Para a cerciana Cristina, que é madeirense, e que me deu a alegria das suas palavras no "Conversas Diferentes", vai, com um beijinho, uma flor, apenas uma flor, do imaginado quintal da minha solidariedade. Igual ao que, por certo, já lhe ofereceram muitos dos que, familiares ou não, a acompanham nos seus sorrisos, quase tímidos, de todos os dias. Marcial
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Carta aos sobreviventes *
O que é que alguém que pertencia aos quadros superiores de "O Século" quando se deu o 25 de Abril de 1974, pode hoje, se houver quem o queira ler, dizer em síntese apropriada ao espaço NET, genericamente, sobre política, sobretudo, aos trintões (e outros) contemporâneos?
É fácil: a meu ver, o jornal "O Século", e toda a sua estrutura, em linguagem gastro-intestinal, tinha prisão de ventre e finou-se com uma profusa e incurável diarreia, com internos tão doentes quanto os enfermos.
A nível pessoal, diria, sem doutorices, numa altura em que há por muita gente com gases, que o meu relativo equilíbrio orgânico, com a ajuda de alguns sais, sem dúvida, foi conseguido quando, amavelmente, me convidaram a integrar as equipas do "Jornal Novo" (na moradia onde agora, por coincidência, em Lisboa, estão os das farmácias...), que, se quiserem (não é tão confidencial quanto isso...), alimenta, ainda hoje, de certo modo, a minha dieta política.
E mais não digo, que o voto é secreto. E também não interessaria a ninguém conhecê-lo.
* a culpa é do FACEBOOK
Dos ossos
A "carne" que tenho para dar a quem abre este "blogue" é, sem sensacionalismos, a que se deixa ver... Mais comestível uma do que outra, mas é o que há... Com ou sem entrelinhas...
Contudo, carne sem osso, percebe-se mal... Portanto, tal como "não há bela sem senão", aí vai...
Joanesburgo
No dia da chegada, durante breve saída de reconhecimento à volta do edifício do Carlton Hotel, cujas traseiras dão (ou davam...Podem ter levado a Justiça para outro lado...) para o Supremo Tribunal de Justiça, três negros vindos estou para saber donde, quebram a quietude local, manietam-me com agressividade e fazem ouvir um "pedido" monocórdico: "money, money!..."
Um deles aperta-me o nó da gravata, tornando-o elegantíssimo e, logo de seguida, aponta-me uma faca ao pescoço, enquanto os outros dois, um de cada lado, tomam posse do meu relógio de pulso e dos "rands" para o essencial que levava comigo. Os óculos que, na "confusão", me haviam saltado da cara, dou com eles, mais tarde, arrumadíssimos, num dos bolsos do casaco.
E como é patente pelo presente "documento", não me mataram...
Praga
Depois de ter conhecido o "essencial" do centro de Praga, meti-me num carro eléctrico local para um dos extremos da cidade, a fim de visitar novo ponto de interesse. Entretanto, o eléctrico encheu-se de turistas como eu e de uma meia dúzia de jovens e bonitas ciganas.
Viajo de pé, enlatado, enquanto as ciganas, soube-o a seguir, se agacha e, no meio dos naturais apertões, leva-me do bolso da parte inferior das calças, entre os bolsos e os pés, a pequena, espalmada e única máquina fotográfica que levara de Lisboa...
Mas, que eu saiba, não tive a vida em risco...
No Rio de Janeiro
A caminho do Corcovado, entraram no autocarro dois cariocas que me entalaram contra o "balcão" do cobrador e me roubaram os poucos "cobres" que levava comigo...
E lá subi ao Redentor...
Nova Iorque
História já contada neste "blogue", no dia 13 de Janeiro de 2010.
Apenas o susto...
URSS - Moscovo
Um cidadão, perto de uma estação de metro existente junto ao Monumento ao Astronauta, tenta comprar-me um "t-shirt" com publicidade à Philips.
Foi a "resposta" a uma "provocação" política-económica...- confesso.
Kinshasa
Enquanto funcionários da nossa embaixada, à minha chegada ao aeroporto, me sugerem que "fique quieto", vejo a minha papelada andar de mão em mão e, de repente, sinto-me empurrado para um carro que dispara para o local de destino na capital zairense.
De fugir...
Dakar
A visita à capital senegalesa só foi possível graças à muitíssimo próxima presença permanente de um simpático funcionário superior da embaixada portuguesa.
O insólito acontece...
Lima
A saída do hotel só se me afigurou possível em condições de segurança mínima, com o apoio localmente solicitado, e obtido, de um funcionário superior do ministério dos Negócios Estrangeiros do Perú - que andava cheio de medo, percebi-lhe nas subtis recomendações que me foi fazendo durante o percurso a pé que fizemos juntos.
Caracas
Uma das viagens em serviço à capital venezuelana, que só foi possível graças ao apoio de dois guarda-costas dos serviços da presidência da República da Venezuela. Ler "post" de 19 de Novembro de 1909.
"Gente fina" é outra coisa...
Em suma, "não há bela sem senão"
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Frases
Subsídios para a História - Macau 95 (XXIV)
ENTREVISTA com a Drª Margarida Rato
Dr.ª Margarida Rato, onze anos de Macau. Portanto, uma possibilidade de falarmos do "boom" do território.
Gostaria de começar por lhe perguntar, enquanto mulher que está aqui há relativamente pouco tempo, mas que tem, com certeza, já uma opinião formada sobre várias questões, o que é que, a seu ver, singulariza este espaço das regiões vizinhas?
É, fundamentalmente, a cultura. Como consegue aperceber-se, os portugueses conseguiram deixar aqui algumas marcas, nomeadamente, na arquitectura, que é ímpar nesta zona. Macau não se compara com Hong-Kong, embora eu goste muito de Hong-Kong.
Se nós olharmos para Hong-Kong, aquela arquitectura é fenomenal, é qualquer coisa de moderníssimo. Mas, entretanto, nós olhamos, dentro da pequenez deste território, e conseguimos encontrar aqui uma traça original portuguesa, que se transmitiu ao longo de 400 anos.
Por outro lado, a maneira de ser das pessoas também se transmite.
Na maneira de estar e de conviver com a comunidade chinesa, não há um entrosamento muito profundo, mas há uma coexistência muito pacífica entre os portugueses, os chineses e qualquer outra comunidade. A verdade é que, se olharmos a fundo, conseguimos encontrar neste pequeno espaço, umas boas dezenas de comunidades que coexistem pacificamente.
Isso é um aspecto que julgo que é cultural e conseguiu ser deixado no território: a nossa maneira de pensar, a maneira de ser... Não conseguimos mudar a maneira de pensar da comunidade chinesa, nem o contrário é verdade, mas as pessoas entendem-se.
Nós respeitamos a maneira de ser deles, nós sabemos que há questões como, por exemplo, a face, que para a comunidade chinesa é muito importante e que não nos custa respeitar. Eles próprios nos dão a face também. Portanto, essa sua maneira de ser transmite-se igualmente para nós. É uma das coisas que mostra o respeito de uma comunidade pela outra.
Portanto, depois de 99, acha que se poderá manter essa face?...
Julgo que sim.
Decorridos este séculos de convivência racial, o que é que acha que vai permanecer, de facto?
Vai haver sempre uma sensibilidade diferente da nossa. Nós também estamos a fazer todos os possíveis para deixar as nossas marcas por aqui. Não só a nível dos monumentos, mas ao nível da maneira de ser e de estar, do modo como nos compreendemos. Penso que isso vai ficar.
Há também muita gente que quer continuar. Não só da comunidade macaense, em particular, mas da comunidade portuguesa.
Isto quer dizer que vai haver aqui uma continuidade e que a comunidade chinesa vai respeitar essa continuidade. Não estou a dizer que os macaenses fiquem nos lugares-chave da Administração. Mas vão poder continuar a ficar por cá, vão ser as pessoas bastante úteis e, por isso, vai haver uma manutenção.
As pessoas nasceram aqui, os macaenses são de cá, gostam disto. Muitos deles só não ficarão se não lhes forem dadas possibilidades. O que julgo é que pode haver um período de transição em que a comunidade chinesa tem, de facto, que tomar conta das coisas, mas a abertura vai dar-se...
Não vamos ficar, se é possível fazer a antevisão, uma espécie de Malaca, a sonhar com Portugal?
Penso que não. Só há um problema, que é a língua. Acho que a língua, se houver empenho para a manter, é natural que se mantenha. Mas já hoje se pode verificar que, fundamentalmente, as pessoas falam chinês e... algumas coisas de português.
Dizem-me que, através da TDM, se está a fazer um esforço nesse sentido. Confirma?
Sim! Está a fazer-se um grande esforço para manter viva a nossa língua. Embora se pudesse ter começado a fazer isso mais cedo...
Isto não é crítica nenhuma, porque as condições, provavelmente, não terão sido as melhores para encetar esse tipo de processo, mas sou de opinião que nunca é tarde e que se pode tentar fazer tudo para que a nossa língua não se perca.
Há um fenómeno contrário: nós próprios não aderimos à língua chinesa. A língua chinesa é muito difícil, mas, se calhar, tivesse havido um empenho pessoal e de quem de direito para que as pessoas soubessem, pelo menos, o cantonense ou o mandarim, fundamentalmente mandarim, julgo que a comunidade portuguesa teria conseguido um entrosamento maior com os chineses. E o problema é que, às vezes, nós estamos à beira deles e apenas temos a percepção do que se está a falar.
Eu sei que a língua chinesa é muito difícil, mas poder-se-ia ter feito um esforço... Se me perguntar se noto alguma diferença de há uns anos para cá... noto, noto... Noto que há muitos mais portugueses interessados em saber o mandarim e quase todos esses portugueses são aqueles que estão a pensar em ficar...E que já se aperceberam que o mandarim vai tomar o lugar que a língua inglesa tem tido...
Se essas pessoas souberem mandarim têm sempre a possibilidade, não só do negócio, mas do contacto, da permanência. E há hoje, da parte da comuniudade portuguesa, muita gente a aprender mandarim. E cantonense, algumas pessoas.
O problema da língua é que, de facto, o chinês tem, por exemplo, um termo que nós, dizemos com uma entoação, e eles têm cerca de sete tons diferentes para outros tantos significados da mesma palavra. Já não falo da escrita, dos caracteres. Ora, para nós, que temos o hábito de uma entoação uniforme, é muito difícil aprender cantonense. Também há da nossa parte uma falta de entrosamento.
É capaz de de citar nomes que tenham marcado a nossa presença? E porquê?
Não vou entrar em figuras da história que, por certo, já registou. E também não gostava muito de entrar no campo político. Falar-lhe-ía, entretanto, no aspecto de pessoas que tenho pontuado pela sua acção no domínio da cultura no território. Por exemplo, do Eng Melancia, que, a meu ver, era uma pessoa muito, muito atenta aos aspectos culturais. Fundamentalmente, ele.
O governador Pinto Machado, também era uma pessoa de grande cultura. Esteve muito pouco tempo no território, não teve espaço para deixar obra que se visse, nesse aspecto da cultura. No entanto, foi uma pessoa que teve um privilégio, para mim, e para muitas pessoas que estavam aqui nessa altura.
Julgo que o governador Pinto Machado teve uma faculdade muito boa, que foi pôr as pessoas todas a falar muito francamente. Com o governador anterior, tinham tido algum receio. Tudo para elas era...
Estamos no ano...
Pinto Machado, 87...88... Considero que ele, nesse aspecto, permitiu um desabrochar das pessoas muito claro. Depois, o grande impulso terá sido dado pelo Eng. Melancia. Vimos os festivais começar a aparecer, todo esse tipo de iniciativas que, evidentemente, neste momento estão com um desenvolvimento muito maior, o que é natural, é a continuidade.
Isto quer dizer que, a nível deste governo, também houve atenção para esses aspectos. Porque poderiam ter deixado para trás... Não só através da simbologia que é deixada, mas há uma preocupação governamental, que tem sido crescente...
Há iniciativas recentes que vão ficar na história?
Os festivais de música, o aeroporto, a nova ponte. Há uma abertura ao exterior e um facultar de interpenetração de culturas, que já existe, mas agora tem um acesso muito mais facilitado.
O aeroporto não vai ser concorrente do de Hong-Kong?
Depende...
Concorrente ou complemento?...
Julgo que pode ter essa função complementar.
Numa perspectiva cultural e política, acha que Camões é "candidato", a título póstumo, a embaixador honorário de Portugal em Macau? Ou aquele Camões que se comemora no dia 10 de Junho vai figurar na lista dos esquecidos?
Ele figurar na lista dos esquecidos, não irá figurar... Eu não sei se com a importância e relevância que tem hoje e que a comunidade portuguesa pontua muito bem... Não sei se terá a mesma pujança no futuro. Mas que haverá sempre uma referência a Camões, enquanto poeta português e símbolo da nossa cultura, haverá...
Acha que Portugal tem sido aqui missão, pimenta, aventura, o quê? Portugal em Macau é Fernão Mendes Pinto?
Portugal, na altura em que eu vim, falava muito pouco de Macau.Penso que teria outras preocupações maiores. Ia sendo gerido ao sabor dos acontecimentos. Era cá colocado o governador, que teria as suas dificuldades... Macau tinha muito pouca ligação a Portugal. Neste momento, Macau tornou-se importante e aí talvez não seja só por outros tempos e pelas comunicações mais fáceis. Julgo que Macau, para Portugal, começa a ter um outro significado também.
Nós vamos deixar este território num clima de franco entendimento, as coisas não se processam só por interesses culturais, processam-se também por interesses económicos e, igualmente, nacionais. Penso que Macau vai ser sempre um ponto de ligação de Portugal à China e que há todas as condições para que isso, no futuro, se mantenha.
Nós não víamos cá presidentes da República e hoje vemos - e vemos com agrado. É impulsionador para nós, aqui, tê-lo e saber que se preocupa connosco...
É com desagrado, digo-lhe também, que nós vemos que Macau aparece em Portugal por uma via muitas vezes negativa, que não corresponde à verdade, que não tem a importância que muitas vezes é dada em Portugal, a nível jornalístico.
De qualquer maneira, em Portugal despertaram para Macau e julgo que isso vai ser fundamental, sobretudo para a nossa continuação aqui, não como Administração, mas com outras vertentes que são de preservar. E entramos aí no aspecto arquitectónico, na parte cultural.
Em suma, julgo que a atenção que Portugal está a dar a Macau, não se traduz num estar por estar, por ser bom sítio para fazer ponte para a China, do ponto de vista do negócio ou para alimentar melhores ligações entre dois países... É muito mais do que isso.
(cont.)
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
A José dos Santos Ferreira - Poeta e Amigo
Na silhueta do "animador" deste "blogue", aqui recortada por um artista MACAENSE, a homenagem ao Amigo que partiu, mas que continua e, dizem, vamos rever no Parque dos Poetas, junto de outros que, como ele, são Portugal
Pa vôs, Macau quirido, pequinino,
Nêsga de chám pa Dios abençoado
Macau cristám, qui fórça di destino
Já botá, na caminho alumiado;
Pa vôa, iou pensá vêm co devoçam,
Rabiscá unga poéma di amôr,
Enfeitado co vôs na coraçam
Pa têm mercê di bença di Sinhôr.
J.S.F.
"Facto Binário"
Era uma miúda simples, bem disposta, que, às vezes, poucas, brincava com a Isabel e outras crianças da mesma idade, na nossa rua, entre o número 11 e o 15, vinte metros adiante. O tempo regou-lhe, entretanto, a vontade de vencer tudo: as dificuldades próprias ou não, da idade, as inquietações políticas e do crescer, e hoje aí temos a mulher insofrida a que já não chega ser a Margarida Sequerra para, na poesia, surgir com o seu primeiro livro na mão, subscrito por uma tal Patrícia Taz que, eufórica, nos entrou pela casa dentro a dizer: "aqui está o meu livro. Espero que goste." Disse-o, especialmente a minha mulher, para logo acrescentar: "espero que gostem...", incluindo-me como pai da Isabel, com quem riu risos soltos.
Claro, Margarida, perdão, claro, Patrícia. Gostámos. Gostámos, sobretudo, dessa vontade de Estar e Ser - plenamente.
Olha, Moça:
"É a vida. Canta-se o fado
De um presente que é doloroso
Mas o futuro foi-me apresentado
E não poderei passar ao lado
De um amor tão poderoso."
"Dá-me a tua mão.
É tudo o que me resta
Nesta vida onde não há festa
Como a festa da tua mão."
Um beijinho. Dois beijinhos. Que contes muitos: poemas e gritos de presença.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Subsídios para a História - Macau 95 (XXIII)
"O prometido é devido..."
Arq. Manuel Vicente (para concluir o seu depoimento):
Mas então, para depois de 1999, quais são as expectativas dos macaenses?
Sei lá... O futuro a Deus pertence. Ninguém sabe, realmente, nem os próprios chineses, nem o governo central da China, o que vai acontecer aqui. Acho que qualquer previsão que se faça, optimista ou pessimista, é equivalente e, portanto, não vale a pena pensar nisso...
Imagine agora que tem na sua frente uma assembleia de jovens arquitectos. Estamos perante uma realidade que é Macau. O que é que gostaria de lhes dizer?
Aquilo que sei foi-me ensinado, não me foi revelado, não me apareceu em cima de uma azinheira... Muito daquilo que sei aprendi em Macau. Também ninguém me ensinou, aprendi com a prática, com a vida, à maneira que os problemas foram aparecendo...
Cito alguém que estimo, que é uma mulher de reputação internacional, e que dizia que "há uma grande energia criativa no tentar transformar aquilo de que se não gosta em algo de que se gosta..."
Acho que a prática de Macau é a gente, como na história do samba, dar a volta por cima. É encontrar sempre o modo de transformar a adversidade numa força concordante. O que é muito oriental: o inimigo vem com uma força bestial, esquiva-se, aproveita a força com que ele vem, "dá-lhe uma ajudinha" e ele estatela-se no chão... Em Macau, tem que se trabalhar nessa base.
Há uma grande presença da realidade, uma presença muito forte, inegável. Não há torres de marfim, não há sítios por onde fugir, não há tertúlias, não há sítios onde nos possamos reunir todos... São todos uns animais, tirando nós... Isto é tudo uma vida muito real, muito concreta. Temos que negociar o nosso desejo com o desejo dos outros, à custa de argúcia, de trinta mil truques, de habilidades diplomáticas e políticas... Negociar o nosso projecto, não falo do projecto de arquitectura, digo o nosso projecto em geral. É uma aprendizagem de valor universal.
Macau é um laboratório?
Macau não é um laboratório. Macau é um museu.
Quando vim para cá, chamavam-lhe o "Portugal dos Pequeninos". Em termos de complexidade social e sociológica, e administrativa, de relações de poder. Só que era tudo observável e daí o "Portugal dos Pequeninos"... Chegava-se, e com facilidade percebia-se, toda a cadeia do poder, toda a cadeia das decisões, todo tráfego de influências, toda a importância dos diferentes peões neste tabuleiro de xadrez: quem era quem, porque é que as coisas aconteciam desta maneira e não doutra...
Percebia-se, realmente, o funcionamento da máquina, que não era menos complexa do que a máquina de um sítio maior, visto que tinha entradas muito diferentes e variadas. Não era, portanto, uma pequena cidade, era uma cidade pequena, que hoje é diferente, onde a complexidade só variava de grau, mas era exactamente do mesmo tipo.
Cito um sociólogo que dizia que, para as conhecer melhor as cidades, visitava as respectivas traseiras. Macau é uma cidade para ver assim?...
Tem umas traseiras muito compostas... Às vezes, tenho a sensação contraditória de que passei por aqui e que um dia alguém, um romancista, por exemplo, me há-de contar o que aconteceu... - comigo distraído...
Macau tem uma complexidade muito grande, que não estou a fantasiar. Penso que acontecem em Macau coisas do "arco da velha..."
Que ainda o surprendem em cada instante?...
Às quais não tenho acesso. Para já, eu não sou um coleccionador, nem um homem da noite... O exercício da minha profissão enche-me de tal maneira o tempo, que não há que me sobre para a ser um homem da noite, um homem "curioso", um homem de andar a ver o que se passa e a armazenar enredos político-sociais locais...
Contam-me, lembram-me, rio-me, reajo, guardo uma coisa ou outra, depois esqueço... Depois contam-me outra vez... "ah, é verdade, já me tinham contado isso, tinha-me esquecido..." Não sou, nesse aspecto, o mais disponível para contar histórias de Macau. Tenho, contudo, a sensação e, às vezes isso lixa-me completamente, que um dia hão-de contar-me coisas que se passaram em Macau, aqui e agora, neste preciso momento... "Olha que pena! Eu estava lá e nunca dei por isso... E é bastante divertido..."
São traseiras da acção, daquele gajo que cozeu uma família, que a deitou fora, ou que a comeu, ou que a serviu num restaurante... Eu estava cá e estava cá uma amiga minha suiça, para aí há uns dez anos, que era jornalista em Genève, e começaram a aparecer dedos das mãos, de várias mãos, não eram todos da mesma mão, na praia de Hac Sa... Achou-se que sim, que tinham aparecido dedos das mãos na praia de Hac Sa... Isto já é muito revelador da atitude local, da sensibilidade local: "olha, apareceram dedos na praia de Hac Sa!..." A gente já está à espera do imprevisível, do imprevisto, do esquisito...
Ela era suiça, olhou para mim, espantadíssima, muito excitada: "então, estão a aparecer dedos na praia tal..." "Ah, sim senhor, estão a aparecer dedos, que engraçado, que interessante, claro..." E eu disse-lhe: "ouve lá, se aparecesse uma unha do pé no lago de Genève, não se falava noutra coisa e já estavam não sei quantos suiços à volta do lago a ver se aparecia outra unha... Aqui aparecem bocados de dedos e de mãos e vocês encolhem os ombros e dizem: onde é que a gente vai jantar?..."
Isto para dizer que continuam a acontecer coisas em Macau, no "bas fond" de Macau, também nos jogos de poder e da política, quem é quem, quem é que influencia o quê, porque é que não sei quem disse aquilo num determinado sítio, em vez de dizer outra coisa qualquer?..." São uns meandros tais que eu, realmente, não sei o que é que se passa, também não sei o que se passa no mundo obscuro dos vícios privados ou dos vícios públicos... E tenho a certeza de que Macau é um sítio que dava para não sei quantos romancistas talentosos escreverem não sei quantos romances - e todos teriam agarrado um bocado da realidade de Macau.
Se um budista fizesse aqui um romance, tinha os mesmos argumentos-base de um católico?.
Não sei qual é a vitalidade do catolicismo chinês local. Não sei qual é a vitalidade do budismo tauísta aqui... Não sei... Sei muito pouco de Macau, paradoxalmente, mas penso que a maior parte das pessoas sabe muito pouco desta terra...
Do ponto de vista das religiões as coisas não são fáceis. Do ponto de vista das culturas, são heterogéneas. Do ponto de vista da história, é variada. E a arquitectura, neste contexto, onde as variantes são tão grandes e também ela heterogénea... Que ordem é possível pôr na arquitectura que é, ela própria, um universo espantoso de variedade?...
Se calhar é um pouco a transição de tudo isso, de todas essas contradições, de todas essas dificuldades. Raramente um projecto meu acaba como o projectei... Durante a obra tenho que fazer tanta ginástica, tantas habilidades e tantas piruetas para conseguir recuperar a coerência que, de facto, o grau de coincidência entre um edifício aqui acabado e o projecto em que ele se baseou é, com certeza, muito menor do que na Europa ou na América.
Na Alemanha deve ser 100%, em França são 80, na América também devem ser 89 ou 90%...
E aqui?...
Aqui... anda nos 20%!... Sobretudo, por causa das manigâncias, dos jogos dos empreiteiros, dos jogos das fiscalizações, dos jogos da má execução, dos jogos da incompreensão, das coisas que esgotam de repente no mercado e de que têm que se arranjar substituições. Dos próprios desejos do cliente que, à última hora, quer as coisas de uma maneira, em vez doutra...
É um caminho acidentado, é um caminho que transcreve bastante todos os condicionamentos. Ainda que não tivesse outra especificidade, a arquitectura de Macau tem essa de situar sempre numa zona quase improvável, para a qual é preciso um treino muito especial para conseguir levar uma obra até ao fim.
Não é qualquer arquitecto, por mais experiente e mais competente que seja, que é capaz de sobreviver no meio desta bagunça, deste bordel. Por exemplo, o projecto da TDM (Televisão de Macau - que começou a funcionar há doze anos) foi feito no fim de 83, começou a ser realizado ao mesmo tempo que a obra e foi sendo acrescentado, modificado, à medida que a obra prosseguia...
Começou por ser uma garagem para meter o carro de exteriores, com um pequeno estúdio ao lado, e acabou num complexo...
Arq. Manuel Vicente (para concluir o seu depoimento):
Mas então, para depois de 1999, quais são as expectativas dos macaenses?
Sei lá... O futuro a Deus pertence. Ninguém sabe, realmente, nem os próprios chineses, nem o governo central da China, o que vai acontecer aqui. Acho que qualquer previsão que se faça, optimista ou pessimista, é equivalente e, portanto, não vale a pena pensar nisso...
Imagine agora que tem na sua frente uma assembleia de jovens arquitectos. Estamos perante uma realidade que é Macau. O que é que gostaria de lhes dizer?
Aquilo que sei foi-me ensinado, não me foi revelado, não me apareceu em cima de uma azinheira... Muito daquilo que sei aprendi em Macau. Também ninguém me ensinou, aprendi com a prática, com a vida, à maneira que os problemas foram aparecendo...
Cito alguém que estimo, que é uma mulher de reputação internacional, e que dizia que "há uma grande energia criativa no tentar transformar aquilo de que se não gosta em algo de que se gosta..."
Acho que a prática de Macau é a gente, como na história do samba, dar a volta por cima. É encontrar sempre o modo de transformar a adversidade numa força concordante. O que é muito oriental: o inimigo vem com uma força bestial, esquiva-se, aproveita a força com que ele vem, "dá-lhe uma ajudinha" e ele estatela-se no chão... Em Macau, tem que se trabalhar nessa base.
Há uma grande presença da realidade, uma presença muito forte, inegável. Não há torres de marfim, não há sítios por onde fugir, não há tertúlias, não há sítios onde nos possamos reunir todos... São todos uns animais, tirando nós... Isto é tudo uma vida muito real, muito concreta. Temos que negociar o nosso desejo com o desejo dos outros, à custa de argúcia, de trinta mil truques, de habilidades diplomáticas e políticas... Negociar o nosso projecto, não falo do projecto de arquitectura, digo o nosso projecto em geral. É uma aprendizagem de valor universal.
Macau é um laboratório?
Macau não é um laboratório. Macau é um museu.
Quando vim para cá, chamavam-lhe o "Portugal dos Pequeninos". Em termos de complexidade social e sociológica, e administrativa, de relações de poder. Só que era tudo observável e daí o "Portugal dos Pequeninos"... Chegava-se, e com facilidade percebia-se, toda a cadeia do poder, toda a cadeia das decisões, todo tráfego de influências, toda a importância dos diferentes peões neste tabuleiro de xadrez: quem era quem, porque é que as coisas aconteciam desta maneira e não doutra...
Percebia-se, realmente, o funcionamento da máquina, que não era menos complexa do que a máquina de um sítio maior, visto que tinha entradas muito diferentes e variadas. Não era, portanto, uma pequena cidade, era uma cidade pequena, que hoje é diferente, onde a complexidade só variava de grau, mas era exactamente do mesmo tipo.
Cito um sociólogo que dizia que, para as conhecer melhor as cidades, visitava as respectivas traseiras. Macau é uma cidade para ver assim?...
Tem umas traseiras muito compostas... Às vezes, tenho a sensação contraditória de que passei por aqui e que um dia alguém, um romancista, por exemplo, me há-de contar o que aconteceu... - comigo distraído...
Macau tem uma complexidade muito grande, que não estou a fantasiar. Penso que acontecem em Macau coisas do "arco da velha..."
Que ainda o surprendem em cada instante?...
Às quais não tenho acesso. Para já, eu não sou um coleccionador, nem um homem da noite... O exercício da minha profissão enche-me de tal maneira o tempo, que não há que me sobre para a ser um homem da noite, um homem "curioso", um homem de andar a ver o que se passa e a armazenar enredos político-sociais locais...
Contam-me, lembram-me, rio-me, reajo, guardo uma coisa ou outra, depois esqueço... Depois contam-me outra vez... "ah, é verdade, já me tinham contado isso, tinha-me esquecido..." Não sou, nesse aspecto, o mais disponível para contar histórias de Macau. Tenho, contudo, a sensação e, às vezes isso lixa-me completamente, que um dia hão-de contar-me coisas que se passaram em Macau, aqui e agora, neste preciso momento... "Olha que pena! Eu estava lá e nunca dei por isso... E é bastante divertido..."
São traseiras da acção, daquele gajo que cozeu uma família, que a deitou fora, ou que a comeu, ou que a serviu num restaurante... Eu estava cá e estava cá uma amiga minha suiça, para aí há uns dez anos, que era jornalista em Genève, e começaram a aparecer dedos das mãos, de várias mãos, não eram todos da mesma mão, na praia de Hac Sa... Achou-se que sim, que tinham aparecido dedos das mãos na praia de Hac Sa... Isto já é muito revelador da atitude local, da sensibilidade local: "olha, apareceram dedos na praia de Hac Sa!..." A gente já está à espera do imprevisível, do imprevisto, do esquisito...
Ela era suiça, olhou para mim, espantadíssima, muito excitada: "então, estão a aparecer dedos na praia tal..." "Ah, sim senhor, estão a aparecer dedos, que engraçado, que interessante, claro..." E eu disse-lhe: "ouve lá, se aparecesse uma unha do pé no lago de Genève, não se falava noutra coisa e já estavam não sei quantos suiços à volta do lago a ver se aparecia outra unha... Aqui aparecem bocados de dedos e de mãos e vocês encolhem os ombros e dizem: onde é que a gente vai jantar?..."
Isto para dizer que continuam a acontecer coisas em Macau, no "bas fond" de Macau, também nos jogos de poder e da política, quem é quem, quem é que influencia o quê, porque é que não sei quem disse aquilo num determinado sítio, em vez de dizer outra coisa qualquer?..." São uns meandros tais que eu, realmente, não sei o que é que se passa, também não sei o que se passa no mundo obscuro dos vícios privados ou dos vícios públicos... E tenho a certeza de que Macau é um sítio que dava para não sei quantos romancistas talentosos escreverem não sei quantos romances - e todos teriam agarrado um bocado da realidade de Macau.
Se um budista fizesse aqui um romance, tinha os mesmos argumentos-base de um católico?.
Não sei qual é a vitalidade do catolicismo chinês local. Não sei qual é a vitalidade do budismo tauísta aqui... Não sei... Sei muito pouco de Macau, paradoxalmente, mas penso que a maior parte das pessoas sabe muito pouco desta terra...
Do ponto de vista das religiões as coisas não são fáceis. Do ponto de vista das culturas, são heterogéneas. Do ponto de vista da história, é variada. E a arquitectura, neste contexto, onde as variantes são tão grandes e também ela heterogénea... Que ordem é possível pôr na arquitectura que é, ela própria, um universo espantoso de variedade?...
Se calhar é um pouco a transição de tudo isso, de todas essas contradições, de todas essas dificuldades. Raramente um projecto meu acaba como o projectei... Durante a obra tenho que fazer tanta ginástica, tantas habilidades e tantas piruetas para conseguir recuperar a coerência que, de facto, o grau de coincidência entre um edifício aqui acabado e o projecto em que ele se baseou é, com certeza, muito menor do que na Europa ou na América.
Na Alemanha deve ser 100%, em França são 80, na América também devem ser 89 ou 90%...
E aqui?...
Aqui... anda nos 20%!... Sobretudo, por causa das manigâncias, dos jogos dos empreiteiros, dos jogos das fiscalizações, dos jogos da má execução, dos jogos da incompreensão, das coisas que esgotam de repente no mercado e de que têm que se arranjar substituições. Dos próprios desejos do cliente que, à última hora, quer as coisas de uma maneira, em vez doutra...
É um caminho acidentado, é um caminho que transcreve bastante todos os condicionamentos. Ainda que não tivesse outra especificidade, a arquitectura de Macau tem essa de situar sempre numa zona quase improvável, para a qual é preciso um treino muito especial para conseguir levar uma obra até ao fim.
Não é qualquer arquitecto, por mais experiente e mais competente que seja, que é capaz de sobreviver no meio desta bagunça, deste bordel. Por exemplo, o projecto da TDM (Televisão de Macau - que começou a funcionar há doze anos) foi feito no fim de 83, começou a ser realizado ao mesmo tempo que a obra e foi sendo acrescentado, modificado, à medida que a obra prosseguia...
Começou por ser uma garagem para meter o carro de exteriores, com um pequeno estúdio ao lado, e acabou num complexo...
As casas de penhores têm futuro?
Acho que sim!...
A próxima entrevista é com a Drª Margarida Rato.
Acho que sim!...
A próxima entrevista é com a Drª Margarida Rato.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
"Quarto de Despejo" - os mosquitos
Olá, Maria de Jesus! Cá estou - para que mais gente saiba...
Pilriteiro que dás pilritos. porque não dás coisa boa?
Cada um dá o que pode, conforme s sua pessoa
"...Ontem eu ganhei metade de uma cabeça de porco no Frigorífico. Comemos a carne e guardei os ossos. E hoje puis os ossos para ferver. E com o caldo fiz as batatas. Os meus filhos estão sempre com fome. Quando êles passam muita fome êles não são exigentes no paladar.
...Surgiu a noite. As estrelas estão ocultas. O barraco está cheio de pernilongos. Eu vou acender uma folha de jornal e passar pelas paredes. É assim que os favelados matam mosquitos."
Dominguiso - proposta de homenagem
Recôndito não é. Fica ali quase à ilharga da Covilhã, a menos de uma légua do Tortosendo, na Beira Baixa, ou, como gosto de dizer, nas Traseiras do Litoral, que é, para quem vive em Lisboa, uma forma de estar mais perto... Chamam-lhe DOMINGUISO.
Porquê? A modos que, ao certo, ninguém sabe. Eu próprio, quando era um pouco mais do que gaiato, andei pela Torre do Tombo a tentar saber coisas, mas falhei os desígnios... Não é importante. Sobretudo, para o que aqui me traz a estas Traseiras dos Saberes...
A terra, a fama que tem, deve-a, que se saiba, aos Farrapeiros que lhe deram estátua a glorificar décadas de trabalho. Ecológico, dir-se-ia hoje (bravo, presidente Simões de Almeida, a quem, penso, se ficou a dever a iniciativa).
Mas, sejamos justos: a nível económico, o Dominguiso é bastante mais do que isso. Podia, quase sem ajuda, listar nomes e ser sempre razoável.
Elejo, no entanto, Ezequiel Guilherme. Ezequiel Guilherme, homem simples, em tempo áureos, rival de muitos outros nos negócios e, até há bem pouco tempo, comerciante do tudo e do quase nada... Símbolo do trabalho que se dá como exemplo, às vezes, quase a anedota, mas sempre o esforço na saúde da concorrência.
Diz-se que, sem carta de condução, andou por montes e vales durante mais de 20 anos, mas uma coisa não são histórias: são os seus filhos (cinco) que, na região, honram a ascendência e são conhecidos também como gente grada (à qual não me liga nenhuma dependência, sublinhe-se) na área agro-alimentar, na hotelaria, na vinícola.
"Tranca da Barriga" é vinho com prestígio crescente; turismo na Serra da Estrela, conhece-o quem ama o ar livre e os desportos da neve; supermercados, quando não são, foram seus e deixaram marcas. A bondade das cerejas, famosas no país, são com eles uma evidência, mas é, sobretudo, o TRABALHO com passado que diz tudo.
Dezenas de anos de esforço familiar merecem uma homenagem pública simples a Ezequiel Guilherme. Sem mais rodeios, uma sugestão que pode ser um Acto de Cultura:
o nome de Ezequiel Guilherme para uma das ruas do Dominguiso, onde nasceu e foi inspiração para filhos que o honram e tantos outros.
"Cantando espalharei por toda a parte". E aqui fica, sem segredos, a sugestão, com destino à presidência da Câmara Municipal da Covilhã; presidente da Junta de Freguesia do Dominguiso; José Venâncio; Notícias da Covilhã; Jornal do Fundão; Rádio Beira Interior.
E, como é obvio, para os filhos de Ezequiel Guilherme de que não tenho endereço electrónico.
Com abraço cordial que a todos abranja. Marcial Alves.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Esgotos ou TGV?
O falecido e meu querido amigo, Dr. Quirino dos Santos Mealha, que, quando o conheci, já tinha sido Governador Civil de Beja, dizia, com graça, que, "no antigamente", o que os responsáveis autárquicos menos gostavam de mandar fazer era infra-estruturas subterrâneas.
Sempre quero ver em que é que ficamos com essa coisa do TGV... Sobretudo, agora - com o desastre da Madeira...
Sempre quero ver em que é que ficamos com essa coisa do TGV... Sobretudo, agora - com o desastre da Madeira...
Subsídios para a História - Macau 95 (XXII)
ENTREVISTA com o Arq. Manuel Vicente (cont.)
Como íamos dizendo...
Esse equipamento urbano e a valorização através de monumentos que agora parece que polvilham a cidade, são para ficar, é uma época, são padrões?... Estou a ver a cidade cheia de símbolos...
Não sou um grande entusiasta dessa política. O monumento é a cidade. Acho que o grande investimento é na cidade e não um pouco nesses fogos de artifício do monumento aqui, monumento acolá. A prova está um pouco feita: acho que nenhum dos monumentos que estão feitos tem uma qualidade, um interesse por aí além. São desiguais. Há uns um pouco melhores, há outros um pouco piores. Estão três feitos. Pelo que pude ler nos jornais, a iniciativa já mudou.
Neste momento, o próprio governo pediu à população que lhe sugerisse monumentos e sítios...Para o último monumento de que tenho conhecimento já foram consultados vários artistas e não foi escolhido nenhum...
Também me parece que fizeram uma encomenda qualquer - tudo aquilo me parece bastante inútil, não é que a arte tenha que ser útil - mas penso que não são gestos de necessidade, de desejo ou de vontade... São encomendas... Assim: "faça-me lá não sei quê, não sei para onde..."
E prédios de vinte e trinta andares que estão completamente vazios?...
Prédios completamente vazios significam política errada do governo que, unilateralmente, lançou uma série de hastas públicas, inflaccionando o custo dos terrenos de tal maneira que a seguir houve um excesso de oferta e não há procura com capacidade financeira para resolver...
E escolas sem população escolar?...
Isso terá a ver, provavelmente, com uma deficiente gestão dos equipamentos... Em Portugal, como se sabe, foi dito que havia escolas secundárias, liceus e hospitais abandonados que não eram ocupados por falta de verbas para os equipamentos...
Mas estes foram construídos nos últimos dez anos...
Penso que uns são problemas administrativos... Quando me diz que há escolas vazias não é por falta de população escolar, é, provavelmente, por falta de professores ou porque terão sido mal planeadas...
Ou estarão à espera que os prédios de 20/30 andares se encham?...
Não penso que seja isso... Penso que as escolas foram feitas em resposta a planos concretos, a projecções concretas dos Serviços de Educação, que decidiram que era necessária uma escola ali com uma capacidade X, Y ou Z. É evidente que, se calhar, houve uma avaliação deficiente de tudo isso, houve uma projecção de padrões europeus numa realidade que aqui é bem diferente.
Houve uma projecção de um sistema escolar centralizado, como é, se calhar, o sistema escolar português. Se calhar, o que há sempre é falta de maturidade, o que se verifica é amadorismo, falta de conhecimento dos problemas de um corpo de funcionários importado de dois em dois anos ou de três em três anos, que chega e toca o melhor que sabe e o melhor que sabe é aquilo que aprendeu na escola e tem a ver com realidades e padrões de referência que, eventualmente, não têm aplicação em Macau, onde é preciso ter muita imaginação, onde é preciso ter um conhecimento muito grande das chamadas especificidades locais, que passa por ser uma população etnicamente muito dividida, em limite, linguisticamente dividida, porque também há chineses que não falam cantonense. Modernamente, em Macau, só falam mandarim...
Por isto, por aquilo, por aqueloutro, porque há as escolas da igreja, porque há escolas dos grupos pró-China, porque havia as escolas pró-Taiwan (não sei se ainda há se não há...) porque havia as escolas inglesas da diocese e havia as escolas luso-chinesas do Serviço de Educação. É um panorama demasiadamente complexo para uma pessoa poder chegar aqui e dizer: "tem que haver uma escola primária por cada 300 fogos ou por cada 25 famílias..." Se calhar, no fim, fizeram-se escolas com esse critério... Não sei...
O que lhe sei dizer é que Macau tem um elevado índice de escolaridade, que a população tem muito bom aspecto... Vê-se sempre uma data de miúdos na rua bastante bem vestidos, com o seu "blazerzinho" azul e elas com bibe branco e, portanto, nesse aspecto, o que possa haver de disparate de planificação é da responsabilidade, de facto, das verduras das pessoas que chegam, têm o rei na barriga e acham que sabem tudo e começam a mandar fazer como sabem...
Não estamos também em presença de um fenómeno de especulação imobiliária?
Isso estamos sempre... Até nas economias mais desenvolvidas e mais estáveis, a imobiliária é sempre um dos indicadores mais fortes da saúde ou da doença daquela economia.
Macau não tem produção nenhuma, importa tudo o que consome e exporta tudo o que produz. O que se produz em Macau não é aqui consumido, é exportado. Macau também importa as crises e tem que viver com elas. Tem uma grande fragilidade, uma massa específica pequena a todos os níveis... Penso, no entanto, que a Administração poderia ter prevenido, através de uma política menos ingénua, a gravidade que a situação atingiu.
Acho que a questão das hastas públicas é uma arma de dois gumes, aparentemente, é uma transparência, no caso específico de Macau, se calhar, é uma imprudência, porque vai acontecer no momento em que havia uma enorme corrupção na China e que toda a gente sabia que Macau era uma enorme lavandaria dos dinheiros esquisitos chineses.
É evidente que, quando se querem branquear dinheiros esquisitos chineses não se olha ao preço, quer-se é ter uma justificação qualquer para aquele dinheiro e compra-se um terreno por não importa qual preço... A seguir é obrigatório construir nesse terreno, claro.
Tudo isso ainda continua a ser uma operação possível dentro das facilidades de crédito que havia e dentro das origens um pouco estranhas do dinheiro. Superabundava... Isso levou a uma situação que, neste momento, não tem resolução a curto prazo. A oferta que a imobiliária tem para fazer não tem procura correspondente, sobretudo, em termos de custos que foram atingidos a partir da especulação realizada sobre os terrenos.
O imobiliário é o novo "casino"?...
Macau e a economia do Delta é sempre um "casino"... Quando eu cheguei cá, em 62, havia um homem a vender camisas para a Dinamarca. Ao fim de três meses, havia cinquenta... Ao fim de seis meses, estavam todos falidos, porque a Dinamarca comprava as camisas de um homem, não comprava as camisas de cinquenta... Foram todos fazer outra coisa...
E, nesse contexto, o aeroporto?...
Não faço ideia nenhuma. Eu estava muito entusiasmado, porque parecia-me que o aeroporto era uma boa aposta, porque tinha, simultaneamente, um aeroporto internacional e um aeroporto doméstico. Portanto, Macau era um aeroporto internacional da China, onde uma pessoa andava uns passos, pegava na mala e voava para qualquer cidade chinesa.
É evidente que, paralelamente com isto estava a construir-se o aeroporto de Zhuhai... Neste momento, há uma proibição um pouco artificial do governo central chinês da utilização do aeroporto de Zhuhai para voos internacionais, mas não sei se vai aguentar essa pressão. Li, entretanto, um dia destes, que Zhuhai faz parte dos três aeroportos da China que podem receber o Concorde... Isto quer dizer qualquer coisa... Parece-me muito artificial e muito contra natura manter-se esse aeroporto doméstico e pôr Macau como aeroporto internacional... Mas já está está feito, já está feito... Alguma coisa há-de acontecer... Nem que seja ser urbanizado...
No fundo, o seu futuro não me preocupa muito: não se ficou a dever dinheiro a ninguém, não se criou um ónus para a população de Macau com a construção daquele aeroporto. Está ali, está ali... É como o Porto Exterior: esteve lá durante 30 anos e não aconteceu mais nada... Agora já tem duas cidades em cima... Os aterros do Porto Exterior foram feitos com grande esforço: vieram os holandeses fazer os diques e havia uns marinheiros inteligentíssimos que diziam que aquilo ía ser o porto de águas profundas de Macau. Depois não foi, já lá tem cidades em cima... A Acabou em 35, estamos em 95... Sessenta anos depois são duas cidades. Uma ainda está vazia, mas há-de encher-se. A outra está cheia...
(cont.)
Como íamos dizendo...
Esse equipamento urbano e a valorização através de monumentos que agora parece que polvilham a cidade, são para ficar, é uma época, são padrões?... Estou a ver a cidade cheia de símbolos...
Não sou um grande entusiasta dessa política. O monumento é a cidade. Acho que o grande investimento é na cidade e não um pouco nesses fogos de artifício do monumento aqui, monumento acolá. A prova está um pouco feita: acho que nenhum dos monumentos que estão feitos tem uma qualidade, um interesse por aí além. São desiguais. Há uns um pouco melhores, há outros um pouco piores. Estão três feitos. Pelo que pude ler nos jornais, a iniciativa já mudou.
Neste momento, o próprio governo pediu à população que lhe sugerisse monumentos e sítios...Para o último monumento de que tenho conhecimento já foram consultados vários artistas e não foi escolhido nenhum...
Também me parece que fizeram uma encomenda qualquer - tudo aquilo me parece bastante inútil, não é que a arte tenha que ser útil - mas penso que não são gestos de necessidade, de desejo ou de vontade... São encomendas... Assim: "faça-me lá não sei quê, não sei para onde..."
E prédios de vinte e trinta andares que estão completamente vazios?...
Prédios completamente vazios significam política errada do governo que, unilateralmente, lançou uma série de hastas públicas, inflaccionando o custo dos terrenos de tal maneira que a seguir houve um excesso de oferta e não há procura com capacidade financeira para resolver...
E escolas sem população escolar?...
Isso terá a ver, provavelmente, com uma deficiente gestão dos equipamentos... Em Portugal, como se sabe, foi dito que havia escolas secundárias, liceus e hospitais abandonados que não eram ocupados por falta de verbas para os equipamentos...
Mas estes foram construídos nos últimos dez anos...
Penso que uns são problemas administrativos... Quando me diz que há escolas vazias não é por falta de população escolar, é, provavelmente, por falta de professores ou porque terão sido mal planeadas...
Ou estarão à espera que os prédios de 20/30 andares se encham?...
Não penso que seja isso... Penso que as escolas foram feitas em resposta a planos concretos, a projecções concretas dos Serviços de Educação, que decidiram que era necessária uma escola ali com uma capacidade X, Y ou Z. É evidente que, se calhar, houve uma avaliação deficiente de tudo isso, houve uma projecção de padrões europeus numa realidade que aqui é bem diferente.
Houve uma projecção de um sistema escolar centralizado, como é, se calhar, o sistema escolar português. Se calhar, o que há sempre é falta de maturidade, o que se verifica é amadorismo, falta de conhecimento dos problemas de um corpo de funcionários importado de dois em dois anos ou de três em três anos, que chega e toca o melhor que sabe e o melhor que sabe é aquilo que aprendeu na escola e tem a ver com realidades e padrões de referência que, eventualmente, não têm aplicação em Macau, onde é preciso ter muita imaginação, onde é preciso ter um conhecimento muito grande das chamadas especificidades locais, que passa por ser uma população etnicamente muito dividida, em limite, linguisticamente dividida, porque também há chineses que não falam cantonense. Modernamente, em Macau, só falam mandarim...
Por isto, por aquilo, por aqueloutro, porque há as escolas da igreja, porque há escolas dos grupos pró-China, porque havia as escolas pró-Taiwan (não sei se ainda há se não há...) porque havia as escolas inglesas da diocese e havia as escolas luso-chinesas do Serviço de Educação. É um panorama demasiadamente complexo para uma pessoa poder chegar aqui e dizer: "tem que haver uma escola primária por cada 300 fogos ou por cada 25 famílias..." Se calhar, no fim, fizeram-se escolas com esse critério... Não sei...
O que lhe sei dizer é que Macau tem um elevado índice de escolaridade, que a população tem muito bom aspecto... Vê-se sempre uma data de miúdos na rua bastante bem vestidos, com o seu "blazerzinho" azul e elas com bibe branco e, portanto, nesse aspecto, o que possa haver de disparate de planificação é da responsabilidade, de facto, das verduras das pessoas que chegam, têm o rei na barriga e acham que sabem tudo e começam a mandar fazer como sabem...
Não estamos também em presença de um fenómeno de especulação imobiliária?
Isso estamos sempre... Até nas economias mais desenvolvidas e mais estáveis, a imobiliária é sempre um dos indicadores mais fortes da saúde ou da doença daquela economia.
Macau não tem produção nenhuma, importa tudo o que consome e exporta tudo o que produz. O que se produz em Macau não é aqui consumido, é exportado. Macau também importa as crises e tem que viver com elas. Tem uma grande fragilidade, uma massa específica pequena a todos os níveis... Penso, no entanto, que a Administração poderia ter prevenido, através de uma política menos ingénua, a gravidade que a situação atingiu.
Acho que a questão das hastas públicas é uma arma de dois gumes, aparentemente, é uma transparência, no caso específico de Macau, se calhar, é uma imprudência, porque vai acontecer no momento em que havia uma enorme corrupção na China e que toda a gente sabia que Macau era uma enorme lavandaria dos dinheiros esquisitos chineses.
É evidente que, quando se querem branquear dinheiros esquisitos chineses não se olha ao preço, quer-se é ter uma justificação qualquer para aquele dinheiro e compra-se um terreno por não importa qual preço... A seguir é obrigatório construir nesse terreno, claro.
Tudo isso ainda continua a ser uma operação possível dentro das facilidades de crédito que havia e dentro das origens um pouco estranhas do dinheiro. Superabundava... Isso levou a uma situação que, neste momento, não tem resolução a curto prazo. A oferta que a imobiliária tem para fazer não tem procura correspondente, sobretudo, em termos de custos que foram atingidos a partir da especulação realizada sobre os terrenos.
O imobiliário é o novo "casino"?...
Macau e a economia do Delta é sempre um "casino"... Quando eu cheguei cá, em 62, havia um homem a vender camisas para a Dinamarca. Ao fim de três meses, havia cinquenta... Ao fim de seis meses, estavam todos falidos, porque a Dinamarca comprava as camisas de um homem, não comprava as camisas de cinquenta... Foram todos fazer outra coisa...
E, nesse contexto, o aeroporto?...
Não faço ideia nenhuma. Eu estava muito entusiasmado, porque parecia-me que o aeroporto era uma boa aposta, porque tinha, simultaneamente, um aeroporto internacional e um aeroporto doméstico. Portanto, Macau era um aeroporto internacional da China, onde uma pessoa andava uns passos, pegava na mala e voava para qualquer cidade chinesa.
É evidente que, paralelamente com isto estava a construir-se o aeroporto de Zhuhai... Neste momento, há uma proibição um pouco artificial do governo central chinês da utilização do aeroporto de Zhuhai para voos internacionais, mas não sei se vai aguentar essa pressão. Li, entretanto, um dia destes, que Zhuhai faz parte dos três aeroportos da China que podem receber o Concorde... Isto quer dizer qualquer coisa... Parece-me muito artificial e muito contra natura manter-se esse aeroporto doméstico e pôr Macau como aeroporto internacional... Mas já está está feito, já está feito... Alguma coisa há-de acontecer... Nem que seja ser urbanizado...
No fundo, o seu futuro não me preocupa muito: não se ficou a dever dinheiro a ninguém, não se criou um ónus para a população de Macau com a construção daquele aeroporto. Está ali, está ali... É como o Porto Exterior: esteve lá durante 30 anos e não aconteceu mais nada... Agora já tem duas cidades em cima... Os aterros do Porto Exterior foram feitos com grande esforço: vieram os holandeses fazer os diques e havia uns marinheiros inteligentíssimos que diziam que aquilo ía ser o porto de águas profundas de Macau. Depois não foi, já lá tem cidades em cima... A Acabou em 35, estamos em 95... Sessenta anos depois são duas cidades. Uma ainda está vazia, mas há-de encher-se. A outra está cheia...
(cont.)
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Se eu mandasse... (I)
Se eu mandasse, trabalhava para melhorar as bordas. De alto a baixo, as bordas que fazem de Portugal o litoral da Europa.
Simultaneamente, apoiaria, nas bordas que dão para Espanha, o melhoramento turístico de todas as localidades, com ou sem floresta.
Do Porto e arredores, valorizaria as colinas viradas para o Doiro, cujo produto acabado, de resto, pode dizer-se em linguagem plebeia, o mundo já mama...
De Lisboa, faria, sem escândalo público, a vagina do país em parto permanente. Se necessário, assistido pelos nossos melhores bancos...
É tudo. De qualquer modo, penso que o epígrafe merece... Na certeza de que, deste lado, não há ninguém de vida fácil, aproximem-se os internautas e digam: se eu mandasse...
Simultaneamente, apoiaria, nas bordas que dão para Espanha, o melhoramento turístico de todas as localidades, com ou sem floresta.
Do Porto e arredores, valorizaria as colinas viradas para o Doiro, cujo produto acabado, de resto, pode dizer-se em linguagem plebeia, o mundo já mama...
De Lisboa, faria, sem escândalo público, a vagina do país em parto permanente. Se necessário, assistido pelos nossos melhores bancos...
É tudo. De qualquer modo, penso que o epígrafe merece... Na certeza de que, deste lado, não há ninguém de vida fácil, aproximem-se os internautas e digam: se eu mandasse...
(In)voluntariado
Naquele andar alugado da avenida de Berna, em Lisboa, funcionava uma repartição do Exército que, salvo erro, dependia da Administração Militar. Dirigia-a um simpático brigadeiro, mas o responsável pela assoalhada onde funcionava a chamada biblioteca era um capitão que ía lá uma vez ou duas por semana ver "em que paravam as modas." Fui, assim, durante meses, por determinação não sei de quem, seu "adjunto" para as (raras) entradas e saídas de livros verificadas.
Entretanto, se a tropa (involuntária) não conseguiu fazer de mim um cidadão como devia ser, a verdade é que, a altura e as circunstâncias, desde logo facilmente perceptíveis, se conjugaram para a sublimação da velha máxima "patrão fora, dia santo na loja..." Os livros de estratégia militar não me pareciam aliciantes, os Diários do Exército não me melhoravam as eventuais sabedorias, os livros de ficção não abundavam, os dicionários serviam para os que tinham dúvidas, os jornais que chegavam, lia-se um e, talvez por causa da Censura, ficavam todos lidos. Donde...não havia que fazer...
Mas o capitão, esse, uma espécie de menstrução (semanal), lá ía aparecendo "conforme os regulamentos" e tendo justificar presenças e combater (pelos modos, sempre a ideia antiga do combate...) o tédio, inventou inventários semanais às estantes encostadas ao antigo quarto em que - dizia na porta... - era a Biblioteca, isto é, descontada a superfície de uma porta e da única janela existente, a assoalhada onde, depois de devidamente numerados, se encostavam à parede as edições que se recebiam uma vez por outra...
Ora eu que fora para ali sem me terem falado de dever, sem me terem ensinado nada, a não ser fazer continência e pouco mais, enquanto "cá fora" o dinheirinho que, entretanto, deixara de ganhar, fazia falta à família, nunca consegui CUMPRIR tão religiosamente como o "nosso capitão", semanal e regular presença (antecedida da ritual continência ao "nosso" brigadeiro).
Resultado, a cena semanal era sempre a mesma e, por razões óbvias, passou a não poder ser outra...
Vejamos o cenário:
De frente para a porta da "biblioteca", "livro de existências" poisado na secretária do "nosso capitão", a "voz de comando":
- "Livro número 24?
- 24?!... Sim, meu capitão: "Regulamento de Disciplina Militar de tantos do tal a tantos do tal..."
- Certo! Outro: livro número 25?
- 25?...
- Sim!!!
- Está aqui. É o "Anuário Militar de Mil Oitocentos e..."
-Exacto. Livro nº 28?
- 28,meu Capitão?
- Sim, 28!!!
- Não está...
- Não está?...
- Não, meu Capitão. Não o vejo...
- Lá está você... Veja bem!...
- Não está, meu Capitão!...
- Eu vou aí...
- Ah, meu Capitão, está aqui atrás... Não o via...
- Continuemos. Exemplar nº 46?
- "Ordens e Contra-ordens".
- Sim. 49?...
- 49? O que está a seguir é o 52...
- Irra! Veja bem...
- Tem razão, meu Capitão: "Segurança Interna".
- 61?
-61?... O que está aqui tem o número 57: "28 de Maio"...
- Qual "28 de Maio", qual história... Você não percebe nada disto!..."
E foi, semanalmente, sempre assim: fazer o capitão sentir-se útil ao País, dando-lhe "que fazer" - uma vez por semana.
Acabei transferido, no mesmo andar, para outra sala, onde a função era agora obedecer a um velho brigadeiro que, de pé e de um lado para o outro daquela assoalhada (quiçá, antiga sala de jantar...), me ditava, a partir das informações oficiais recebidas, as actualizações a fazer no chamado "Mapa da Força", que visava ser como que uma espécie de lista permanente das tropas disponíveis em caso de emergência...
Procurei cumprir. Mas nunca se chegou a saber se, realmente, os militares disponíveis eram os averbados...
Até que, com a passagem à reserva do brigadeiro-director daquele piso da avenida de Berna, em Lisboa, todos os que ali "trabalhavam" foram distinguidos com um louvor verbal. Eu também, claro. Tanto mais que, para que, nos fins-de-semana, a bandeira nacional fosse hasteada como mandavam as regras, pagava dez escudos a um menos graduado que, por razões económicas, se ficava por Lisboa, sem nada para fazer.
Em resumo: cumpri mesmo! A Biblioteca funcionou; comigo, as Forças Armadas não revelaram debilidades e a bandeira nacional nunca deixou de estar hasteada quando a Honra o exigiu.
"Ditosa Pátria!..."
Entretanto, se a tropa (involuntária) não conseguiu fazer de mim um cidadão como devia ser, a verdade é que, a altura e as circunstâncias, desde logo facilmente perceptíveis, se conjugaram para a sublimação da velha máxima "patrão fora, dia santo na loja..." Os livros de estratégia militar não me pareciam aliciantes, os Diários do Exército não me melhoravam as eventuais sabedorias, os livros de ficção não abundavam, os dicionários serviam para os que tinham dúvidas, os jornais que chegavam, lia-se um e, talvez por causa da Censura, ficavam todos lidos. Donde...não havia que fazer...
Mas o capitão, esse, uma espécie de menstrução (semanal), lá ía aparecendo "conforme os regulamentos" e tendo justificar presenças e combater (pelos modos, sempre a ideia antiga do combate...) o tédio, inventou inventários semanais às estantes encostadas ao antigo quarto em que - dizia na porta... - era a Biblioteca, isto é, descontada a superfície de uma porta e da única janela existente, a assoalhada onde, depois de devidamente numerados, se encostavam à parede as edições que se recebiam uma vez por outra...
Ora eu que fora para ali sem me terem falado de dever, sem me terem ensinado nada, a não ser fazer continência e pouco mais, enquanto "cá fora" o dinheirinho que, entretanto, deixara de ganhar, fazia falta à família, nunca consegui CUMPRIR tão religiosamente como o "nosso capitão", semanal e regular presença (antecedida da ritual continência ao "nosso" brigadeiro).
Resultado, a cena semanal era sempre a mesma e, por razões óbvias, passou a não poder ser outra...
Vejamos o cenário:
De frente para a porta da "biblioteca", "livro de existências" poisado na secretária do "nosso capitão", a "voz de comando":
- "Livro número 24?
- 24?!... Sim, meu capitão: "Regulamento de Disciplina Militar de tantos do tal a tantos do tal..."
- Certo! Outro: livro número 25?
- 25?...
- Sim!!!
- Está aqui. É o "Anuário Militar de Mil Oitocentos e..."
-Exacto. Livro nº 28?
- 28,meu Capitão?
- Sim, 28!!!
- Não está...
- Não está?...
- Não, meu Capitão. Não o vejo...
- Lá está você... Veja bem!...
- Não está, meu Capitão!...
- Eu vou aí...
- Ah, meu Capitão, está aqui atrás... Não o via...
- Continuemos. Exemplar nº 46?
- "Ordens e Contra-ordens".
- Sim. 49?...
- 49? O que está a seguir é o 52...
- Irra! Veja bem...
- Tem razão, meu Capitão: "Segurança Interna".
- 61?
-61?... O que está aqui tem o número 57: "28 de Maio"...
- Qual "28 de Maio", qual história... Você não percebe nada disto!..."
E foi, semanalmente, sempre assim: fazer o capitão sentir-se útil ao País, dando-lhe "que fazer" - uma vez por semana.
Acabei transferido, no mesmo andar, para outra sala, onde a função era agora obedecer a um velho brigadeiro que, de pé e de um lado para o outro daquela assoalhada (quiçá, antiga sala de jantar...), me ditava, a partir das informações oficiais recebidas, as actualizações a fazer no chamado "Mapa da Força", que visava ser como que uma espécie de lista permanente das tropas disponíveis em caso de emergência...
Procurei cumprir. Mas nunca se chegou a saber se, realmente, os militares disponíveis eram os averbados...
Até que, com a passagem à reserva do brigadeiro-director daquele piso da avenida de Berna, em Lisboa, todos os que ali "trabalhavam" foram distinguidos com um louvor verbal. Eu também, claro. Tanto mais que, para que, nos fins-de-semana, a bandeira nacional fosse hasteada como mandavam as regras, pagava dez escudos a um menos graduado que, por razões económicas, se ficava por Lisboa, sem nada para fazer.
Em resumo: cumpri mesmo! A Biblioteca funcionou; comigo, as Forças Armadas não revelaram debilidades e a bandeira nacional nunca deixou de estar hasteada quando a Honra o exigiu.
"Ditosa Pátria!..."
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Grão a grão (IV)
Subsídios para a História - Macau 95 (XXI)
Decisões políticas inequívocamente tomadas por quem tinha que as tomar, em tempo oportuno, com ou sem audição dos que, nos diversos níveis e sectores, tinham o dever de falar, as entrevistas que aqui se revelam têm, como se deixa ver, com a vantagem do distanciamento, um único objectivo: reunir pontos de vista que possam ajudar a escrever a História de Macau.
Cheguem-se, portanto, à frente os historiadores. É o convite que se renova.
Continuemos, entretanto, devolvendo, para já, a palavra, não censurada, ao Arq. Manuel Vicente. As perguntas e as respostas:
Mas um arquitecto português faz em Macau arquitectura luso-chinesa ou faz uma arquitectura que poderá estar aqui ou nos arredores de Nova Iorque, ou mesmo naquela cidade?
Ao nível consciente, nunca parti - e acharia uma atitude paternalista - para a resolução de nenhum problema profissional que me tenha sido posto em Macau com pressupostos étnicos ou
"folclóricos". Sempre parti de um ponto de vista técnico, da específica técnica, da minha específica formação profissonal. Aí compreendo a minha idade, a minha origem, a minha formação...
Agora a um outro nível mais súbtil e mais difícil de quantificar, ou de ponderar, imagino que se nunca tivesse estado em Macau, não faria exactamente a mesma arquitectura que faço hoje. E que se a estiver a fazer para Lisboa não a farei - e já tenho feito e tenho tido lá alguns trabalhos - exactamente da mesma maneira como a faço em Macau.
Portanto, há a um nível inconsciente, onde se faz a fusão dos diferentes "inputs" que nós recebemos (visuais, vivenciais) e que está para além da decisão, da ideia, do imediato, do primeiro nível de consciência.
Mas quando se estão a recuperar zonas degradadas, há algumas "regras", algumas orientações, que ficam logo na cabeça?...
Procuro que a minha arquitectura seja pensada em contexto. O que é eu quero dizer com este chavão?!
É que a minha arquitectura procura sempre responder àquilo que possa deixar pontes para aquilo que possa vir a ser. É sempre um programa de abordagem de qualquer problema profissional que me ponham. Agora isso tem muito a ver também com o conceito de património e de herança...
Eu acho que herança é qualquer coisa que se recebe com uma responsabilidade que não é nada para uma pessoa pôr numa prateleira e dizer aqui está... Há aquele lema de "um futuro para o nosso passado", mas eu costumo dizer "um presente para o nosso passado". Acho o nosso presente, que a gente construiu com o passado, há-de ser o passado do nosso futuro, não é um passado pelo nosso futuro, que eu também costumo referir, em jeito de trocadilho.
Acho que temos obrigação de construir um passado para o nosso futuro. Não temos obrigação de construir o futuro. Seria abusivo. Temos visto algumas doutrinas, de algum modo, totalitárias, preocuparem-se muito com o futuro e acabarem por arranjar um presente miserável e sem futuro nenhum.
Preocupar-nos com o futuro pode ser uma grande tentação, mas pode ser uma tentação bastante abusiva.
Entendo que o que temos é que nos preocupar com o presente que é aquilo que devemos legar ao futuro. Temos que tomar conta do presente, porque se o não fizermos, ninguém o fará e o futuro ressentir-se-á por não ter um passado que valha a pena. Procuro criar um passado que valha a pena, dentro dos meus limitados meios e das minhas competências, para o nosso futuro.
Não aceito que o património seja algo de intocável, nunca aceitei, não é esse o meu ponto de vista, nem a minha posição. Procuro é que as várias intervenções que tenho feito no património acabem por fazer dele e do ligar onde ele se possa inserir (é uma qualificação difícil...).
Por vezes é melhor, não é uma questão de ser melhor ou ser pior... Algo que, de algum modo, marque uma aproximação histórica de um determinado momento da cidade, do tempo da cidade.
Estamos aqui - agora. Estamos a fazer algo. Não significa deitar tudo abaixo porque isso é recusar a continuidade e recusar o passado. Mas significa intervir dialecticamente sobre algo que exista, transformando-o em algo que contenha o que foi, mas que seja já outra coisa e que faça juntamente com o que está à volta em sintonia, em simpatia com o que temos em redor, outra coisa também do que está à volta.
Acha que Macau está a ter esse crescimento?
Não. As cidades, às vezes, reflectem os valores que lhe estão subjacentes. Penso que em Macau os valores dominantes, aquilo que faz correr os "samis" todos de Macau é mais frágil, tem menos sentido social do que o que acabo de referir. Não estou a dizer algo que seja único, mas estou a dizer que não é predominante em Macau. E dificilmente seria. Se nos debruçarmos um pouco sobre a sociologia do local e sobre a constituição étnica da população, também seria muito difícil que Macau tivesse atingido aquela maturidade e a tranquilidade de se olhar a si própria.
Toda a gente está aqui um pouco de passagem. Se olhar para a população chinesa, que é maioritária, é uma população que só um número pequeníssimo e reduzidíssimo é que tem mais de uma geração em Macau, ou que nasceu em Macau, ou que é filho de alguém que nasceu em Macau. Há menos chineses cujos pais nasceram em Macau do que portugueses cujos pais aqui nasceram.
Aí o percentual deve-se inverter drasticamente. Penso que, apesar de tudo, há mais macaenses e até, eventualmente, europeus, cujos pais já nasceram em Macau do que chineses que tenham nascido aqui. Ou então anda ela por ela... O grosso da população é recente, pós-Guerra ou até pós-Grupo dos Quatro ou pós-Queda de Mao.
Esta grande turbulência que tem marcado o século XX na China, talvez, em limite, maior até do que a turbulência que tem marcado outros sítios do mundo, com excepção de África, mas a China tem sido uma região marcada por mudanças muito drásticas.
O fim do Império não é uma uma mudança de regime, o Império da China era um modo de ser, era uma coisa que tinha séculos e séculos para trás. Não é propriamente a mudança de um regime monárquico por um regime repúblicano.
Depois houve a Revolução Socialista, a implantação do socialismo na China, as próprias querelas dentro desses diferentes modelos de implantação do socialismo. Neste momento, uma abertura é uma contradição grande: ter uma economia de mercado planificada, que são coisas irredutíveis .
Tudo isso provoca vagas de decidências, vagas de pessoas que caiem das posições de favor que tinham, de refugiados, digamos assim, de pessoas deslocadas.
E, em Macau, uma parte significativa da população é constituída, justamente, por pessoas da população chinesa deslocadas. Da população portuguesa, uma parte muito, muito significativa é constituida por funcionários públicos que têm contratos a prazo, que vêm aqui passar um, dois,três, quatro anos. Macau é também o seu destino último. É também um ponto de passagem.
Portanto, estamos a falar de uma cidade que é, para o melhor e para o pior, um ponto de transição. Nada disto é totalmente negativo, porque, se fosse, Macau era um sítio horroroso, e eu não acho que Macau o seja, acho que é um sítio bastante estimável.
E há obras significativas de portugueses no contexto de que acabou de falar, que, de certo modo, é o que enforma a sua acção? Podemos destacar nomes, não sei se, por exemplo, dos últimos dez anos?...
Considero que a Macau contemporânea, para mim, se me pergunta, e com a máxima franqueza, embora seja parte suspeito, dada a minha profissão e a minha intervenção concreta na sua configuração contemporânea, é, ainda assim e apesar de tudo, uma cidade muito interessante.
Poderá ter os seus excessos, poderá ter os seus betões armados a mais e árvores a menos, enfim, o que se queira, poderá estar mais ou menos dentro da moda ecologista que vigente ou não. Eu digo que é uma cidade real, respondendo muito a uma prática real, social, económica, financeira, política... Acho que éuma cidade que transcreve muito bem a sua própria realidade, a sua própria dinâmica social, económica e financeira e as particulares condições de ser, apesar de tudo, um espaço físico com estatuto colonial, governado por estrangeiros.
Há arquitectura assinada?...
Sim. Há arquitectura contemporânea em Macau, em certos casos, tão boa quanto noutro sítio qualquer. Em alguns casos, até melhor do que noutros locais.
É sempre pouco elegante, ou há uma convenção que impede que as pessoas falem de si próprias, mas devo dizer-lhe que um projecto que fiz, já em fins de 1979, para realojamento de população de barracas, com um programa mínimo, com um programa dos mais no osso que se possa imaginar, ganhou, recentemente, uma distinção bastante siginificativa: uma medalha de ouro da Organização Regional da União Internacional dos Arquitectos (UIA), que premiou esse meu projecto.
Esse projecto já tinha sido distinguido, ao longo dos anos, por publicações em várias revistas da especialidade estrangeiras. Portanto, repare, não é propriamente o sentido do labrego, nem dos pategos, nem de ladrões, nem de pessoas atrás do dinheiro fácil... Há realmente muito esforço, estimável, louvável, da parte do número suficiente e significativo de arquitectos portugueses que estabeleceram escritório em Macau e que têm, apesar de tudo, semeado pela cidade uma série de exemplos de arquitectura muito, muito interessante.
Pode citar nomes?...
Vicente Bravo Ferreira e o sócio dele Paulo Sommer, com os quais tive "atelier" junto, até 1983.Fizemos bastantes coisas em equipa e depois cada um seguiu o seu caminho. Eles os dois continuaram associados e eu mantive o meu "atelier" separado.
Há o Bruno Soares, que é um homem bastante prestigiado no território; há um arquitecto mais jovem e mais desigual, que é o Adalberto Ribeiro, mas que tem obras indescutivelmente interessantes.
Há uma mulher, a arquitecta Helena Pinto, que também tem uma série de obras interessantes.
Não quero excluir, mas isto também não é exactamente um bodo aos pobres: com certeza que há colegas meus a exercer em Macau que fazem muito má arquitectura, mas não vale a pena citá-los.Mas também há arquitectos que fazem um esforço bastante louvável. Certo é que as coisas não são fáceis para fazer o que quer que seja em Macau. É uma cidade onde o poder é muito burocratizado, onde há, por parte do poder económico, que normalmente é chinês, um receio de desagradar ao poder administrativo e ao poder político, que é português.
É, em suma, estamos perante uma cidade muito controlada, onde há grande medo do risco, onde acaba por ter que ser à força, mesmo que não seja por feitio, ou por escolha, muito conservador, com medo de arranjar problemas, chatices, dificuldades, que haja uma perseguição - não é que haja um pressecutório em Macau. Mas há dificuldades burocráticas imponderáveis, que são mais capazes de entravar um projecto interessante e inovador do que um projecto puramente conformista e que não ponha problemas a ninguém na sua aprovação.
É natural que para as pessoas que estão na zona de investimento que, apesar de tudo, está sempre cheia de surpresas, a economia de Macau seja muito volátil, muito frágil. A imobiliária é um sector importante desse movimento económico, desse movimento financeiro. É natural que as pessoas não queiram arranjar mais problemas do que aqueles que genuinamente não
podem evitar.
Portanto, os arquitectos não entram muito nesses problemas, entram se lhes resolverem problemas... Não é fácil em Macau construir, conceber, realizar qualquer coisa que fuja ao conformismo, a este tipo de modelo pré-estabelecidos, seguro e garantido de que não levanta chatices...
Portugal em Macau tem sido missão, pimenta, aventura, o quê?...
Acho que, ultimamente, tem sido burocracia com os seus pólos de dinheiro fácil, com os seus pólos de vida fácil, com os seus pòzinhos de desinteresse.... Eu não considero que a presença de Portugal em Macau tenha sido muito exaltante recentemente, salvo raros e honrosíssimas excepções. Há muito pouca gente que esteja aqui por afecto e entendo que até há uma grande recusa em estabelecer uma relação afectiva...
Há quem lhe chame caldo verde, isto é, dá um jeito ao estômago, mas não fortifica...
Sim, acho que as pessoas acabam por objectivar muito a razão da sua estada em Macau. Ganha-se melhor do que em Lisboa... Permite um certo à vontade...
Ganha três vezes mais e gasta duas vezes mais?...
Eu penso que, se calhar, gasta o mesmo e ganha três vezes mais... A não ser que tenha fantasias muito grandes... De qualquer modo, as pessoas também são menos solicitadas do que em Lisboa. Há menos sítios para onde ir...
Muitas vezes surge esta pergunta: "achas que ainda é possível fazer alguma coisa?..." E eu continuo a achar que sim. "Querer é poder". Ainda no outro dia disse isto publicamente. Que ainda é possível fazer muitas coisas interessantes, que não implicam, necessariamente, com a Declaração Conjunta, nem têm têm grande carga de política internacional, mas que, localmente, ainda se poderiam fazer muitas coisas, desde que se quisesse e soubesse...
Quando me faziam essa pergunta há dez anos, então parecia uma pergunta completamente abstrusa, porque eu há 10 anos diria: "pode-se fazer tudo...". Hoje não se pode fazer tudo, mas pode fazer-se muita coisa ainda, e essa muita coisa que se pode fazer vale a pena...
Tomara eu poder ter todas as energias para aquilo que posso - ou me permitem fazer. Teria muitíssimas coisas para concretizar em Macau - se me deixassem...
(cont.)
Cheguem-se, portanto, à frente os historiadores. É o convite que se renova.
Continuemos, entretanto, devolvendo, para já, a palavra, não censurada, ao Arq. Manuel Vicente. As perguntas e as respostas:
Mas um arquitecto português faz em Macau arquitectura luso-chinesa ou faz uma arquitectura que poderá estar aqui ou nos arredores de Nova Iorque, ou mesmo naquela cidade?
Ao nível consciente, nunca parti - e acharia uma atitude paternalista - para a resolução de nenhum problema profissional que me tenha sido posto em Macau com pressupostos étnicos ou
"folclóricos". Sempre parti de um ponto de vista técnico, da específica técnica, da minha específica formação profissonal. Aí compreendo a minha idade, a minha origem, a minha formação...
Agora a um outro nível mais súbtil e mais difícil de quantificar, ou de ponderar, imagino que se nunca tivesse estado em Macau, não faria exactamente a mesma arquitectura que faço hoje. E que se a estiver a fazer para Lisboa não a farei - e já tenho feito e tenho tido lá alguns trabalhos - exactamente da mesma maneira como a faço em Macau.
Portanto, há a um nível inconsciente, onde se faz a fusão dos diferentes "inputs" que nós recebemos (visuais, vivenciais) e que está para além da decisão, da ideia, do imediato, do primeiro nível de consciência.
Mas quando se estão a recuperar zonas degradadas, há algumas "regras", algumas orientações, que ficam logo na cabeça?...
Procuro que a minha arquitectura seja pensada em contexto. O que é eu quero dizer com este chavão?!
É que a minha arquitectura procura sempre responder àquilo que possa deixar pontes para aquilo que possa vir a ser. É sempre um programa de abordagem de qualquer problema profissional que me ponham. Agora isso tem muito a ver também com o conceito de património e de herança...
Eu acho que herança é qualquer coisa que se recebe com uma responsabilidade que não é nada para uma pessoa pôr numa prateleira e dizer aqui está... Há aquele lema de "um futuro para o nosso passado", mas eu costumo dizer "um presente para o nosso passado". Acho o nosso presente, que a gente construiu com o passado, há-de ser o passado do nosso futuro, não é um passado pelo nosso futuro, que eu também costumo referir, em jeito de trocadilho.
Acho que temos obrigação de construir um passado para o nosso futuro. Não temos obrigação de construir o futuro. Seria abusivo. Temos visto algumas doutrinas, de algum modo, totalitárias, preocuparem-se muito com o futuro e acabarem por arranjar um presente miserável e sem futuro nenhum.
Preocupar-nos com o futuro pode ser uma grande tentação, mas pode ser uma tentação bastante abusiva.
Entendo que o que temos é que nos preocupar com o presente que é aquilo que devemos legar ao futuro. Temos que tomar conta do presente, porque se o não fizermos, ninguém o fará e o futuro ressentir-se-á por não ter um passado que valha a pena. Procuro criar um passado que valha a pena, dentro dos meus limitados meios e das minhas competências, para o nosso futuro.
Não aceito que o património seja algo de intocável, nunca aceitei, não é esse o meu ponto de vista, nem a minha posição. Procuro é que as várias intervenções que tenho feito no património acabem por fazer dele e do ligar onde ele se possa inserir (é uma qualificação difícil...).
Por vezes é melhor, não é uma questão de ser melhor ou ser pior... Algo que, de algum modo, marque uma aproximação histórica de um determinado momento da cidade, do tempo da cidade.
Estamos aqui - agora. Estamos a fazer algo. Não significa deitar tudo abaixo porque isso é recusar a continuidade e recusar o passado. Mas significa intervir dialecticamente sobre algo que exista, transformando-o em algo que contenha o que foi, mas que seja já outra coisa e que faça juntamente com o que está à volta em sintonia, em simpatia com o que temos em redor, outra coisa também do que está à volta.
Acha que Macau está a ter esse crescimento?
Não. As cidades, às vezes, reflectem os valores que lhe estão subjacentes. Penso que em Macau os valores dominantes, aquilo que faz correr os "samis" todos de Macau é mais frágil, tem menos sentido social do que o que acabo de referir. Não estou a dizer algo que seja único, mas estou a dizer que não é predominante em Macau. E dificilmente seria. Se nos debruçarmos um pouco sobre a sociologia do local e sobre a constituição étnica da população, também seria muito difícil que Macau tivesse atingido aquela maturidade e a tranquilidade de se olhar a si própria.
Toda a gente está aqui um pouco de passagem. Se olhar para a população chinesa, que é maioritária, é uma população que só um número pequeníssimo e reduzidíssimo é que tem mais de uma geração em Macau, ou que nasceu em Macau, ou que é filho de alguém que nasceu em Macau. Há menos chineses cujos pais nasceram em Macau do que portugueses cujos pais aqui nasceram.
Aí o percentual deve-se inverter drasticamente. Penso que, apesar de tudo, há mais macaenses e até, eventualmente, europeus, cujos pais já nasceram em Macau do que chineses que tenham nascido aqui. Ou então anda ela por ela... O grosso da população é recente, pós-Guerra ou até pós-Grupo dos Quatro ou pós-Queda de Mao.
Esta grande turbulência que tem marcado o século XX na China, talvez, em limite, maior até do que a turbulência que tem marcado outros sítios do mundo, com excepção de África, mas a China tem sido uma região marcada por mudanças muito drásticas.
O fim do Império não é uma uma mudança de regime, o Império da China era um modo de ser, era uma coisa que tinha séculos e séculos para trás. Não é propriamente a mudança de um regime monárquico por um regime repúblicano.
Depois houve a Revolução Socialista, a implantação do socialismo na China, as próprias querelas dentro desses diferentes modelos de implantação do socialismo. Neste momento, uma abertura é uma contradição grande: ter uma economia de mercado planificada, que são coisas irredutíveis .
Tudo isso provoca vagas de decidências, vagas de pessoas que caiem das posições de favor que tinham, de refugiados, digamos assim, de pessoas deslocadas.
E, em Macau, uma parte significativa da população é constituída, justamente, por pessoas da população chinesa deslocadas. Da população portuguesa, uma parte muito, muito significativa é constituida por funcionários públicos que têm contratos a prazo, que vêm aqui passar um, dois,três, quatro anos. Macau é também o seu destino último. É também um ponto de passagem.
Portanto, estamos a falar de uma cidade que é, para o melhor e para o pior, um ponto de transição. Nada disto é totalmente negativo, porque, se fosse, Macau era um sítio horroroso, e eu não acho que Macau o seja, acho que é um sítio bastante estimável.
E há obras significativas de portugueses no contexto de que acabou de falar, que, de certo modo, é o que enforma a sua acção? Podemos destacar nomes, não sei se, por exemplo, dos últimos dez anos?...
Considero que a Macau contemporânea, para mim, se me pergunta, e com a máxima franqueza, embora seja parte suspeito, dada a minha profissão e a minha intervenção concreta na sua configuração contemporânea, é, ainda assim e apesar de tudo, uma cidade muito interessante.
Poderá ter os seus excessos, poderá ter os seus betões armados a mais e árvores a menos, enfim, o que se queira, poderá estar mais ou menos dentro da moda ecologista que vigente ou não. Eu digo que é uma cidade real, respondendo muito a uma prática real, social, económica, financeira, política... Acho que éuma cidade que transcreve muito bem a sua própria realidade, a sua própria dinâmica social, económica e financeira e as particulares condições de ser, apesar de tudo, um espaço físico com estatuto colonial, governado por estrangeiros.
Há arquitectura assinada?...
Sim. Há arquitectura contemporânea em Macau, em certos casos, tão boa quanto noutro sítio qualquer. Em alguns casos, até melhor do que noutros locais.
É sempre pouco elegante, ou há uma convenção que impede que as pessoas falem de si próprias, mas devo dizer-lhe que um projecto que fiz, já em fins de 1979, para realojamento de população de barracas, com um programa mínimo, com um programa dos mais no osso que se possa imaginar, ganhou, recentemente, uma distinção bastante siginificativa: uma medalha de ouro da Organização Regional da União Internacional dos Arquitectos (UIA), que premiou esse meu projecto.
Esse projecto já tinha sido distinguido, ao longo dos anos, por publicações em várias revistas da especialidade estrangeiras. Portanto, repare, não é propriamente o sentido do labrego, nem dos pategos, nem de ladrões, nem de pessoas atrás do dinheiro fácil... Há realmente muito esforço, estimável, louvável, da parte do número suficiente e significativo de arquitectos portugueses que estabeleceram escritório em Macau e que têm, apesar de tudo, semeado pela cidade uma série de exemplos de arquitectura muito, muito interessante.
Pode citar nomes?...
Vicente Bravo Ferreira e o sócio dele Paulo Sommer, com os quais tive "atelier" junto, até 1983.Fizemos bastantes coisas em equipa e depois cada um seguiu o seu caminho. Eles os dois continuaram associados e eu mantive o meu "atelier" separado.
Há o Bruno Soares, que é um homem bastante prestigiado no território; há um arquitecto mais jovem e mais desigual, que é o Adalberto Ribeiro, mas que tem obras indescutivelmente interessantes.
Há uma mulher, a arquitecta Helena Pinto, que também tem uma série de obras interessantes.
Não quero excluir, mas isto também não é exactamente um bodo aos pobres: com certeza que há colegas meus a exercer em Macau que fazem muito má arquitectura, mas não vale a pena citá-los.Mas também há arquitectos que fazem um esforço bastante louvável. Certo é que as coisas não são fáceis para fazer o que quer que seja em Macau. É uma cidade onde o poder é muito burocratizado, onde há, por parte do poder económico, que normalmente é chinês, um receio de desagradar ao poder administrativo e ao poder político, que é português.
É, em suma, estamos perante uma cidade muito controlada, onde há grande medo do risco, onde acaba por ter que ser à força, mesmo que não seja por feitio, ou por escolha, muito conservador, com medo de arranjar problemas, chatices, dificuldades, que haja uma perseguição - não é que haja um pressecutório em Macau. Mas há dificuldades burocráticas imponderáveis, que são mais capazes de entravar um projecto interessante e inovador do que um projecto puramente conformista e que não ponha problemas a ninguém na sua aprovação.
É natural que para as pessoas que estão na zona de investimento que, apesar de tudo, está sempre cheia de surpresas, a economia de Macau seja muito volátil, muito frágil. A imobiliária é um sector importante desse movimento económico, desse movimento financeiro. É natural que as pessoas não queiram arranjar mais problemas do que aqueles que genuinamente não
podem evitar.
Portanto, os arquitectos não entram muito nesses problemas, entram se lhes resolverem problemas... Não é fácil em Macau construir, conceber, realizar qualquer coisa que fuja ao conformismo, a este tipo de modelo pré-estabelecidos, seguro e garantido de que não levanta chatices...
Portugal em Macau tem sido missão, pimenta, aventura, o quê?...
Acho que, ultimamente, tem sido burocracia com os seus pólos de dinheiro fácil, com os seus pólos de vida fácil, com os seus pòzinhos de desinteresse.... Eu não considero que a presença de Portugal em Macau tenha sido muito exaltante recentemente, salvo raros e honrosíssimas excepções. Há muito pouca gente que esteja aqui por afecto e entendo que até há uma grande recusa em estabelecer uma relação afectiva...
Há quem lhe chame caldo verde, isto é, dá um jeito ao estômago, mas não fortifica...
Sim, acho que as pessoas acabam por objectivar muito a razão da sua estada em Macau. Ganha-se melhor do que em Lisboa... Permite um certo à vontade...
Ganha três vezes mais e gasta duas vezes mais?...
Eu penso que, se calhar, gasta o mesmo e ganha três vezes mais... A não ser que tenha fantasias muito grandes... De qualquer modo, as pessoas também são menos solicitadas do que em Lisboa. Há menos sítios para onde ir...
Muitas vezes surge esta pergunta: "achas que ainda é possível fazer alguma coisa?..." E eu continuo a achar que sim. "Querer é poder". Ainda no outro dia disse isto publicamente. Que ainda é possível fazer muitas coisas interessantes, que não implicam, necessariamente, com a Declaração Conjunta, nem têm têm grande carga de política internacional, mas que, localmente, ainda se poderiam fazer muitas coisas, desde que se quisesse e soubesse...
Quando me faziam essa pergunta há dez anos, então parecia uma pergunta completamente abstrusa, porque eu há 10 anos diria: "pode-se fazer tudo...". Hoje não se pode fazer tudo, mas pode fazer-se muita coisa ainda, e essa muita coisa que se pode fazer vale a pena...
Tomara eu poder ter todas as energias para aquilo que posso - ou me permitem fazer. Teria muitíssimas coisas para concretizar em Macau - se me deixassem...
(cont.)
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Ó culta! Ó culto!
Neve
Aos do Dominguiso, nas Traseiras do Litoral
Mal acordei, uma voz vinda do exterior, atravessou lençóis e mantas e gritou-me a novidade: está a nevar! Quase em pelota, saltei da cama e acerquei-me da janela. Nevava. Os telhados da aldeia testemunhavam de forma já exuberante o acontecimento.
Aprontei-me, vi a máquina fotográfica a olhar para mim com insistência e, quase sem pequeno almoço tomado, fiz-lhe a vontade: num ápice, quarenta fotografias "para a posteridade". Quase ninguém na rua.
Entretanto, a um dos que apareceu, a pergunta:
- Há quanto tempo não nevava aqui na aldeia?
- Há quinze dias... - disseram-me.
Engoli em seco: esta, se é festa, é para lisboeta que chega e quer tudo o que lhe saiba a fruta, lhe cheire a rosmaninho, lhe alegre o olhar, lhe satisfaça a gula.
Voltei a casa, puxei as orelhas à roupa da cama que deixara em desalinho, apaguei o aquecimento a óleo que comprara na cidade e fui-me à lenha fazer labareda. É a "refeição" que se deseja: neve entre giestas e chamas na lareira pronta a combater o gelo que se tenta escapar pelas frinchas das portas.
Conheço o encanto do embate, mas só um grande esforço de memória me leva a cenário idêntico ao que hoje me expulsou dos cobertores.
Parecido com isto, melhor do que isto, só a neve que vi cair em Lisboa. Não que fosse mais bonita... Não! Eu é que era muito mais novo e ainda gostava de brincar... Não, não é assim! Agora não gosto de brincar, é verdade, mas gosto de acordar e vir para a rua tirar retratos, como quem brinca, enquanto a fogueira, em tons de vermelho, amarelo e azul, ajuda à festa. Que, afinal, é sempre nova.
Mal acordei, uma voz vinda do exterior, atravessou lençóis e mantas e gritou-me a novidade: está a nevar! Quase em pelota, saltei da cama e acerquei-me da janela. Nevava. Os telhados da aldeia testemunhavam de forma já exuberante o acontecimento.
Aprontei-me, vi a máquina fotográfica a olhar para mim com insistência e, quase sem pequeno almoço tomado, fiz-lhe a vontade: num ápice, quarenta fotografias "para a posteridade". Quase ninguém na rua.
Entretanto, a um dos que apareceu, a pergunta:
- Há quanto tempo não nevava aqui na aldeia?
- Há quinze dias... - disseram-me.
Engoli em seco: esta, se é festa, é para lisboeta que chega e quer tudo o que lhe saiba a fruta, lhe cheire a rosmaninho, lhe alegre o olhar, lhe satisfaça a gula.
Voltei a casa, puxei as orelhas à roupa da cama que deixara em desalinho, apaguei o aquecimento a óleo que comprara na cidade e fui-me à lenha fazer labareda. É a "refeição" que se deseja: neve entre giestas e chamas na lareira pronta a combater o gelo que se tenta escapar pelas frinchas das portas.
Conheço o encanto do embate, mas só um grande esforço de memória me leva a cenário idêntico ao que hoje me expulsou dos cobertores.
Parecido com isto, melhor do que isto, só a neve que vi cair em Lisboa. Não que fosse mais bonita... Não! Eu é que era muito mais novo e ainda gostava de brincar... Não, não é assim! Agora não gosto de brincar, é verdade, mas gosto de acordar e vir para a rua tirar retratos, como quem brinca, enquanto a fogueira, em tons de vermelho, amarelo e azul, ajuda à festa. Que, afinal, é sempre nova.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Actualidade 3
1.O Sr. Sócrates na A.R.: "esta é a maior crise económica dos últimos 80 anos..."
2.O Sr. Sócrates na A.R.: "aceito ficar sem o meu 13º mês de ordenado..."
3.O Sr. Sócrates na A.R. não disse concordar com restrições nos proventos dos que, tendo exercido funções públicas, auferem agora "acumulações" escandalosas... *
* Um pedido aos meus amigos: podem, se quiserem, continuar a encher-me este espaço com "mails" que descrevem situações financeiramente escandalosas. Apareçam se isso vos dá felicidade...Mas, mas não vale a pena... Tomem-se de brios e de coragem cívica e reencaminha-nos, de preferência, para o Poder...
Para Belém, para S.Bento, para a Assembleia, para os Tribunais (o das Contas e os Outros...), para esses gajos que lá fora mandam nos bancos que mandam na gente, para a ONU, para o Conselho de Segurança, para onde quiserem... Não para mim que "vivo na maior crise económica dos últimos 80 anos" (que ainda não tenho...)."Please!"
A não ser que tenham tomado conhecimento que entre os meus livritos há um que dá pelo título "Dicionário de Calão". É de Albino Lapa e tem um razoável sortido de subsídios para palavras adequadas a, penso, quase todas as circunstâncias... Não fala de soluções, mas eu que, quando era mais novo, o experimentei, posso dizer-vos que, a seguir, senti um alivío... Houve uma vez que, apesar de tudo, desesperado, tive que ir ao Museu Bordalo Pinheiro fazer um gesto, mas isso foi um caso isolado... Fiquei com uma grande dor no braço - e acabou por não acontecer mais nada...
Façam com entenderem.
2.O Sr. Sócrates na A.R.: "aceito ficar sem o meu 13º mês de ordenado..."
3.O Sr. Sócrates na A.R. não disse concordar com restrições nos proventos dos que, tendo exercido funções públicas, auferem agora "acumulações" escandalosas... *
* Um pedido aos meus amigos: podem, se quiserem, continuar a encher-me este espaço com "mails" que descrevem situações financeiramente escandalosas. Apareçam se isso vos dá felicidade...Mas, mas não vale a pena... Tomem-se de brios e de coragem cívica e reencaminha-nos, de preferência, para o Poder...
Para Belém, para S.Bento, para a Assembleia, para os Tribunais (o das Contas e os Outros...), para esses gajos que lá fora mandam nos bancos que mandam na gente, para a ONU, para o Conselho de Segurança, para onde quiserem... Não para mim que "vivo na maior crise económica dos últimos 80 anos" (que ainda não tenho...)."Please!"
A não ser que tenham tomado conhecimento que entre os meus livritos há um que dá pelo título "Dicionário de Calão". É de Albino Lapa e tem um razoável sortido de subsídios para palavras adequadas a, penso, quase todas as circunstâncias... Não fala de soluções, mas eu que, quando era mais novo, o experimentei, posso dizer-vos que, a seguir, senti um alivío... Houve uma vez que, apesar de tudo, desesperado, tive que ir ao Museu Bordalo Pinheiro fazer um gesto, mas isso foi um caso isolado... Fiquei com uma grande dor no braço - e acabou por não acontecer mais nada...
Façam com entenderem.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Subsídios para a História - Macau 95 (XX)
Antes de iniciar a divulgação da segunda parte da entrevista com o Arq. Manuel Vicente (a quarta desta série), cumpre-me agradecer as generosas palavras que me têm chegado de amigos e conhecidos (algumas vindas de bem longe...) a propósito dos "Subsídios para a História" que tenho vindo a inserir neste espaço sem fronteiras.
Permita-se-me, entretanto, com o mesmo à vontade, que diga aos meus amigos FACEBOOK que, recém-chegado a este Grupo, estou a senti-lo mais voltado para o "venha a nós", mais panfleto, do que fomentador de iniciativas culturais verdadeiramente mobilizadoras.
Tenho um desafio a propor: quem é que descobriu a Austrália? Dir-se-á que não foi para isso que apareceu o FACEBOOK... Claro que não deve ter sido, mas se é uma das redes sociais possíveis, por que não propor, a partir daí, um movimento que incentive quem saiba retomar o tema, sem se escudar no que 1755 terá levado?
Ou na crise económica? Ou no desemprego?
Ou será que os estudiosos têm medo de entrar nos terrenos de Sua Majestade Britânica? A nossa ministra da Educação que, a propósito, recebeu palavras minhas, acusou com prontidão e simpatia a recepção do que, a este respeito, tive oportunidade de lhe escrever. Que lhe dê agora continuidade quem pode e deve...
Ó gente das Redes Sociais, "vamos ao prático", ou não? Para que serve o FACEBOOK? Não é, com certeza, para se acabar por aparecer, bem vestido, nas capas das revistas...
Em suma: a descoberta da Austrália é ou não é tema para os estudiosos? Há-os de expressão inglesa que acham que sim... E tu, Zé dos Arquivos? Estás com receio do John? Queres o eventual êxito para amanhã? Não queres, com certeza. Avança! E depois vai, se quiseres, ao "Facebook" que houver, dizer à gente o que é que, tendo custado o "suor do teu rosto", concluiste. E não fiques a pensar que isto é uma lamechice, que não é. E, muito menos, uma tentativa para desviar quem quer que seja dos temas directamente relacionados com o "caroço"... É apenas o que se diz que é... Coisa para estudiosos. Se os não houver... Entretanto, se alguém pretender informações locais, o contacto pode ser: Carlos Lemos, Cônsul Honorário de Portugal em Melbourne. Pode dizer que vai da minha parte...
Prometi, para hoje, a segunda parte da entrevista ao Arq. Manuel Vicente.
Aqui vai...
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E, nesse contexto, estes últimos 10 anos?
Por um lado, houve com o governo Almeida e Costa uma complexicação, uma sofisticação do aparelho administrativo, que passa a dispor de mais serviços, de mais técnicos, de mais departamentos.
Houve uma qualificação técnica - e também não estou a dizer que tenha sido pelo melhor ou pelo pior -, houve uma promoção técnica do estatuto da administração pública em Macau, que era bastante burocrático, bastante feito de amanuenses, de primeiros oficiais. Era uma burocracia mais administrativa e que foi ultrapassada por burocracia técnica...
Há um grande salto com a gestão do governo Almeida e Costa. Estava lançada uma lógica, uma outra matriz organizativa da Administração de Macau.
O número de secretários-adjuntos tinha aumentado... Lembro-me que a primeira vez que houve secretários-adjuntos foi logo a seguir ao 25 de Abril, foi no tempo do coronel Garcia Leandro, em que havia três ou quatro secretários-adjuntos, ou três ou quatro áreas de especialidade, que entre si dividiam a organização da Administração Pública de Macau: uns tomavam conta destes pelouros, outros daqueles, outros daqueloutros...
Hoje em dia não sei qual é o número de secretários administrativos, mas a especialização é bastante grande.
Macau passa para a China no ano 2000. Portanto, não é natural que, a partir de agora, a Administração portuguesa sofra grandes alterações. Aliás, o caminho não podia deixar de ir no sentido de se assistir a uma racionalização das diferentes estruturas administrativas existentes: a das Obras Públicas, das Finanças, da Economia.
Mas onde estão os 16 km que nos ensinaram ser a superfície de Macau? Que disciplina, ou indisciplina, modificou estes dados, se é que modificou?...
Há uma construção que marca uma nova presença, que tem "marca da casa"?
Acho que em Macau, ao tipo de sociedade que é e ao tipo de organização administrativa e política que tem, a pessoa do governador, a personalidade do governador, é um dado essencial de qualquer julgamento que se fizer. Note que o governador de Macau detém um poder pessoal pode dizer-se que ilimitado no quadro especifíco do território.
Quando se diz: "deixar um pouco que a sociedade funcione, quase espontaneamente, auto-regulada, ou que a economia de mercado funcione plenamente", são afirmações um pouco demagógicas. Podem não ser intencionalmente demagógicas, mas são um pouco isso, porque não existe em Macau uma média burguesia, ou uma burguesia de quadros, com contornos bem definidos. Não existe em Macau uma organização dessa mesma sociedade, seja no que for, em associações disto ou em associações daquilo, não necessariamente em partidos políticos, em associações de interesses.
A maior parte das associações existentes é tutelada ou pelo lado português ou pelo governo, quer explicitamente, quer honorificamente.
Houve aí um congresso de literatura comparada e criou-se uma associação de literatura comparada. É claro que pareceu natural às pessoas convidar para presidente honorário da associação de literatura comparada a mulher do governador. Não quer dizer que seja um convite completamente estúpido. A senhora tem um curso de Letras, suponho eu, mas repare-se no que é a mentalidade de dizer que ninguém se sente suficientemente autónomo, suficientemente maduro ou adulto em Macau para ter a sua própria associação sem ir procurar o chapéu de chuva protector da Administração, seja a mulher do governador, seja o próprio governador, seja o secretário de Estado, seja quem for. Quer dizer, a maior parte das associações que existem fora do quadro da organização administrativa procura ter sempre esse chapéu de chuva - tanto do lado português, como do chinês...
Há um Plano Director para Macau?
Não há um Plano Director para Macau, no sentido da gestão do território. Mas também não há, "tout court", para a gestão da sociedade e do próprio território. Há muito pouco o sentido da continuidade. Cada governador que chega é como se houvesse uma revolução!...
Porque as pessoas, até um determinado escalão de decisão bastante baixo, são mudadas. Todo o pessoal dirigente é mudado.
Se considerar que desde 1976 houve quatro ou cinco, ou não sei quantos governadores, repare-se que é realmente muito difícil governar um barco destes... Até me admira como é que, apesar de tudo, as coisas vão andando, e até com algum brilho, com mudanças tão grandes.
E depois é um sítio bastante diferente, bastante estranho, em que se fazem extrapolações, eventualmente, desde fora, muito pouco adequadas e muito pouco eficazes.
"Aqui também só temos 500 000 pessoas..." - dirão. Começa-se a imaginar que se vai gerir uma cidade média ou uma pequena/média cidade e depois entra-se num território em que, de repente, o nível de circulação fiduciário, as quantidades de dinheiro existentes, a dimensão de algumas indústrias, nomeadamente, da imobiliária, das diversas actividades, às vezes, é superior aos movimentos de Lisboa ou de qualquer outro sítio que tenha uma dimensão, à primeira vista, mais poderosa. Macau tem uma dimensão aparentemente menos importante e tem problemas muito mais complexos.
As pessoas que vêm dirigir demoram muito tempo a tomar decisões. Para já, vêm desconfiadas, vêm com os ouvidos cheios, não querem cair em esparrelas, não querem cair em armadilhas, protegem-se muito, defendem-se muito, não querem ser presas fáceis de interesses que aparecem com ar muito simpático... E, portanto, nessa adaptação, até saberem exactamente onde estão e perceber tudo (e eu tenho confirmações de alguns ex-governadores que, depois, em conversa amena, me confessaram isso mesmo), perdem-se, normalmente, dois anos...
Mas então que espírito enforma um arquitecto debruçado sobre o estirador, tendo como realidade Macau-hoje?
Trabalha-se...Se eu abro uma loja... Não podemos ser ingénuos. Não se pode dizer: eu agora abri loja, mas é só para vender às 3ªs, 5ªs e sábados... Se uma pessoa abre a loja é para entrar num jogo... Cujo dono é, supostamente, pessoa responsável...
Mas há regras ou não?...
Não! Mas pode entrar-se num jogo em que a regra seja não haver regras... E tentar jogar esse jogo de acordo com o projecto pessoal de cada um... Eu procuro jogar de acordo com o meu projecto pessoal...
(cont.)
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Reza-te a sina...
Se não estivesse a aumentar sem trabalho o meu pecúlio (ver "Grão a grão"), estava tentado a ir visitar um fulano que, pelo que diz, vai ser um candidato sério a primeiro-ministro.
Do "curriculum" do sujeito:
Grande cientista espiritualista, descendente de uma antiga e rica família com conhecimentos de magia negra e branca. Trata de amor, justiça, inveja, maus-olhados, vícios de droga, tabaco e álcool, lê a sorte da previsão de vida e futuro, aconselha sobre dificuldades económicas e instabilidades várias.
É contactável em São (não se consegue perceber muito bem ...) Qualquer Coisa, só aceitando o "Pagamento depois do resultado", cito.
Grão a grão (III)
Queridas e queridos Frequentadoras/res deste "blogue"
Tenho a certeza que acreditam em mim. Podem não gostar do que escrevo, mas, estou certo de que não duvidam do que afirmo: ACHEI MAIS CINCO CÊNTIMOS, isto é, vou ter a possibilidade de aumentar a minha conta poupança acima da média do que vinha, como sabem, acontecendo, ao ritmo de um cêntimo de cada vez. Pois bem, agora, graças ao achado desta
manhã, posso afirmar-vos que, até ver, não me sinto afectado pela crise de que tanto se fala.
Embora, como já tive ocasião de referir, comece a sentir algum receio de um indesejável aumento de impostos.
É, portanto, em nome da nossa amizade em progressiva consolidação, que imploro o silêncio possível face a esta nova forma de aproximação à riqueza, que, para falar verdade, se continuar a crescer, não se admirem, mas passarei à clandestinidade financeira...
Se vos disser que encontrei estes preciosos cinco cêntimos próximo do local onde achei os outros quatro, não acreditam, mas é verdade...
E vão NOVE! Isto é, em moeda antiga, quase vinte paus... Ora o que é que se pode comprar com vinte mil réis?... Não sei! O que sei é que, quando me empreguei pela primeira vez, no "Diário de Notícias, esta massa dava, e sobrava, para quatro almoços no refeitório...
Homenagem
O quadro de Rubens de que aqui se faz a artesanalmente possível, a partir de um velho diapositivo, entrega à NET, não é uma reprodução concebida sem alma como, por certo, com fins puramente comerciais, o são as algures produzidas numa aldeia dos arredores de Hong-Kong, a dois passos de Macau da nossa simpatia, e transaccionadas por chinas... Eles saberão onde e com quem...
Não! O quadro de Rubens que aparece, no essencial, "reproduzido" neste "blogue" tem, nos traços e no resto, o Amor que tantas vezes falta. E, só por isso, mesmo "quase tosco", vale a pena.
Minha mulher (desculpem-me trazer para aqui a família...), deu-lhe, com saudade de Amiga, a vida que ainda possa ter enquanto encomenda que foi. Mas fez-lhe, fez-nos bem recordar assim a Próxima de Todos e Professora de Muitos.
O original, esse, obra-prima da Humanidade, deverá, entretanto, continuar algures noutro local, com novo, e indirecto, abraço de admiração (o nosso) para lhe sublinhar ainda mais traços delicados e beleza de gestos.
Na fotografia, quase tosca, assim publicada, fica expressa, e pública, a saudade pela Mulher Simples e Boa, que quis ter em sua casa, apenas consigo, a imagem da Mulher rodeada das Crianças que Rubens sabia retratar como poucos.
Em tudo, a admiração por quem "sofria" as aulas que dava... E a enorme saudade da Mulher que sonhava e tinha sempre pressa de ir nunca se soube onde, a não ser para junto daqueles cujas faces se confundiam com a sua forma delicada de existir.
Para todos, aí está a reprodução, da reprodução, da reprodução de um universo herdado para continuar a ser reproduzido enquanto houver rostos sem mácula à volta de ternuras inspiradoras a fixar.
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