sexta-feira, 13 de agosto de 2010

"Rei dos chatos"

Antes que passe mais tempo, associo-me aos que lembram Miguel Torga, que, se fosse vivo, teria feito ontem anos (nasceu, ao que consta, em 1907). 


Cito uma passagem do seu Diário I, por concordar com os que vêem nestes seus registos o que, literariamente, fez de melhor.


"Leiria, 10 de Novembro de 1939
Mais duas horas de prosa.


Uma coisa seca, retalhada, sem nenhuma grandeza. Apesar de ter consciência disso, suei honradamente aquelas quatro páginas. E, afinal, é o que é preciso. Puxar, puxar, até o corpo não poder mais e cair de vez. Dar à vida, numa palavra, o que a vida pede: cada momento cheio de qualquer esforço.


Quando eu era pequeno, havia lá em casa, no cimo de um lameiro, uma costeira que era só fraga; e meu Pai, na vessada, granjeava também aquele bocado, que nunca deu sequer feijão-chícharo. Só com dez anos, sem conhecer ainda o pavor dos retalhos de tempo, perguntava-lhe eu, já cansado:


- Mas porque é que se cava também isto?


E ele, como quem sabia uma verdade eterna:


- Para se acabar o dia."


Saudades do Rei... 

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