirmar: “Hoje, em Macau, há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Nós abrimos uma exposição e abre outra logo após. As pessoas já nem sabem para onde ir com tanta oferta ao mesmo tempo”, diz Carmo Correia, sem esconder um certo enfado.
A artista lembra que a arte com assinatura na língua de Camões tem uma presença forte no território, com uma tendência ascendente, face ao pedido do presidente chinês, Xi Jinping, para a diversificação económica. Correia lamenta, ainda assim, que as mostras acabem por ser feitas para círculos restritos: “Nós, portugueses, lançamos um projecto em Macau e a informação nem chega a grande parte da comunidade chinesa. Os chineses, por sua vez, abrem exposições que nem sempre chegam ao nosso conhecimento. O mercado está dividido e a língua por vezes é uma barreira”, defende a fotógrafa.
A ideia é partilhada por Clara Brito. A criadora de moda viu Macau e toda a região do Delta do Rio das Pérolas crescer e com eles também a sua marca Lines Lab. Radicada em Macau há uma década, a estilista diz que o português é, na questão dos negócios, uma espada de dois gumes: “Falar português traz-nos vantagens em alguns eventos e para mantermos algumas relações profissionais com outros países de língua portuguesa com o Brasil e alguns países em África, mas em termos de negócio deste lado do globo fazemos a maior parte da comunicação em inglês ou chinês”, explica Clara Brito.
Portugal é presença manifesta nas peças criadas pela Lines Lab. As influências portuguesas expressam-se “nas matrizes inatas que se fundem com influências do Oriente”, explica a criadora.
“Vir para Macau foi uma boa aposta face ao desenvolvimento da região em termos económicos e culturais”, algo que redunda num ambiente de negocios que Clara Brito considera que seria mais difícil de encontrar em Portugal. A estilista revela que tem vindo a fazer um esforço para aproveitar as sinergias decorrentes do desenvolvimento de ligações mais estreitas entre Macau e as regiões vizinhas.
No campo das exposições, associações criativas como a Art for All e a Creative Macau têm vindo a promover eventos que reúnem tanto artistas locais como portugueses: “Há uma preocupação maior em fazer essa mistura”, lembra Carmo Correia.
Porém, a divulgação de projectos com uma faceta vincadamente portuguesa ainda carece, na opinião dos artistas, de divulgação.
Para os portugueses que fazem de Macau o palco da sua actividade criativa as saudades de Portugal existem mas a aposta no desenvolvimento das indústrias criativas promete vir a fazer de Macau um território com ainda mais potencialidade. A perspectiva não os faz, a curto-prazo, arredar pé."
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