quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Papéis velhos (1991): concerto e caliça no Rivoli
Estamos em Janeiro de 1991 ... E, nos "papéis velhos", reencontrei o insólito sem, previsivelmente, na altura, o público leitor que aqui aparece ...
"Tinha acabado de se ouvir o allegro com brio do Concerto número 2 para piano e orquestra, de Beethoven, e já no Municipal Rivoli, após as tosses e catarros habituais, se atacava o adágio, quando, por cima da cabeça dos músicos, do cocuruto do palco, se soltam grandes estrondos e, num ápice, desatam a cair flocos de tinta, ou caliça, no piano de cauda e nos cabelos penteados dos intérpretes. Acto contínuo, o maestro interrompe o concerto, sacode da poeira as suas negras asas de grilo e manda o primeiro violino aos bastidores ver o que se passa. Breve regressa com garantias de que pode retomar-se o adágio. Não tarda, contudo, nova escaramuça no sótão, agora com Adriano Jordão (solista da noite) em pleno virtuosismo, e daí até ao final do Concerto de Beethoven é um susto pegado, músicos com um olho no instrumento e outro no tecto ...
Ao intervalo, sorri-se. Amarelo.
Na segunda parte, o regresso dos músicos ao palco, para tocar Barber e Grieg, faz-se no meio de alguma expectativa - quanto a ruídos estranhos. Violinos, violoncelos e contrabaixos afinam cordas e concentram espíritos - até ao momento em que desaba de novo, lá de cima, donde viera a caliça, uma barulhada dos demónios, que leva a orquestra a uma debandada geral para junto das paredes do palco, não vá o diabo tecê-las ... Gera-se alguma confusão, aparece o maestro sem batuta e, em menos de nada, dá-se outra arrumação às cadeiras dos executantes e ao estrado da regência ... Está tudo a postos para começar a segunda parte do espectáculo ... musical. Antes, porém, o maestro pede desculpa pelo incómodo e afirma ter obtido a certeza de que o tecto não cairá. A última parte programada do concerto termina assim com um allegro com brio, agora da Holberg Suite, op. 40.
O publicozinho, esse, aplaude o esforço e a música. Toca-se um "encore". Mozart é extra. Mas põe a necessidade de integrar os metais na orquestra e, com ela, a de puxar cadeiras e estrado à frente ... enquanto no sótão, até final, o bulício vai continuar...
PS - O presidente da Câmara não assistiu a este (des)concerto nas "ruínas" do seu Municipal. Ainda bem, podia ter que ir ao palco receber flores e caliça ..."
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