sábado, 30 de abril de 2011

Canteiro de palavras ( XVII )

1774 - a aldeia *



















"A boa gente da aldeia já me conhece (...). Há ainda poucos dias, quando me aproximava deles, e com voz amiga lhes fazia alguma pergunta, pensavam que eu queria rir-me deles e deixavam-me bruscamente. Eu não me ofendia, mas senti com mais vivacidade a verdade de uma observação que já havia feito. Os homens de uma certa categoria conservam-se sempre a uma severa distância dos seus inferiores, como se receassem perder muito deixando-se aproximar, e há destrambolhados e insensatos graciosos que só aparentam descer até ao pobre povo para ainda mais o magoar.

Bem sei que não somos todos iguais, que o não podemos ser, mas sustento que aquele que se julga obrigado a manter-se afastado do que chama povo, para dele se fazer respeitar, não vale mais do que o poltrão que, com medo de morrer, se esconde ao inimigo.

(...) Arranjei relações de toda a espécie, mas ainda não achei sociedade. (...) Se me perguntarem como é a gente destes sítios, responder-te-ei: como em toda a parte. A espécie humana é simplesmente uniforme.

(...) Afinal é boa gente. Quando fico às vezes a gozar com eles os prazeres que ainda os homens conservam, como entreterem-se a conversar cordialmente (...) tudo isto produz em mim o melhor efeito. Mas não devo lembrar-me então de que há em mim outra faculdades que se enferrujam se não forem usadas (...).

A vida humana é um sonho, outros o disseram antes de mim, mas esta ideia segue-me por toda a parte.

(...) Felizes (...) aqueles que dão um título imponente aos seus fúteis trabalhos e até às suas extravagâncias; as põem em conta o género humano como obras gigantescas organizadas para sua salvação e prosperidade! Pois que lhes sirva, àqueles que podem pensar e proceder assim! Mas aquele que reconhecer com humildade onde tudo isso vai ter, que vê como o pequeno burguês que ornamenta o seu pequeno jardim (...) é feliz também por ser homem, por mais limitado que seja o seu poder (...) sabendo que pode deixar o seu cárcere quando lhe apetecer."

* in Werther, de Goethe

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