quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Pobrete, alegrete ( 3 )











Ramalho Ortigão

"(...) Não tenha jornal seu. É mau. Cria inimigos, cria incompatibilidades. Restringe a órbita da influência pessoal. Lança no caminho das contradições. Despedaça os métodos, os sistemas, os planos mais seriamente concebidos.

Não compre também nem subsidie os jornais dos outros. Comprar um jornal é a mais ridícula das lograções em que pode cair a inocência. Para o efeito da doutrina o jornal é uma entidade imponderável, incoercível, inorgânica. Politicamente ou literariamente falando, o jornal é um acto mental reduzido a quatro páginas de impressão. Por mais que o vendam e o revendam, esse acto há-de ficar sempre pertencendo ao indivíduo que o concebe. Portanto o único meio de possuir o jornal é comprar o jornalista.

Eis como o jornalista se compra:

Nenhum ajuste, nenhum aparato de aquisição! Sempre que a delicada operação de comprar o jornalista toma o carácter ostensivo e claro de um contrato, as partes contratantes desacreditam-se logo, por esse mesmo facto, aos olhos uma da outra, as susceptibilidades encontram-se, melindra-se a delicadeza, surge quase sempre a revolta. Nesta parte, como em todas as outras de um plano geral de dominação - nunca o esqueça João Fernandes - sempre os pequenos meios! Está numa sociedade estreita, pequenina, onde os caracteres são como a caça miúda: espantam os grandes aparelhos cinegéticos, o som das trompas, o latir das matilhas, o galopar dos cavalos, todos os processos da grande altanaria. Convém caçar , escondido, ir de rastos, devagarinho, sem fazer bulir as ervas tenras nem estalar as palhas, atravessar a rede, armar os laços, colocar os viscos, pendurar o chamariz, pôr nos alçapões o lambisco, e ir esperar confiadamente oculto na espessura.

O jornalista que recalcitra espavoridamente diante da grande oferta, vem ingenuamente à pequena dádiva, e ata ele mesmo o pé na armadilha da recíproca simpatia e da mútua amizade."

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