terça-feira, 20 de maio de 2014

Notícias de Macau - Actualidade: Cavaco Silva em Macau (XI)

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“Não sou vira-casacas”

 by Ponto Final
2994capaJorge Fão explica a reacção de surpresa à condecoração de Cavaco Silva. É uma história sobre as negociações com Portugal para a integração das pensões, manifestações dirigidas a Mário Soares, um encontro em Belém marcado pela UGT e outras “malandrices”.
Sónia Nunes
O escritório de Jorge Fão, na Associação de Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), ajuda a perceber quais foram as guerras a que o ex-deputado se referia quando se manifestou surpreso com a atribuição da Ordem de Mérito da República Portuguesa pelas mãos de Cavaco Silva. Ele foi o “Jorge Tufão”, o “Fão Fão, queijo queijo”, o sindicalista eleito pelos macaenses nas primeiras eleições após 1999, dizem-nos os títulos das notícias de jornais penduradas nas paredes. Jorge Fão é ainda uma voz activa na vida política, ao liderar uma série de processos em tribunal para garantir o subsídio de residência aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e ao aceitar o convite dos Operários para continuar a fazer parte do colégio que escolhe o Chefe do Executivo, numas eleições que, reconhece, são uma “formalidade”.
- Disse ao Canal Macau que não esperava ser condecorado pelo Presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, por causa do seu passado político reivindicativo. Referia-se às negociações sobre a ‘Questão de Macau’?
Jorge Fão – Fiquei contente, mas de facto muito surpreendido. O meu passado político foi bastante conturbado. Em Macau, vivia-se um período difícil. Portugal nunca tinha negociado uma transição, Portugal fazia abandonos nas suas ex-colónias. Estive lá logo após o 25 de Abril. Ao que é que eu, um jovem de vinte e tal anos, assisti? Ao regresso dos portugueses de África. Vi a bagagem dos retornados toda atirada para o Cais do Sodré. Vi pessoas mal alojadas. Vi roupas a enxugar no aeroporto.
– Projectou nesse cenário os portugueses de Macau?
J.F. – Pensei: ‘Isto poderá acontecer connosco’. Já se falava da entrega de Macau logo depois de Hong Kong. Por isso criámos uma associação sindical em defesa dos nossos direitos. A Declaração Conjunta foi assinada em 1987, no mesmo ano criámos a ATFPM [Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau], em resposta ao ficou consagrado no acordo. Da parte chinesa, ficou claro que seriam pagas as pensões dos funcionários públicos que se aposentassem depois de 1999, dos que iam ficar. Na parte portuguesa esta questão estava em branco, não se disse nada. Portugal não pagou pensões a nenhum funcionário público de nenhuma colónia, com a excepção de Macau. Isto não aconteceu por acaso. Aconteceu porque um punhado de pessoas resolveu fundar a ATFPM. Quando me aposentei, como diz aqui [mostra um recorte do Jornal Tribuna de Macau com os protagonistas do processo de integração], já tinha os problemas mais ou menos resolvidos em 1994. Já havia o diploma da integração.
- A possibilidade de os funcionários poderem transferir o pagamento das pensões para Portugal foi a principal luta com Cavaco Silva que dirigiu?
J.F. – Encontrei-me com Cavaco Silva em Portugal com mais dois conterrâneos sindicalistas [Alberto Noronha e Rosa Duque]. O então primeiro-ministro não estava disponível, andava numa jornada parlamentar ou partidária, não sei dizer ao certo. Conseguimos um encontro no teatro Luísa Todi, em Setúbal. Falámos da questão das pensões. Mas o chefe do Governo não sabia dar uma resposta. Continuavam as incertezas. Tivemos outro encontro, já em Macau, aquando da inauguração da Ponte da Amizade. Fui na qualidade de líder da Frente Unida, que reunia um grupo de associações sindicais da função pública.
- As conversações foram tensas ao ponto de ficar de surpreendido com esta condecoração?
J.F. – Não foram tão más como com quem esteve aqui em Macau. Cavaco Silva estava distante. Havia também Mário Soares que, quando cá veio, fiz duas manifestações, também por causa das pensões. Todo o pessoal andava com cartazes a dizer S.O.S.. Mário Soares ficou danado. Acabei por estar duas vezes com ele em Belém, falámos sobre a questão nacionalidade. Não se sabia qual era posição da China, que segue o princípio da jus sanguinis: todo e qualquer miscigenado seria chinês. Se optássemos por ficar por Macau teríamos de assumir outra nacionalidade quase por imposição? Era uma questão muito grave para nós e uma incógnita – não é falar mal dos políticos portugueses, mas os nossos negociadores não estavam preparados.
- Não tinham consciência dos problemas de quem vivia em Macau?
J.F. – Nenhuma. Foram indigitados não sei porquê para discutir uma coisa que é nossa, minha. Estavam a discutir o nosso futuro sem que pudéssemos participar. Nenhum macaense foi chamado a participar. Estávamos completamente afastados. Foi esta a razão da minha rebeldia. Não tinha nada contra o Governador, nem contra Cavaco Silva. Todas as minhas críticas foram de amizade, não havia hostilidade. Mas isto não foi assim entendido. Na altura, quase que era considerado um leproso. Verdade. É o que sinto. Nos sítios onde dia, mesmo em ocasiões oficiais, as pessoas que estavam dependentes do poder político ou que com ele queriam fazer amizade distanciavam-se, afastavam-me.
- Assumiu um papel de contrapoder?
J.F. – Com frontalidade. Uma personagem como esta ‘Fão, Fão, queijo, queijo’  [título de uma notícia do PONTO FINAL sobre a extensão do  imposto profissional] já diz tudo. Não podia ser do agrado de ninguém. Por isso é que não contava com esta condecoração.
- As deslocações a Portugal, para falar com Mário Soares sobre a questão na nacionalidade, por exemplo, foram feitas à revelia dos negociadores?
J.F. – Consegui contornar o Governo local. Fiz muitas malandrices [risos]. Fui um rebelde. O Governo não gostava de ver a minha cara, nem de perto nem de longe. Quando dizia publicamente que ia a Portugal tratar das nossas coisas [da ATFPM], o Governo pelas suas fontes procurava saber onde e com quem ia. Lembro-me que na véspera da minha partida [para o encontro com Mário Soares], um membro do Governo garantiu que não havia encontro nenhum. É simples de explicar: foram à agenda de Belém ver se havia alguma coisa com este pateta do Oriente. Acontece que antecipei isto: não encontraram nada porque o encontro foi marcado pela UGT [União Geral dos Trabalhadores]. Na altura, já tinha uma relação bastante próxima com [antigo líder da UGT] Torres Couto, que esteve aqui em Macau e foi substituído por João Proença. Pedi-lhes uma ajuda.
– Foi bem recebido? Mário Sorares sabia que o encontro era consigo?
J.F. – Sabia. Arranjei um 31 ao Mário Soares quando chegou a Macau com as manifestações. Ficou doido – diz-se que é o paladino da democracia, mas não é assim tanto: no ano seguinte, fui a Portugal e ele não me recebeu, ficou zangado comigo. Desta vez recebeu-me. É por isso que digo que ele é bom político: soube colocar uma pedra sobre o assunto. Nessa audiência em Belém, disse-lhe: ‘Sou produto de uma mestiçagem de um chinês com uma macaense’. ‘Ai sim? Vê-se logo. Sempre gostei muito de mestiços. São homens mais inteligentes. O dr. Carlos d’Assumpção, por exemplo’. Está a ver como ele responde? Das vezes que me encontrei com o Presidente, ou com quem fosse, quando falava nas pensões perguntavam sempre se o Fundo [de Pensões] tinha fundo. Fiquei com a sensação que, não havendo dinheiro, não se pagava. A minha resposta foi sempre a mesma: ‘Temos um Fundo de Pensões cheio de dinheiro’. Em 1996, os fundos foram sendo transferidos para Portugal em tranches, no total de 31,5 milhões de contos.
– Esse dinheiro serviu para pagar as pensões até quanto?
J.F. – Até 2011. Já secou. Houve uma muita má gestão em Portugal em termos de garantias segurança social e por isso hoje é este corta isto, corta aquilo.
– Alguma vez pensou no que seria se essa responsabilidade tivesse sido assumida pela China?
J.F. – Era muito difícil vaticinar na altura o que Macau é hoje. Estávamos todos preocupados. O regime que vigorava na China não era do nosso agrado. Confesso: comprei propriedades em Portugal, estava preparado para me pôr em debandada. Não só eu, mas grande parte da comunidade. Não fomos porque a China jogou uma cartada muito grande. Pouco antes de 1999, recebi a informação de uma fonte informal [de Pequim] de que a questão estava ultrapassada: os macaenses podiam ficar e continuar com a nacionalidade portuguesa.
- O exercício pleno de direitos políticos, por exemplo, obriga no entanto à opção pela nacionalidade chinesa.
J.F. – Foi isso que ainda não fiz. Não tenho essas ambições políticas. E não estou preparado para mudar esta mentalidade: devo ser dos poucos que ainda não tem aquele documento [salvo conduto] para passar as Portas do Cerco. Pode ser que um dia mude de ideias. Nunca sonhei que seria deputado, presidente de um sindicato, nem membro de uma assembleia municipal. E fui. Isto veio ao meu encontro, não andei a caçar votos, nem tratei as pessoas como se fossem fichas de jogo. Não tenho esse feitio. Tive por isso uma vida política conturbada, mas consegui mostrar aquilo que sou.
 Esta condecoração tem um sabor especial?
J.F. – Tem (risos). Não contava. Acho que houve pessoas que intercederam por mim e para mim. Não sei quem foi. Parece-me que chegaram à conclusão que aquilo que fiz foi por amizade.
 Falou com Cavaco Silva sobre isso nesta visita?
J.F. – Quando lhe apertei a mão, disse-lhe: ‘Já nos encontrámos algumas vezes’. Só isto. “Ai sim?”, respondeu-me.
 Não o reconheceu?
J.F. – Penso que não. Também já é um homem com uma certa idade e já se cruzou com muita gente. Acho que viram que sou bom português.
 Há também a APOMAC.
J.F. – Sim, a APOMAC pode ser considerada um dos bastiões da comunidade macaense ou portuguesa em Macau.
–  E que continua a travar lutas, agora com o subsidio de residência.
J.F. – Nunca haveria de imaginar que iria voltar o papel de sindicalista. Os SAFP [Serviços de Administração e Função Pública] assumiram uma posição [favorável aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações] e em três semanas disseram o contrário. Excluíram 160 pessoas, o que corresponde a quatro milhões de patacas por ano. Para um Governo abastado é uma pequena gota.
 Há uma questão de legalidade, segundo o Tribunal de Segunda Instância
J.F. – O Comissariado contra a Corrupção emitiu um parecer onde concluiu que a lei obriga ao pagamento do subsídio. Quando os recursos foram avante, o próprio Ministério Público (que raramente não sai em defesa do seu empregador que é o Governo) decidiu a nosso favor. O tribunal teve um entendimento diferente. A minha pergunta é: porque é que os serviços públicos não são punidos por não seguirem as conclusões do CCAC e as entidades privadas são? Ao final de contas, as opiniões do CCAC só são vinculativas em relação à parte mais fraca. Temos de recorrer para TUI [Tribunal de Última Instância]. Como diz o letreiro lá fora, a luta continua.
– A APOMAC está também registada para se candidatar à Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo...
J.F. – ... Eu não represento a APOMAC neste combate. Sou membro da Comissão Eleitoral, mas em representação do sector laboral. A Associação Geral dos Operários entendeu que devia fazer parte. Nestas eleições, temos 59 lugares mas 90 por cento das associações registadas pertencem à federação. Coloquei o meu lugar à disposição mas disseram-se para me candidatar porque são 63 candidatos para 59 lugares. Quatro pessoas vão saltar fora – não sei se serei uma delas.
- De todo o modo, todos os candidatos que vierem a ser eleitos estarão ligados  à AGOM.
J.F. – De outro modo, nem poderiam ser candidatos. Vão todos pela AGOM, ainda que digam mal da federação. Eu não digo. Ser aliado e falar mal depois, fazer jogadas de bastidores, é muito feio. Nunca fiz. Podem não gostar de mim por muitas coisas, mas nunca poderão dizer que Jorge Fão traiu alguém. Nunca fui vira-casacas. Eventualmente, vou voltar a fazer parte da comissão eleitoral. Parece que só temos um candidato: tudo indica que vamos apoiar o Chefe do Executivo, Chui Sai On.
- Também no sector empresarial, 84 por cento das associações registadas pertencem à Associação Comercial. Nos serviços sociais, os votos estão dominados por outra força pró-Pequim, os Kai Fong. As eleições para o Chefe do Executivo são uma formalidade?
J.F. - São. Se me pergunta se vale a pena, digo que vale mais do que no passado. Dantes, nem sequer tínhamos oportunidade de indicar o nosso governador.

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