terça-feira, 31 de maio de 2011

Nos limites do disfarçável

Era uma cara conhecida. Tenho a certeza, mas não sou capaz de a enquadrar no álbum da minha memória. Viajava como eu numa carruagem do Metro de Lisboa quase vazia. Eu sentado e voltado para a porta à beira da qual o sujeito em causa viajava sempre - de pé, só, pensativo. Vestia um fato completo azul escuro, do cimo do qual, como que a sublinhá-lo, saía uma cabeça emodurada a branco, branco-cinza ... Tudo normalíssimo. Se era alguém da política, não sei. Se era alguém do espectáculo, não sei. Se era um "opinion maker", não sei. Se era alguém das Artes ou das Letras, não sei. Não sei, mas sei que "era conhecido - e muito ..." Contudo, não o suficiente para que eu fosse tentado a dar interiormente um pulo e dissesse: JÁ SEI! Não!!!

Bom, então era um ilustre desconhecido ... Quiçá !... Quiçá, nomeadamente, porque o homem apresentava tiques que lhe compunham a imagem ... Tiques que eram, na quase solidão do ambiente em que nos cruzámos, alguns como estes:

Ligeiras, ligeirissimas e muito rápidas rugas na testa;

Ligeiros, ligeirissímos e muito rápidos movimentos no olhar;

Breves, brevíssimos esgares nas faces;

Rápidos, rapídíssimos movimentos nos lábios;

Nem drama, nem felicidade no rosto. Nada!

Nem um breve sorriso, nem o assomo de uma lágrima ou de uma mágoa. Nada!

Tudo, mas tudo, quase uma espécie de pausas, que remetiam para um interior em eventual convulsão.

Alguma pressa, talvez, não se percebia de quê ...

Uma saída da carruagem, aparentemente tranquila, umas estações antes do terminal do percurso daquele combóio-cenário.

Fiquei a pensar.Tratava-se de uma figura pública sexagenária, septuagenária?... Talvez.  Mas quem? É a psicologia de trazer por casa, "amadurecida" frente a "esta coisa", que me responde:

era eu, eras tu que, cheio de informação por todos os lados, já não consegues conter o que a vida te proporciona, para o bem e para o mal, no interior da embalagem que és...

E foi tudo. Provavelmente uma estátua tragicómica (da maioria).

Pior: o Homem nos limites do disfarçável.

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