sexta-feira, 16 de julho de 2010

Histórias da História

Quando cheguei a Kinshasa não tinha pensado em entrevistar quem quer que fosse, mas o Comendador Jaime Viana insistiu e, quase na véspera de comemorações nacionais zairenses, documentei-me e ("em Roma sê romano") entreguei no Gabinete de Mobutu Sese Seko as perguntas (bilingues) que, "apalpado o terreno", entendi oportunas. Doze. Estas, que acabo de rever em papelada antiga:

"-Senhor Presidente, em breves palavras, quem foi M. Joseph-Desiré Mobutu e quem é hoje M. Mobutu Sese Seko Nkusu wa Za Banga? Onde está "De Banzy"?

(esclareço a pergunta: Mobutu Sese Seko Nkuku Ngbendu wa Za Banga quer dizer "O Todo Poderoso Guerreiro que, Por Sua Força e Inabalável Vontade de Vencer, Vai de Conquista em Conquista Deixando fogo em seu Rastro". De Banzy, isto é, "Como Editor.")

"-Soldado, jornalista e político. Católico. Amigo de França e da Bélgica. E de Portugal também. Vinte anos no poder num continente em crise. O que é o mobutismo, senhor Presidente?"

"-Ao que se sabe, V. Exa. considera-se um político "nem de direita, nem de esquerda". Podemos concluir que é um não-alinhado, ou um homem de centro, no conceito europeu destas palavras?"

"-Apesar da instabilidade reinante em África, no Zaire, com os seus 30 milhões de habitantes, parece ter sido conseguido um clima de segurança. Por outro lado, em determinado momento, falou-se de liberalização económica. Passados 20 anos de regime, o que é o Zaire de hoje e que perspectivas de bem-estar e progresso se prevêem?"

"-Particularmente em momentos difíceis, a França e a Bélgica têm sido solidárias com o Zaire. É patente o auxílio da China que, na expressão de V.Exa., coopera "desprovida de cálculo". Que pensa da presença cubana (em Angola, em particular) e da penetração soviética no continente africano?"

"-É conhecido o apetite internacional em relação às riquezas naturais da África do Sul. Na opinião de V.Exa., como resolver a questão do "apartheid" sem transformar aquele país num mar de sangue e num potencial, ainda que disfarçado, feudo soviético-cubano?"

"-Na opinião de V.Exa., que fazer para alcançar uma certa unidade africana, aberta ao exterior, mas liberta de tutelas neo-colonialistas?"

"-A democracia política é possível em África?"

"-Em que medida a experiência africana do povo português tem sido útil ao progresso do Zaire?"

"-V.Exa. quando, em finais de 1983, esteve em Portugal, apelou ao regresso dos portugueses ao Zaire. Entretanto, hoje na porta da embaixada zairense, em Lisboa, lê-se que, de momento, estão encerradas as inscrições para a emigração para este país. Que aconteceu neste domínio ao longo dos últimos dois anos? Houve respostas ao convite feito por V.Exa. em Portugal, aos portugueses?"

"-No plano das relações comerciais, que resultados práticos dos encontros, em Lisboa e no Porto, com centenas de empresários portugueses?"

"-Conhecida, nomeadamente, a sua sua cultura afro-europeia, uma vez retirado da vida política, em que país da Europa gostaria V.Exa. mais de viver: na Bélgica? em França? Ou, por exemplo, em Portugal?"

A resposta não se fez esperar: o Presidente "teve em consideração o (...)" mas "dará nos jardins do palácio uma conferência de imprensa (...) para a qual tem a honra de convidar V.Exa."

Lá fui.

Contudo, contudo... não houve, não houve conferência de imprensa... Ou melhor, houve... dada pelos pavões do presidencial jardim que, amestrados ou não, sobrepuseram os seus repetidos "cânticos" à voz de fundo do ilustre anfitrião... Saímos, assim, en-canta-dos...



Quanto ao meu eventual "feitio perguntador", "engoli-o", com o local desapontamento do "embaixador" Jaime Viana (descanse em paz, Amigo!), quando lhe falei das canoras respostas que, apesar de tudo, tanto divertiram os da comunicação humana presentes.

Acontece...

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