domingo, 17 de julho de 2011

Do "Sermão do Bom Ladrão" *


"(...) Resumindo pois o que tenho dito, nem os reis, nem os ladrões, nem os roubados se podem molestar da doutrina que preguei, porque a todos está bem. Está bem aos roubados, porque ficarão restituídos do que tinham perdido; está bem aos reis, porque sem perda, antes com aumento da sua fazenda, desencarregarão suas almas. E, finalmente, os mesmos ladrões, que parecem os mais prejudicados, são os que mais interessam. Ou roubaram com tenção de restituir, ou não: se com tenção de restituir, isso é o que lhes digo, e que o façam a tempo. Se o fizeram sem essa tenção, fizeram logo conta de ir ao Inferno, e não podem estar cegos que não tenham por melhor ir ao Paraíso.

Só lhes pode fazer medo haverem de ser despojados do que despojaram aos outros, mas, assim como estes tiveram paciência por força, tenham-na eles com merecimento, Se os esmoleres compram o céu com o  próprio, por que se não contentarão os ladrões de o comprar com o alheio? A fazenda alheia e a própria toda se alija ao mar, sem dor, no tempo da tempestade. E quem há que, salvando-se do naufrágio a nado e despido, não mande pintar a sua boa fortuna, e a dedique aos altares com acção de graças? Toda a sua fazenda dará o homem de boa vontade para salvar a vida, diz o Espírito Santo, e quanto de melhor vontade deve dar a fazenda, que não é a sua, não a vida temporal, senão a eterna?

O que está sentenciado à morte e à fogueira, não se teria por muito venturoso, se lhe aceitassem por partido a confiscação só dos bens? Considere-se cada um na hora da morte, e com o fogo do Inferno à vista, e verá se é bom partido o que lhe persuado (...)."
* Padre António Vieira

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