quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Comunidade Portuguesa na Austrália ( VII - B)

"Nutro pela Comunidade Portuguesa na Austrália grande admiração e apreço"
Ramos Horta


Bernardino Cadeiras, ex-vendedor de couves, primo de Fernão Mendes Pinto, retirado, taxista no activo, em Sydney

(continuação)

- Qual era o horário de funcionamento?

- Entrava às 7.30 da manhã e saía às quatro da tarde.

- Quanto tempo para almoço?

- 35 minutos. Com um quarto de hora de intervalo para o chá da manhã.

- Nos intervalos do "nada" o que é que faziam?

- Transportávamos os sacos de açúcar (35 quilinhos) às costas, de um lado para o outro ... Punhamo-nos em fila e, enquanto não chegavam os camiões para carregar, deixavamo-los em pilha.

- Quando apareciam os camiões ...

- Quando apareciam os camiões, os sacos seguiam por uns tapetes e nós só tinhamos que encaminhá-los com base na numeração que nos indicavam pelos altifalantes da secção.

- Em inglês ...

- Às vezes não compreendia o que diziam. Contudo, a pouco e pouco, pelos sons, lá fui encarreirando ... Sem saber nada, mesmo nada de inglês!... Várias vezes a coisa deu errada, mas os tipos sempre me olharam bem...

- Quanto tempo esteve nessa fábrica?

- Apenas seis semanas. O ordenado era um bocadinho fraco e, falando com alguns amigos, procurei entrar para a construção civil, onde se ganhava mais dinheiro.

- Construção civil?...

- Pintor.

- Pintor?... Como é que foi isso de, em Portugal, ter começado nas couves, depois, na Austrália, ter rejeitado as barragens e, de certo modo, a serventia no açúcar para, de repente, aparecer na construção civil? ...

- Sabe, um tipo que emigre não pode escolher trabalhos. Onde se ganha mais é que tem que se estar. Caso contrário, anda-se para trás ...

- Pintor da construção civil ...

- Falei com alguns companheiros e pedi a um deles: "arranje-me um trabalho de pintor, que eu ver se me consigo ajeitar ... Se não conseguir também não perco nada ... De qualquer maneira, têm que me pagar um dia ou dois, têm que me pagar enquanto eu lá estiver, portanto, veja se me desenrasca isso ..." E assim foi: o homem conseguiu-me o trabalho e eu não hesitei ...

- Apresentou-se ...

- Pedi emprestado um fato de macaco, já sujo com pingos de tinta (não levei um fato de macaco novo, não!...), e apresentei-me ao capataz como oficial pintor ...

- E depois?...

- Acto contínuo, o fulano, honesto, passou-me para as mãos um aparelho desarmado, que, de imediato, verifiquei tratar-se de uma pistola de pintar (cada peça para seu lado: borrachas, motor eléctrico, tudo separado ...) "Agora é que eu estou arrumado ... Não sei por onde lhe hei-de pegar ...", pensei. Entretanto, o dito capataz deu-me também um aprendiz e ... "espera lá, vamos ver aqui uma coisa ..." Dei sinal ao rapazito que ia à retrete e, se bem o imaginei, melhor o fiz: decidi demorar-me no W.C. o tempo suficiente para que o miúdo montasse a engenhoca ... "Pode ser que quando eu voltar se perceba qualquer coisa ..." Bem dito, bem feito: quando cheguei de novo ao pé do aprendiz já ele tinha montado a pistola e até andava a brincar, a fazer algum trabalho com ela. "Olá, agora que está tudo preparado, vou então tomar conta do resto ..."

Lembrei-me dos tempos de criança, no Algarve, em que a gente pulverizava a batata redonda para lhe matar o escaravelho, e, ao ver a pistola, associei ... Mais a mais, tratava-se, não de pintar uma superfície lisa, mas uma rede, num parque de automóveis ... Mesmo que deixasse escorrer, não se notava ... "Isto é exactamente como eu fazia com as batatas ... É pulverizar ... Não deixar muitas falhas ..." Aguentei e comecei. À medida que ia pintando, a coisa ia melhorando ...

- E o aprendiz?...

- O aprendiz era só para ajudar a mudar as ferramentas de um lado para o outro e, de vez em quando, dar uma pintadela ..."

Está tudo dito. Foram mais de duas horas assim: exemplares no improviso que resolve dificuldades ... Pelo menos, a portugueses.

 Pode não ser a coisa mais honrosa do mundo, mas ...

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