quarta-feira, 5 de março de 2014

Recortes do dito e do feito (25) - A rádio

Pai de duas invisuais de nascença, envelheceu, só, mas bem disposto, coração a bater, como ele diz, "empurrado a energias alternativas" e olhos a caminho da cegueira completa. Electricista de profissão, chegou à idade da reforma capaz de distinguir objectos e cores sem dificuldade de maior. Nos últimos tempos, porém, vivia no mundo cinza escuro que deve ser a antecâmara das trevas. E eu interrogava-me acerca de quem acabaria por ser mais invisual, se as filhas que nunca conheceram a luz do dia, se este meu amigo que, habituado à claridade, de repente, se iria achar no universo complexo do tacto.

Telefonei-lhe há dias. Perguntei-lhe pela saúde. E, na era das distracções visuais, ouvi, lá do fundo da sua alma serena, esta resposta-exigência, a dar que pensar: "Estou bem ... mas o que me vale é a telefonia ..."

Fica a homenagem - e o pedido de uma rádio cada vez melhor, de Norte a Sul do país. Por todas as razões - e mais esta, de ordem não comercial.

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